Todo ano, os jurados da Academia Sueca dão tratos à bola para explicar, em poucas frases, por que deram o prêmio Nobel de Literatura a um determinado autor - normalmente com uma declaração genérica sobre os principais temas tratados por ele. Ao anunciar o prêmio deste ano, para a canadense de 82 anos Alice Munro, resolveram ser simples e diretos: ela venceu por ser a "mestra do conto contemporâneo". É só e já é bastante.
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Depois da escolha polêmica do ano passado - em que o laureado foi o chinês Mo Yan, um autor criticado pelos dissidentes chineses por ser uma figura dócil ao regime comunista -, neste ano a Academia Sueca parece ter se pautado por critérios mais literários e menos políticos. O anúncio de Munro como a vencedora foi alvo de majoritária aclamação de seus pares. A também canadense Margaret Atwood comemorou no Twitter com um "hooray" - o equivalente a um "urra". Na mesma rede, Salman Rushdie a parabenizou como uma "verdadeira mestra da forma".
Não é de espantar. Munro é uma escritora "de escritores", ou seja, seu talento no exercício do gênero é reconhecido por outros autores que a consideram uma referência, e sua obra é objeto de resenhas admiradas e de manifestações de apreço fervorosas que tentam apresentá-la como algo que merece ser conhecido por todos. Em uma resenha do livro Fugitiva (de 2004 , lançado em 2006 no Brasil), Jonathan Franzen, autor de As Correções e Liberdade, escreveu que "Alice Munro é séria candidata ao posto de melhor ficcionista em atividade na América do Norte..." e, mais adiante, emendou, propositadamente em tom de slogan: "Leia Munro! Leia Munro!". A conterrânea Atwood escreveu em um artigo para o jornal inglês The Guardian, em 2008: "Ela é o tipo de escritor de quem se costuma dizer - não importa o quanto seja conhecido - que deveria ser mais conhecido". Para a americana Cynthia Ozyck, Munro é o "Tchekhov da língua inglesa" - em uma referência ao mestre russo do conto.
Alice Munro nasceu em 1931 em Wingham, no sudoeste de Ontário, região onde ambientou boa parte de sua melhor ficção. O Munro é o sobrenome do ex-marido, James Munro, com quem foi casada de 1951 a 1972. Formada em Inglês pela University of Western Ontario, ela estreou na ficção em 1968, com uma coletânea de histórias curtas que rendeu aclamação imediata: Dance of Happy Shades. De lá para cá, ela consolidou sua reputação a cada nova coletânea de contos que publicava - são 14 ao todo, a mais recente, Dear Life, lançada no ano passado. A referência a Tchekhov faz sentido também em termos de temática e técnica. A prosa de Munro é exata e elegante, preocupada em flagrar, em sua maioria, personagens femininos em situações domésticas sob as quais se desenrolam pequenas tragédias do cotidiano. Sua obra coloca sempre seus personagens em destaque contra o pano de fundo de uma vida interiorana, classe média, em cidades pequenas de ritmo meio urbano, meio rural.
Munro, que vive mais dedicada ao fazer literário do que ao mundo literário, dá poucas entrevistas, mas concedeu uma à rádio canadense CBC pouco depois de ouvir a notícia de que havia vencido - ela dormia, esquecida do prêmio, até ser acordada pela filha com a novidade.
Ao comentar quais as consequências de sua vitória, a primeira de uma canadense que vive e mora no país - tecnicamente, Saul Bellow, o Nobel de 1976, também nasceu lá mas se mudou ainda criança para Chicago -, ela partilhou suas esperanças de que o prêmio se reflita em um maior conhecimento da literatura feita pelos escritores do Canadá:
- Acho que haverá mais reflexões sobre os escritores canadenses como um todo. Espero que isto ajude a impulsionar a ideia de que os canadenses possam escrever para o mundo.