Há tempos os produtores culturais descobriram que ficar nas mãos de leis de incentivo não fará todos os seus projetos saírem do papel e passaram a recorrer aos sites de financiamento coletivo - comumente chamados de crowdfunding. Seguindo esse exemplo, e também uma tendência mundial da busca cada vez maior por recursos de grão em grão, profissionais e sonhadores com projetos de outras naturezas buscam essa solução. Do sequenciamento genético do mexilhão dourado ao tuning de uma carroça, tudo é possível com uma ajudinha dos amigos (e, especialmente, de desconhecidos).
Só nos primeiros nove meses deste ano, o Catarse, um dos sites mais conhecidos da área no Brasil, já movimentou R$ 4,4 milhões. É um crescimento de 10% em relação ao arrecadado em todo o ano de 2012, e de cerca de 300% se comparado ao montante relativo a 2011, ano em que o Catarse nasceu. Diego Reeberg, sócio-fundador, explica que, dessa quantia, 34% vão para projetos culturais, parcela que vem diminuindo a cada ano. Ele acredita que mora na diversidade de casos de sucesso a razão pela qual cada vez se procura mais o crowdfunding.
- Inclusive nós abrimos novas categorias, como meio ambiente e social. A de jogos também tem aumentado - conta Reeberg.
Para a especialista em economia da cultura pela UFRGS e mestranda em Comunicação Social na PUCRS Vanessa Valiati, o sucesso dessas plataformas faz com que se abram portas de sites até específicos para outras áreas, como o bicharia.com.br, que tem foco em projetos para ajudar animais carentes, e o oformigueiro.org, para a área de educação.
- Descobriram que é uma maneira fácil de tirar suas ideias do papel. Tem a ver com a consolidação da cultura digital e com o didatismo da coisa, porque é muito fácil usar - diz Vanessa.
Outro site do gênero, o vakinha.com.br, nasceu em 2009 e tem uma cartela ainda mais abrangente. De filmes a presentes de aniversário, diferentemente de outros sites, não há restrições. Fabrício Milesi, cofundador do Vakinha, conta que há casos dos mais pitorescos.
- Teve um catador de latinhas do Rio de Janeiro que havia juntado dinheiro para comprar uma casa e foi assaltado. Então, sem ninguém conhecê-lo direito, um pessoal se mobilizou e está praticamente batendo a meta de R$ 28 mil para repor. Teve também um caso engraçado de uma mulher que foi pega fazendo sexo na escada do Edifício Copan, em São Paulo, e fez uma vaquinha para pagar a multa. Ela não atingiu a meta, mas atingiu a fama - lembra Milesi.
AUTOESTIMA, ALTO EM CIMA!
Em uma das rotineiras visitas ao barbeiro, o estalo do publicitário Daniel Mattos, 27 anos, foi simples: proporcionar um dia de vaidade a crianças que perderam o cabelo durante o tratamento contra o câncer. O projeto, que incluiu a compra de centenas de perucas, montagem de estrutura e o trabalho voluntário de cabeleireiros, maquiadores, tatuadores e DJs, foi rapidamente aprovado pelo setor de Oncologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e pelo Instituto do Câncer Infantil. Faltava só o dinheiro.
- Encaramos o crowdfunding como a melhor alternativa para monetizar a nossa ideia. E o retorno foi verdadeiro. Aquilo que eu tinha pensado fazia sentido para outras pessoas também, a ponto de elas contribuírem com mais de R$ 8 mil, enquanto o estipulado era somente a metade disso - lembra Daniel.
O evento Haircut Day reuniu dezenas de pacientes, familiares e médicos em dois dias de confraternização e sorrisos largos em julho deste ano. Os 119 apoiadores tiveram, entre outras recompensas, seus nomes nos créditos do vídeo que registrou a grande festa.
Criador da Smile Flame, que organiza projetos de comunicação com o objetivo de impactar positivamente a sociedade, Daniel encara 2013 como um laboratório. Todos os projetos desenvolvidos neste ano são "no amor", como ele define. A partir de 2014, o objetivo é aproveitar todas as possibilidades da plataforma de financiamento coletivo.
- Vamos descobrir a fórmula de como se sustentar fazendo o bem. Se eu conseguir viver fazendo isso, serei a pessoa mais feliz do mundo - garante Daniel.
UMA MOBILIZAÇÃO, DUAS CAUSAS
Diante da notícia do incêndio que causou a morte de centenas de jovens universitários em Santa Maria no dia 27 de janeiro deste ano, a atitude das amigas Mariana Camardelli, 27 anos, e Gabriela Guerra, 26, foi rápida e certeira: ainda naquele domingo, criaram uma vaquinha online para a compra de donativos para voluntários que trabalharam após a tragédia.
- A gente ouvia que estavam precisando de papel higiênico, alimentos e outros materiais. Então sugeri a Gabriela que fôssemos no mercado e mandássemos as compras pelas linhas de ônibus que faziam o trajeto gratuitamente. Foi então que pensamos: por que a gente não faz uma vaquinha para que mais gente possa ajudar? - conta Mariana.
A meta de R$ 20 mil foi batida em menos de cinco dias. O dinheiro excedente (o montante superou R$ 40 mil) foi destinado a quem perdeu sua casa no incêndio que atingiu a Vila Liberdade, em Porto Alegre, no mesmo domingo da tragédia da Kiss.
A prestação de contas, para comprovar o destino das doações, também foi virtual: as notas fiscais das compras foram disponibilizadas no Facebook.
GENOMA DO MEXILHÃO
Em um vídeo bem humorado e bem produzido, a bióloga Marcela Uliano, 26 anos, contou a história de um dos grandes vilões das águas, o mexilhão dourado. Em 60 dias, ela captou mais de R$ 40 mil para financiar parte de sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Por meio do Catarse, a jovem divulgou sua pretensão em fazer um mapeamento genético do mexilhão e entender quais características tornam o molusco um invasor tão resistente, capaz de transformar ecossistemas inteiros. A catarinense foi apoiada por 361 pessoas, das quais 11 contribuíram com R$ 1 mil.
- Muitos rios, como o Jacuí, já foram invadidos por essa praga. O estudo pretende conhecer o mexilhão a ponto de impedir que ele chegue à bacia amazônica. E a proteção da Amazônia é uma bandeira que mexe com as pessoas. Todo mundo se importa com a natureza e quer contribuir. Isso me deixou bastante emocionada - conta a pesquisadora.
Além de possibilitar o financiamento, a divulgação do projeto permitiu a aproximação da comunidade com a academia. Inúmeros apoiadores parabenizaram Marcela pela iniciativa, e houve até quem ofereceu a memória do computador para fazer cálculos durante a noite. Como recompensa, quando a pesquisa acabar, daqui a quatro anos, os patrocinadores de Marcela terão seus nomes batizando proteínas, enzimas e vias catabólicas que forem descobertas. E, claro, essa praga terá um fim mais próximo.
A UNIÃO DIGITAL FAZ A FORÇA
E se as formiguinhas inspirassem uma sociedade a se unir em favor da educação pública? Com essa ideia e a parceria de outros sete amigos, o carioca Gabriel Richter, 18 anos, que estuda economia, desenvolveu a plataforma de financiamento coletivo oformigueiro.org.
Criado há pouco mais de um mês, o site reúne projetos de cunho educacional realizados por instituições sem fins lucrativos. Todas as iniciativas são de baixo custo - entre R$ 100 e R$ 1,5 mil - e voltadas a melhorias na infraestrutura de escolas e comunidades.
Na página, é possível colaborar com doações e enviar projetos como, por exemplo, o Reforço Escolar Santa Teresinha, que pretende reunir R$ 1,3 mil para a compra de mesas, cadeiras e materiais escolares que serão usados em aulas de reforço voltadas a crianças e adolescentes do Complexo do Lins, comunidade não pacificada no Rio de Janeiro. Todo o dinheiro é convertido para os projetos e os apoiadores não recebem recompensas, como em outras plataformas.
- Tenho certeza de que no Brasil há muitas pessoas do bem. A questão é que, apesar de quererem ajudar, acabam não fazendo porque moram longe, porque não têm contato com as as instituições que querem ajudar ou por falta de tempo. A plataforma está aí para criar oportunidades - resume Gabriel.
O Formigueiro defende que é possível gerar mudanças com pequenos gestos:
- Você ainda se acha pequeno frente ao grande obstáculo? Nesse caso, lembre-se das formiguinhas. Ora, elas são seres pequenininhos, mas você bem sabe o estrago que elas fazem quando atacam o seu enorme bolo de fubá.
SAIBA MAIS:
- Quem pede financiamento por meio de um site de crowdfunding quer que desconhecidos também apostem em seu projeto. A especialista em economia da cultura Vanessa Valiati dá algumas dicas para tornar a sua vaquinha mais atraente.
- O formulário: nos sites de crowdfunding, como o Catarse, há diversos requisitos a serem preenchidos para que a pessoa que tenha interesse em contribuir entenda bem como vai funcionar a ideia e para onde vai o dinheiro. Preencher correta e completamente esse formulário empresta maior credibilidade à vaquinha.
- O vídeo: exibir as informações em um vídeo divertido e bem editado pode chamar ainda mais a atenção de doadores.
- A rede: a força dos envolvidos nas redes sociais é fundamental para fazer a roda girar. Quanto mais o projeto tiver a adesão de gente com grande capital social, mais chances tem.