Uma decisão judicial pode mudar as regras para o ingresso de crianças ao 1º ano do Ensino Fundamental a partir de 2015 no Estado.
No entendimento do juiz federal Rafael Lago Salapata, da 1 ª Vara Federal de Santa Rosa, no noroeste do Estado, crianças com seis anos incompletos poderão ser matriculadas no Ensino Fundamental, desde que tenham capacidade intelectual comprovada por meio de avaliação psicopedagógica.
A decisão foi tomada no dia 10 deste mês, após o Ministério Público Federal (MPF) ajuizar uma Ação Civil Pública, questionando os critérios definidos pela resolução nº 1 de 2010, do Conselho Nacional de Educação (CNE). A resolução estabelece que o aluno só pode entrar no 1º ano do Ensino Fundamental se completar seis anos até 31 de março no ano da matrícula. Se a criança fizer aniversário após a data, ela deve ser matriculada na Educação Infantil.
As mudanças passariam a valer no próximo ano no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, mas a União e os próprios governos estaduais ainda podem recorrer da decisão. Ações semelhantes já foram ajuizadas em Pernambuco e Minas Gerais. Nos dois, a resolução está suspensa até que novas ações sejam julgadas em definitivo, de acordo com o site do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
O argumento do MPF é de que a resolução violaria garantias de acesso à educação previstas na Constituição Federal e que a capacidade de aprendizagem das crianças deveria ser avaliada individualmente, não de forma genérica. Já a União, em sua defesa, argumentou que as medidas para ingresso no Ensino Fundamental são resultado de estudos técnicos do MEC.
Na sentença, o magistrado afirmou que nenhum estudo científico foi apresentado em juízo. Salapata afirmou, também, que a regra já foi flexibilizada em 2011 e 2012, e acrescentou: "A partir das defesas ofertadas na presente demanda, é possível concluir que se orienta por critérios essencialmente burocráticos, visando à facilitação organizacional dos sistemas de ensino".
Secretário Estadual de Educação critica decisão judicial
O secretário estadual de Educação, Jose Clovis de Azevedo, definiu a decisão da Justiça Federal como equivocada. De acordo com ele, as mudanças podem atender a demanda de pais, ansiosos por matricular os filhos nas chamadas séries de alfabetização, mas contraria estudos de educadores.
_ A resolução é clara: a criança precisa de um aprendizado lúdico até os seis anos. Sem isso, ela pode perder a espontaneidade e até entrar em um processo de estresse, que leva ao desestímulo do ensino - enfatiza.
Segundo ele, a Secretaria de Educação vai estudar a decisão judicial com a Procuradoria-Geral do Estado (PDE), antes de decidir sobre como recorrer da decisão. Especialistas em educação ouvido por Zero Hora concordam com argumentos do Secretário de Educação. A professora Helenise Sangoi Antunes, do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, afirma que a decisão judicial está antecipando uma etapa do desenvolvimento da criança. Segundo ela, em 2012 as universidades públicas do país aderiram ao Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa, com o intuito de garantir que a alfabetização ocorra nos três primeiros anos do Ensino Fundamental.
_ Não estamos desobrigando os pais das responsabilidades de educação e privando os mesmos do convívio com os seus filhos? A brincadeira e a ludicidade são essenciais para o processo de construção de um ser humano, por isto o espaço da educação infantil precisa ser respeitado _ analisa a professora, que também é coordenadora Institucional do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa pela UFSM.
Para Silvia Gasparian Colello, professora de psicologia da educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), mesmo que a criança esteja pronta para ser alfabetizada antes de completar seis anos, acelerar o processo educacional pode acarretar em problemas no futuro, como a falta de maturidade para fazer uma faculdade, por exemplo.
_ São inúmeros critérios que compõem a educação: cognitivo, social, biológico, sociológico. Se começar a adiantar o processo, como a criança vai viver a adolescência? Em criança, dois ou três meses pode fazer muita diferença. Tem que ser respeitado um critério nacional. A criança pode ser transferida para outro Estado e ficar fora da idade escolar _ pondera.
O que é uma avaliação psicopedagógica
A presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), Luciana Barros de Almeida, alerta que o ingresso de criança com sei anos incompletos no Ensino Fundamental é polêmica, por isso, a avaliação psicopedagógica precisa ser pontual e focada na capacidade que dispõe a criança.
Segundo ela, a avaliação consiste em identificar as capacidades e defasagens da criança nas áreas cognitiva, afetiva e psicomotora, por exemplo. Também tem como objetivo identificar o nível de maturidade. Para isso são avaliados critérios como prontidão para a aquisição de leitura, como habilidades desenvolvidas de atenção, pensamento, raciocínio e memória, levando em consideração a idade e a turma que a criança freqüenta.
Porém, a presidente da ABP expõe que o processo de aprendizagem requer tempo e não uma corrida contra ele:
_ Do ponto de vista educacional, deseja-se entre outras coisas que crianças e adolescentes estejam prontos para viverem em equilíbrio consigo mesmo e com o outro, não se pode pensar apenas no mercado de trabalho.