As pessoas que acham baratas e escorpiões repugnantes precisam saber que, possivelmente, os insetos farão parte das refeições dos netos e bisnetos delas. A previsão é da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Em 2050, quando a população mundial chegar a 9 bilhões de pessoas e a carne se tornar insuficiente para satisfazer a necessidade de todos, os insetos serão a fonte de alimentação do planeta.
O paladar poderá estranhar, mas o corpo não. De acordo com a FAO, os insetos são ricos em cálcio, ferro, zinco e, principalmente, proteína. Em países da Ásia e da África, eles são consumidos com naturalidade. No Brasil, embora não haja registros no Ministério da Agricultura da produção desses bichinhos para o consumo humano, é possível experimentar os insetos em restaurantes - a maioria deles confecciona os pratos inspirados em tradições indígenas.
Na cidade de Silveiras, em São Paulo, as formigas içás, também conhecidas como tanajuras, fazem sucesso no cardápio do Restaurante do Ocílio. São torradas na banha de porco com alho e servidas envoltas na farinha de mandioca.
- Há quem as coma cruas, com as asas, as patas e o ferrão. Pode parecer assustador, mas são em situações como essas que percebemos a força da alimentação dos índios preservada - diz Ocílio Ferraz, membro da Academia Brasileira de Gastronomia e dono do estabelecimento.
A farofa de tanajura é muita consumida em Silveiras e em outros municípios que formam o Vale do Paraíba. Segundo Ocílio, as usadas no seu restaurante são trazidas por um funcionário que é índio.
- Faz parte da tradição desse povo se alimentar delas. O período das revoadas das içás vai do meio de outubro até a segunda quinzena de dezembro, mas é possível conservá-las sob refrigeração. Não inventei nenhuma receita, mas já vi as içás em pizza, bolo salgado e hambúrguer - relata.
Diretor da empresa Nutrinsecta, em Betim (MG), Luiz Otávio Gonçalves explica que os produtos são fornecidos basicamente para a alimentação animal.
- Mas é crescente a demanda de chefs de cozinha. Eles nos procuram para conhecer os insetos e realizar testes de receitas. Produzimos uma tonelada e meia de insetos por mês. Isso significa que temos uma tonelada de proteína pura para consumo. Se regulamentado para venda como comida humana, é possível que esse número cresça consideravelmente - diz Gonçalves.
O empresário não acredita que, no futuro, as pessoas terão como base alimentar os insetos. Para ele, os bichos poderão ser um complemento nas refeições, usados para suprir deficiências nutricionais. Gonçalves sugere aos iniciantes no assunto a ingestão de pó de insetos ricos em proteínas, como os grilos pretos, as baratas cinéreas e as larvas de mosca doméstica.
- Não tem gosto de bicho. Quando alguns chefs os utilizam em receitas, dificilmente quem come sente o sabor do inseto - garante.
O premiado restaurante dinamarquês Noma, eleito o melhor do mundo por três anos consecutivos e atual segundo colocado do ranking, oferece gafanhotos e formigas. E o menu pode ganhar ainda mais ingredientes.
A Nordic Food Lab - instituto fundado por René Redzepi, chef do Noma, e pela Universidade de Copenhague - recebeu do governo dinamarquês uma verba de R$ 1,26 milhão para expandir as pesquisas sobre os insetos na gastronomia. A intenção é fazer com que os bichos fiquem mais apresentáveis nas composições e despertar o interesse por esses pratos no Ocidente.
Variedade
De acordo com Eva Muller, coautora do estudo da FAO que mostra a importância da alimentação com insetos, a intenção da entidade, que fez a pesquisa em parceria com a Universidade de Wageningen, na Holanda, é fazer também com que os insetos sejam mais explorados na gastronomia, já que há uma variedade grande de espécies.
Professor de biologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Eraldo Costa, que participou da reunião técnica da FAO, no ano passado, que resultou na recomendação, destaca que a mudança dos hábitos alimentares envolve também uma questão de sustentabilidade.
- Os insetos podem fazer parte de uma dieta diária com receitas saborosas, que terão os nutrientes importantes para a saúde. Basta adaptação. Antes, a nossa cultura alimentar não era adepta do peixe cru. Hoje, vemos as pessoas se deliciando com a gastronomia japonesa. Mais cedo ou mais tarde, haverá apelo também para os insetos - aposta.
Eraldo Costa chama a atenção para outro bicho, bastante consumido na região amazônica, que pode virar ingrediente nas refeições do resto dos brasileiros. Trata-se das larvas de coco, ricas em proteínas e saboreadas cruas pela população indígena.
- Daí a importância de fazermos estudos com essas comunidades. Elas sabem onde encontrar insetos que contribuem para uma boa alimentação - considera.
As larvas começam a ser consumidas fora das aldeias, como em regiões da Bahia, do Piauí e do Maranhão. Os nomes dos ingredientes mudam conforme as localidades: congo, tapuru, coró, fofo, morotó, boró e bicho do coco. A paulista Neide Rigo gosta de cozinhar de forma inusitada. Por isso, rendeu-se às larvas de coco. Aqueceu a frigideira com um fio de azeite, jogou o ingrediente, polvilhou com flor de sal para finalizar o prato e se surpreendeu.
- O curioso é que não precisava colocar o azeite. Elas mesmos soltam uma gordura e ficam crocantes - diz.
Sobre o sabor da iguaria, ela é enfática:
- Tem gosto de torresmo de porco em gordura de coco. Uma delícia. Pena que tinha pouco. Senão, faria uma farofa ou comeria com arroz, pois parece ser uma boa combinação.
Cuidados
Para quem quer incrementar o cardápio de casa, é bom não buscar os novos ingredientes no jardim. Eraldo Costa, professor de biologia da UEFS, alerta que existem espécies de insetos tóxicas para o consumo humano. Apenas as que são mantidas em criadouros podem ser saboreadas.
- Assim como qualquer outro alimento, devem ser adquiridas por empresas seguras. O melhor é que sejam empresas de fora, já que ainda não há regulamentação no Brasil.
O biólogo acredita que a mudança no comportamento alimentar, principalmente nos países do Ocidente, também gerará economia, já que o custo envolvido na criação de insetos é menor se comparado ao dos pecuaristas, por exemplo. Para Ocílio Ferraz, a revolução gastronômica também influenciará o preço da comida cobrado pelos restaurantes.
- Hoje, vemos alguns pratos que custam meio salário mínimo. Acho isso exagerado, mas, com o avanço das propostas com os insetos e diante da simplicidade deles, a alimentação ficará mais equilibrada e com o valor acessível.