Os dois colegas de trabalho pararam em uma extremidade do canteiro de obras sob uma árvore imensa marcada com um P branco, que, ironicamente, protegia-os do sol escaldante de sexta-feira passada.
Vamos chamá-los de Gringo e Moreno, os representantes dos dois lados no grande rolo causado pelo corte de árvores na Praça Julio Mesquita, em frente à Usina do Gasômetro, no centro de Porto Alegre.
Gringo era favorável à derrubada dos vegetais. Moreno, contrário. Gringo tinha menos vitalidade, mas gritava mais - enfim, o cara é gringo. Moreno ouvia, quieto, ao lado do seu caminhão. Quando Gringo silenciava, Moreno o aturdia com palavras de defesa ecológica. Um gordinho que também estava naquela sombra refrescante tomou o partido do Gringo. Moreno esperou, como sempre. Paciente, deixou o silêncio predominar para depois inflar o dorso tatuado e lançar os xingamentos que atingiram o gordinho:
- Quando tu estiver no hospital, aí vai querer mais ar para respirar. Tu já está mal agora, nem consegue ficar em pé.
Desde 6 de fevereiro, debates como este presenciado por Zero Hora, sobre o plano da prefeitura de retirar cerca de cem árvores do local, são acalorados - 400 serão plantadas para compensar. Surpreendidos pelo início dos cortes, moradores e ativistas escalaram as árvores que ainda não tinham caído e impediram a ação das motosserras - eles consideram que a população não foi informada do desmatamento com antecedência.
Por isso, em uma audiência no Ministério Público no dia 19, houve um acordo com o Executivo de que o plano completo das derrubadas estará disponível à população a partir de amanhã, fisicamente na prefeitura e virtualmente no site www.portoalegre.rs.gov.br. O documento deve ficar liberado até 18 de março, dia de audiência pública na Câmara de Vereadores sobre o caso, segundo o promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente Alexandre Saltz.
- Nesse período, vamos fazer a análise técnica do projeto e conti-
nuamos trabalhando com a questão das compensações ambientais, para ver se elas são suficientes. Haverá uma perda para a comunidade com essas árvores derrubadas, e isso deve ser compensado, também - disse.
Destino anunciado por letras pintadas
Na região, é fácil ter ideia do alcance das motosserras. Caules marcados com letras C (corte) e P (poda) se espalham da praça até a Avenida Edvaldo Pereira Paiva, que será duplicada e já deixa aparente seu desenho no futuro. Até lá, ainda pode ter muita discussão como a de Gringo e Moreno, que, exaltados, nem percebiam, ao fundo, um grupo de estudantes da UFRGS gravando um programa em vídeo sobre o corte das árvores da praça.
- Tem árvore que já tá oca aqui. Olha aquela ali. E se um tronco cair na tua cabeça? - provocou o gordinho.
- Vai ser porque Deus quis.
- Que nada! Tu vai xingar a árvore como se fosse um bicho! - gritou o Gringo.
Aí o Moreno também gritou, e o Gringo soterrou a voz dele. Sério e calado, Moreno saiu, devagar. Gringo parou com os desaforos. Moreno subiu no caminhão e ligou o motor. Ficou um tempo parado, então as rodas começaram a se mover. O gordinho e o Gringo se olharam.
- Ele ficou brabo - temeu Gringo.
Com olhos inflamados, Moreno avançou com o caminhão. A dupla recuou. Então o caminhão desviou, em direção à obra.
Gringo e gordinho se olharam, aliviados, debaixo da árvore frondosa marcada para a poda.