A retomada do inventário de 116 prédios históricos, a partir de março, provocará novamente um atrito entre órgãos públicos, entidades culturais e moradores de Santo Ângelo, nas Missões.
Enquanto entidades municipais de cultura e Ministério Público defendem a conservação do patrimônio arquitetônico no centro da cidade, os proprietários de imóveis temem que a proteção impeça reformas e novos investimentos.
O estudo é realizado no município desde maio do ano passado, em convênio com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae). A proposta é verificar o valor de cada imóvel e indicar quais deles devem ser tombados como patrimônio histórico.
O levantamento técnico também apontará quais os níveis de preservação a que cada prédio estará submetido, e o que cada proprietário poderá ou não fazer na construção, mesmo que seja sua casa.
Apesar de o processo estar em andamento, a equipe que realiza o inventário não soube informar o número exato de imóveis que são residenciais no Centro Histórico de Santo Ângelo. Sabe-se apenas que a maioria das matrículas é de propriedade particular.
- Estimamos que a maior parte será indicada para preservação de fachada, o que admite várias intervenções construtivas. Só porque o prédio é antigo não quer dizer que ele tem valor histórico e será tombado. Mas é preciso que haja uma lei regulamentando a questão - pondera a historiadora Débora Mutter, 24 anos, mestre em História pela PUCRS, que integrou a equipe multidisciplinar coordenada pelo arquiteto e urbanista Paulo Tissot.
O estudo completo sobre o assunto deve ser entregue até a metade deste ano, de acordo com Tissot, já que parte do inventário foi encaminhada ainda no fim do ano passado.
- Para concluir o projeto precisamos conversar com todos os proprietários e explicar qual o tipo de valor atribuído ao seu imóvel. Também é necessário avaliar o interior de cada prédio - ressalta o arquiteto.
Falta de esclarecimentos incomoda os proprietários
Proprietário de um imóvel no centro de Santo Ângelo, considerado histórico por suas características arquitetônicas e por relatos de que Luís Carlos Prestes teria trabalhado no local, o advogado Nelmo Costa, 47 anos, contesta a proposta. Para ele, o prejuízo é tanto para o imóvel quanto para os proprietários:
- O sistema de tombamento adotado no Brasil é fracassado, pois gera problemas imensos e que se arrastam por décadas. Os proprietários têm os bens desvalorizados, sem contar que estão sujeitos a penalidades.
Segundo Costa, outro ponto não esclarecido até o momento envolve indenizações. Ele observa que os proprietários aguardam uma forma de compensação financeira se tiverem seus imóveis tombados.
É o caso do próprio advogado, que tinha o interesse de construir um apart-hotel no imóvel que adquiriu e acabou desistindo. Os motivos foram o tombamento provisório e uma decisão judicial, a partir de ação civil pública, impedindo a realização de qualquer obra.
- Não podemos fazer modificações de qualquer ordem, reformas, alterações ou demolições. E há restrições para transferência de herança ou venda. Tenho um financiamento travado de R$ 500 mil. A ideia era construir um hotel, mas agora não sei mais se vou fazê-lo - afirma o advogado.
Impasse surgiu após demolição de prédio histórico no município
A polêmica em torno do tombamento de imóveis ganhou repercussão quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) tombou, provisoriamente, em agosto do ano passado, o Centro Histórico de Santo Ângelo, que compreende cerca de 500 imóveis. No local, ficava a Redução Jesuítica Santo Ângelo Custódio.
A medida, justificada como preventiva, ocorreu após um prédio construído no início do século 20 ter sido parcialmente destruído. Na época, a obra foi embargada pela Justiça. Mas após o proprietário obter decisão liminar, a estrutura foi demolida.
A promotora de Justiça de Santo Ângelo, Paula Regina Mohr, em entrevista à época da intervenção do Iphae, lembrou que o MP vem tentando discutir a questão desde 2004. Segundo ela, a ausência de uma lei específica deixa a situação dos prédios históricos indefinida.
- Na segunda tentativa de discutir uma lei, em 2009, houve uma reação muito contrária de alguns proprietários, e o projeto acabou não sendo votado. Acho que foi um erro, porque acabou colocando todo mundo em situação de insegurança. Afinal, onde não tem lei, há uma insegurança - destaca a promotora.
As etapas
- O primeiro passo é a pesquisa documental, que já foi concluída.
- Em seguida, vem a pesquisa de campo, que está em andamento e inclui o levantamento das edificações com registros gráficos, fotográficos, elaboração de croquis de plantas e fachadas.
- A etapa seguinte é a classificação dos imóveis de acordo com três graus de preservação, o que restringe certas obras nos locais.
- O critério de classificação será determinado pelo Iphae e por equipe multidisciplinar da prefeitura.
Polêmicas nas Missões
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