A Polícia Civil confirmou o indiciamento criminal de 16 pessoas por responsabilidade no incêndio que matou 241 pessoas na boate Kiss em 27 de janeiro, anunciou o delegado Marcelo Arigony nesta sexta-feira na apresentação do relatório do inquérito sobre a tragédia. Ao todo, 28 pessoas foram relacionadas no documento.
Nove indiciamentos são por homicídio doloso, sete por incêndio, quatro por homicídio culposo, dois por fraude processual e um por falso testemunho. Algumas pessoas foram indiciadas por mais de um crime.
O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, teve sua responsabilização sugerida no inquérito, mas, como ele tem foro privilegiado, a Polícia Civil não pode indiciá-lo criminalmente. O delegado Arigony afirmou que a polícia pedirá ao Tribunal de Justiça que abra processo contra o prefeito por homicídio culposo, e recomendará à Câmara Municipal da cidade que o processe por improbidade administrativa. Minutos após a divulgação do relatório, Schirmer deixou a prefeitura sem falar com a imprensa. A assessoria do prefeito informou que ainda não foi definido se ele se manifestará por meio de nota oficial ou entrevista coletiva.
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Os dados que constam nas mais de 13 mil páginas do documento começaram a ser apresentados pouco depois das 14h30min no anfiteatro Flávio Miguel Schneider, no Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
- Nós não estamos aqui para agradar a todos. Estamos aqui para apontar os fatos tecnicamente - disse Arigony no início da sua apresentação.
Somatório de causas
Entre as causas apontadas pela Polícia Civil para as mortes na Kiss, estão a lotação excessiva da casa, a existência de apenas uma porta de saída, o acendimento de um sinalizador por um integrante da banda, barras de ferro instaladas irregularmente próximo à porta, que dificultaram a saída das pessoas. Além disso, segundo o delegado, no momento do incêndio o vocalista da banda Gurizada Fandangueira não avisou aos frequentadores sobre o início das chamas.
Veja o resumo de causas disponibilizado pela Polícia Civil:
1 - O fogo teve início por volta das 3h da madrugada do dia 27/01, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), deflagrado por uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) empunhado por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.
2 - O extintor de incêndio, localizado ao lado do palco da boate, não funcionou no momento do início do fogo.
3 - A boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás.
4 - Havia superlotação: no mínimo 864 pessoas estavam no interior da boate.
5 - A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular, feita de poliuretano.
6 - As grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas.
7 - A boate tinha apenas uma porta de entrada e saída.
8 - Não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência.
9 - As portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário.
10 - Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.
VÍDEO: polícia apresenta imagens que embasaram indiciamento criminal
Confira o relatório do inquérito disponibilizado pela Polícia Civil:
Confira algumas das informações sobre os depoimentos colhidos ao longo dos interrogatórios:
- 199 pessoas afirmaram que lotação era superior a 1 mil pessoas.
- 83 pessoas falaram que o vocalista da banda usou fogo de artifício em sua mão e o ergueu em direção ao teto.
- 50 pessoas declararam que havia mais fogo nas laterais do palco da boate Kiss.
- 181 pessoas viram que o fogo se iniciou acima do palco.
- 65 pessoas viram que jogaram água no foco do incêndio.
- 108 pessoas declararam que o vocalista e um segurança tentaram usar extintor que não funcionou.
- 153 disseram não ver luzes, placas ou sinais indicando saídas de emergência.
- 84 pessoas afirmaram que seguranças impediram saída por segundos ou minutos.
- 124 pessoas afirmaram que barras de contenção próximas à saída obstruíram a saída.
- 178 pessoas afirmaram que havia fogos em outras ocasiões, inclusive com aromatizador de ambientes.
- 18 pessoas afirmaram que não havia treinamento para uso de extintores nem orientação para evacuação em grandes tumultos ou incêndio, nem meio de comunicação imediato entre os funcionários da boate Kiss.
- 24 pessoas confirmaram que houve diversas reformas na boate. Depoimentos indicam que eram feitas sem responsável técnico ou projeto aprovado.
- 17 pessoas afirmaram que Mauro Hoffman participava da administração e possuía poder de mando.
- 47 pessoas confirmaram terem presenciado civis entrando no momento do incêndio e retirando vítimas.
VÍDEO: a homenagem aos filhos de Santa Maria
Clique na imagem e confira o perfil das 241 vítimas:
Como aconteceu
O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, começou entre 2h e 3h da madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, quando a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna.
Sem conseguir sair do estabelecimento, pelo menos 240 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridos.
A tragédia, que teve repercussão internacional, é considerada a maior da história do Rio Grande do Sul e o maior número de mortos nos últimos 50 anos no Brasil.
Em gráfico, entenda os eventos que originaram o fogo:
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