Toda mulher sonha em um dia desfilar, disse a soldadora Andressa Bragé. Levou 21 anos para Andressa realizar o desejo: pouco depois das 14h desta sexta-feira, ela pisou pela primeira vez na passarela montada na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, pela qual deslizou com um sorriso arisco.
Andressa foi a segunda de uma fila de 10 detentas que desfilaram na prisão para comemorar o Dia Nacional da Defensoria Pública, celebrado amanhã. Os trajes tinham sido feitos por elas, com materiais que utilizam no trabalho interno. Andressa segurava uma bolsa e levava no pescoço um colar, tudo feito de placas de computador. Antes do desfile, ela apontou para os paramentos, com orgulho:
- Eu gostei da ideia de mostrar nosso trabalho assim. Meu serviço aqui é das 8h30min às 17h, o que está me ajudando a criar o hábito de trabalhar diariamente, para um dia, quem sabe, mudar de vida e conseguir criar meu filho com paz e segurança.
Não havia mulheres empalidecidas pela reclusão. Aparecia, isso sim, um abatimento inicial por outro motivo. Às 2h do dia anterior, tinha morrido Rafaela Pacheco, 31 anos, uma das apenadas mais brincalhonas. Era tão piadista que ninguém acreditou, de primeira, que ela estava sofrendo um ataque cardíaco. Morreu no hospital. As 10 mulheres entraram na passarela com fitas negras presas no braço.
Quando a última detenta apareceu, a ovação foi geral. Daiana Meirelles de Souza, 24 anos, caminhou como se as passarelas fossem o seu chão. Lembrava uma modelo mesmo, com um jeito blasé e malandro de dar cada passo. Alcançou as colegas no palco e formaram uma fila, todas com uma perna dobrada para a frente. Assim, como modelo. Mesmo. Aí os fotógrafos se empoleiraram e só se ouviam clics. E Daiana tranquila nas poses. Então confessou que cinco anos atrás, antes da prisão, estava sempre envolvida com desfiles promovidos por salões de beleza. Hoje, é a cabeleireira das detentas - e ouvido para fofocas, óbvio.
- A fofoca é pior aqui, tanto que pode fazer uma guerra na cadeia inteira - brincou.
No final, o clima de luto havia cedido espaço para a alegria. A produtora de moda que serviu de estilista das presas, Patrícia Cuozzo, 28 anos, estava radiante depois de um mês de preparação. Foram muitas dificuldades para encontrar a dezena de interessadas. De início, apareceram sete. Aí uma foi solta e outra entrou para o castigo. No final, porém, tudo deu certo.
- Quando cheguei, não foi um u-hu! Desfile de moda! Não. Elas me diziam: eu não vou usar essa coisa horrível. Mas o tempo foi passando, elas foram aceitando. Agora, estão superfelizes - disse.
O evento vitaminou a autoestima das detentas, concordou a diretora da penitenciária, Marilia dos Santos Simões. E a Andressa, lembra da Andressa? Ela sentiu uma brisa de liberdade no desfile, nas fotos, nos aplausos, e lembrou que a Justiça pode decidir pela sua soltura no final de 2014:
- Isso me deu uma saudade. Saudade da chuva. Uma saudade grande de sentir o vento no rosto.
A vida na cadeia
- População carcerária no Brasil: 513.802
- Homens: 93%
- Menores de 30 anos: 48%
- Detentos que trabalham: 94.816
- Detentos que estudam: 8%
A campanha
- Pelo Direito de Recomeçar é o nome da campanha que celebra o Dia Nacional da Defensoria Pública, comemorado amanhã.
- O objetivo da campanha é incentivar o estudo e o trabalho dos apenados nos presídios do país.
- Uma das ações da campanha foi mostrar o trabalho das presas da Penitenciária Madre Pelletier, na Capital, onde houve um desfile de 10 apenadas com trajes feitos a partir de materiais do trabalho delas.
- Para as roupas do desfile, as detentas utilizaram materiais como saquinhos de fermento, caixas de leite, fiação elétrica e peças de artesanato.