Filmes como Frances Ha não raro desandam entre os excessos formais, as múltiplas referências cinéfilas, a pretensão de se mostrar ao público como obra descolada - mas com muito a dizer - e as desventuras de um protagonista que se impõe por suas disfuncionalidades afetivas.
Mas o diretor americano Noah Baumbach encarou o risco e fez um filme em que essas características ficam em plano secundário diante da inventiva apresentação de uma das mais fascinantes personagens do cinema recente.
Baumbach, que despontou com o autobiográfico A Lula e a Baleia (2005), longa pelo qual foi indicado ao Oscar de roteiro original, forma uma inspirada parceria com a atriz Greta Gerwig - que escreveu com ele a história da figuraça que ela própria incorpora. A rigor não é bem uma história, mas sim o recorte de um momento de impasse na vida de Frances, 27 anos, que mora em um subúrbio de Nova York e ainda espera realizar o sonho de ser bailarina profissional. Ela divide o apartamento com a melhor amiga, Sophie (Mickey Sumner, filha do músico Sting), com quem tem uma convivência tão íntima e cúmplice que, brincam elas, são como um casal de lésbicas sem sexo.
Sophie tem um bom emprego, namorado e anuncia que está saindo de casa. Frances, por sua vez, conta o dinheiro como estagiária na companhia de dança na qual ambiciona ser integrada e acaba de romper com seu parceiro. Ela, então, inicia um périplo dividindo apartamento com outros conhecidos, visitando os pais na Califórnia e até mesmo passando um epifânico final de semana em Paris.
Os sucessivos baques e sua determinação em seguir em frente com seu jeito meio destrambelhado, sincero e sempre afetuoso parecem desenhar em torno de Frances um universo fabular, como se ela fosse uma Alice desorientada pelas maravilhas de Nova York - representada na efervescência cultural da cidade e por amigos artistas visuais, roteiristas, editores de revistas e dançarinos que chegaram ao mundo adulto antes dela.
O grande mérito de Baumbach, que registra tudo num preto e branco de encher os olhos, é sublinhar o tom naturalista do filme, mostrando Frances como uma personagem bastante crível também no mundo real. Ela não é uma caricatura, como se costuma ver em filmes independentes americanos que retratam personagens com esse perfil.
Se a fotografia, alguns personagens e certas situações da dramaturgia proposta por Baumbach remetem ao frescor da nouvelle vague, se características da protagonista e a Nova York em branco e preto parecem decalcados do Manhattan de Woody Allen, Frances Ha se impõe como uma obra original. E é muito contemporânea no retrato das inquietações que movem alguém que se encontra naquela etapa da vida em que se parece correr contra o relógio das ambições pessoais e das expectativas que os outros têm.
Não menos importante: a trilha sonora é ótima em seu ecletismo, que vai de composições originais do francês Georges Delerue a Rolling Stones. Cabe destacar que a empolgante sequência embalada por Modern Love, de David Bowie, é uma citação à cena parecida e com a mesma canção vista em Sangue Ruim (1986), o cult francês dirigido por Leos Carax.
Greta Gerwig
Novo filme do diretor Noah Baumbach acompanha desventuras de garota por uma Nova York em preto e branco
"Frances Ha" mostra uma das mais fascinantes personagens do cinema recente
Marcelo Perrone
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