Ao procurar vestígios de casas construídas no século XIX na região da Praça Brigadeiro Sampaio, o arqueólogo Alberto Tavares descobriu que o buraco ficava, literalmente, mais embaixo: desvendou também materiais indígenas do período pré-colonial. A presença de cerâmicas e flechas características de povos do Planalto no subsolo ainda reforça a tese de que não foram apenas os guaranis a única população a usufruir das águas do Guaíba.
Enquanto a definição da polêmica envolvendo o corte de árvores para a duplicação do chamado trecho quatro da Avenida Edvaldo Pereira Paiva não chega ao fim, escavações arqueológicas estão sendo feitas desde o ano passado na área já conhecida pela sua riqueza histórica.
Na primeira camada da trincheira aberta junto à Avenida Presidente João Goulart, foram encontrados escombros de casarões que existiram entre os anos 1830 e 1920. Mais abaixo, estão fragmentos de louças que, apesar de ainda não terem passado por análise laboratorial, dão indícios de pertencerem aos primeiros portugueses que chegaram a Porto Alegre. Mas foi somente o último estrato, onde estavam itens anteriores a 1700, que surpreendeu o grupo responsável pelas escavações.
- Ainda estamos na etapa de campo, ou seja, precisamos analisar todo o material para fazer afirmações. Mesmo assim, encontrar no centro de Porto Alegre vestígios da ocupação pré-colonial é uma surpresa muito grande, ainda mais por se tratarem de itens característicos de populações que viviam nas áreas mais altas do Estado, onde hoje chamamos de Serra. Esse povo possui um tipo específico de decorar as cerâmicas, diferente dos guaranis. É um material menor e com muitos pontilhados - explica Tavares.
O arqueólogo compara o terreno à ponta de um iceberg, já que se sabe da existência de um rico sítio arqueológico nas imediações. Após a análise, os objetos serão levados ao acervo do Museu Joaquim José Felizardo para servirem como fonte de pesquisa. Para o coordenador da Memória Cultural da Secretaria Municipal da Cultura, Luiz Antônio Custódio, o trabalho demonstra o potencial histórico existente sob o solo da Capital.
- Só se tinha registro em Porto Alegre da tradição guarani. Agora, esses achados arqueológicos dos habitantes do Planalto, que tradicionalmente não se encontravam na cidade, demonstram a mobilidade da população do passado, ou seja, que eles também circulavam por outros nichos, como as praias e os estuários - avalia.
Também durante os trabalhos de duplicação da avenida, em agosto de 2013, alicerces da Casa de Correção - antiga cadeia do município - foram encontrados pela empresa contratada pela Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) na Praça General Salustiano. Vestígios semelhantes já haviam saltado aos olhos dos arqueólogos entre 2010 e 2011, quando o solo passou por escavações antes da implantação de uma nova linha subterrânea da CEEE.
Descobertas arqueológicas em Porto Alegre
- Por volta de 1996, na localidade da Rua General Portinho, arqueólogos localizaram muros da antiga Praça da Harmonia, inaugurada após a Guerra do Paraguai em comemoração à paz que deveria reinar entre os países da Bacia do Prata
- Nos anos 2000, próximo à Usina do Gasômetro, foi localizada pela primeira vez a estrutura da antiga Casa de Correção e alguns vestígios da antiga usina termelétrica responsável pelo fornecimento de energia a Porto Alegre durante escavações para implantação de rede de gás na região
- Entre 2010 e 2011, obras da CEEE no sítio arqueológico reveleram resquícios da cadeia e da usina termelétrica, além de casas, outros paredões da Praça da Harmonia e uma lixeira do século XX
- Em agosto de 2013, a equipe do arqueólogo Alberto Tavares deu início ao acompanhemento das obras de duplicação da Avenida Edvaldo Pereira Paiva nas imediações da Usina do Gasômetro. Na metade do mês, encontraram outras estruturas da antiga cadeia. Já em dezembro, localizaram os primeiros materiais pré-colonias existentes na área