No almoço de confraternização do Dia dos Pais, os clientes de uma churrascaria da Capital presenciaram momentos dignos de um filme. As cerca de 80 pessoas que estavam no local viram um homem de 81 anos ser salvo por um médico em uma cirurgia improvisada.
Realizada com uma faca de serra e uma caneta, a traqueostomia salvou a vida do empresário aposentado José Fernando Pires, 81 anos, que havia se engasgado com o último pedaço de carne da refeição. Ele comemorava a data com um prato de filés, em companhia da mulher e da filha, e conta ter exagerado no tamanho do corte.
- Meu pai começou a se sentir mal, a ficar com muita tosse. No momento em que estava branco e com os lábios roxos, levantei e disse "gente, meu pai está passando mal, tem alguém que possa me ajudar?" - relembra a química Maria Cristina Pires, 51 anos.
Acionado pelo dono do Restaurante e Churrascaria Santo Antônio, o cirurgião-geral Luciano Bastos Moreira, 64 anos, que também almoçava no local, tentou fazer Pires cuspir o alimento que o engasgava, mas não conseguiu.
- Ele revirou os olhos e desmaiou, ia morrer. Mais um minuto, e teria morrido. Perguntei à família "posso fazer uma traqueostomia?" - conta Moreira.
Desesperadas e em prantos, a mulher e a filha de Pires autorizaram a cirurgia de emergência. A partir daí, com a ajuda de um fisioterapeuta que também estava no local, o médico realizou uma operação no chão do restaurante. Cortou cerca de dois centímetros do pescoço do idoso e usou uma caneta sem carga para deixar o ar passar.
- Foi emocionante, o pessoal ficou torcendo para que tudo desse certo e bateu palmas. Ele (Pires) deu tchau para nós quando entrava na ambulância - diz Jorge Aita, dono do restaurante.
O fato, avalia Aita, é o mais inusitado já ocorrido no estabelecimento de 77 anos.
Logo depois do procedimento improvisado, o empresário aposentado reagiu. Ainda com a caneta no pescoço, foi levado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ao Hospital de Pronto Socorro (HPS). Só no hospital, o pedaço de carne foi retirado, mas sem a necessidade de nova cirurgia.
Depois de ser transferido ao Hospital Ernesto Dornelles, Pires recebeu alta e, no final da tarde deste domingo, já estava em casa. À noite, recebeu a visita do médico que lhe salvou a vida. Os dois se reencontraram com um abraço emocionado.
- Os agradecimentos que tenho a fazer não pagam - disse Pires.
Em detalhe, a ação de Moreira no chão de uma churrascaria
Foto: Arquivo Pessoal
José Fernando Pires, empresário aposentado
Procedimento é usado em casos de emergência
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers), Rogério Wolf de Aguiar, explica que o procedimento cirúrgico da traqueostomia, feito no improviso, como o que ocorreu na churrascaria da Capital, é indicado em livros para situações de emergência.
Ele acrescenta que é normalmente realizado sem as condições ideais, quando alguém se engasga na rua ou em acidentes nas estradas. A traqueostomia ocorre quando uma pessoa corre risco de morrer por asfixia (falta de oxigênio no ar respirado).
- É uma medida salvadora, heroica, que tem o risco de não dar certo. Mas quando dá, salva a vida da pessoa - comenta Aguiar.
Em vídeo, veja como foi a visita do médico ao idoso que salvou
"Eu posso dizer que nasci de novo"
Minutos antes de se engasgar com um pedaço de carne, o aposentado José Fernando Pires, 81 anos, havia recebido o telefonema do filho que mora em São Paulo perguntando como ele estava. As felicitações pelo Dia dos Pais, que era comemorado ao lado da mulher e da filha, precederam o renascimento de Pires. Ainda um pouco debilitado, mas já em casa, ele conversou com a reportagem de Zero Hora. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora - Como o senhor se engasgou?
José Fernando Pires - Foi com a última garfada do filé. Eu me passei no tamanho do pedaço.
ZH - E o que aconteceu?
Pires - Vi que me agarraram e me atiraram para o lado para ver se caía fora o pedaço, mas ele não saiu. Não senti o corte (feito com a faca pelo médico), já estava mais para lá do que para cá.
ZH - Qual o sentimento que o senhor tem em relação ao médico que o salvou?
Pires - Mil agradecimentos, os agradecimentos que tenho a fazer não pagam. Também fui muito bem atendido no Hospital de Pronto Socorro e pelo Samu, que tem profissionais espetaculares. Fiquei famoso no HPS. Conhecido como o homem que foi salvo com uma caneta Bic.
ZH - O senhor já havia passado por situação parecida?
Pires - Nunca. Considero que nasci de novo, se não tivesse socorro na hora, teria empacotado. Estou com 81 anos, quase 82 anos (faz aniversário em 29/9). Pensei: "será que eu chego aos 82?".
ZH - Depois do susto, vai maneirar no tamanho dos pedaços de carne?
Pires - Vou comer só guisado, carne moída, por um bom tempo.
ZH - O senhor teve um Dia dos Pais bem atípico.
Pires - Meu filho de São Paulo ligou para me felicitar pelo dia e, logo depois, passei mal. Ele perguntou se estava tudo bem, e eu disse que estava tudo tranquilo, pois ainda não tinha acontecido. Tranquilamente, eu posso dizer que nasci de novo.
Luciano Bastos Moreira, cirurgião-geral
"Mais um minuto e ele teria morrido"
Morador do bairro Figueiras, na Capital, o médico Luciano Bastos Moreira, 64 anos, comemorava o Dia dos Pais no restaurante com um dos quatro filhos, o estudante de medicina Guilherme Moreira e a namorada dele, quando foi chamado para o socorro. Confira o relato de Moreira em entrevista a Zero Hora:
Zero Hora - Como o senhor ficou sabendo que alguém estava passando mal?
Luciano Bastos Moreira - Estava almoçando, e o dono do restaurante me chamou dizendo que uma pessoa estava passando mal. Na mesma hora, pedi para chamar o Samu e fui até a pessoa. Tentei retirar o pedaço de carne, cheguei a colocar a mão na garganta dele, mas não achei a carne. Então, ele revirou o olho e desmaiou. Mais um minuto e teria morrido. Peguei uma faca de serrinha e perguntei para a família se podia fazer uma traqueostomia. Fiz um corte no pescoço para atingir a traqueia e coloquei uma caneta Bic para manter a via aérea respirando.
ZH - Qual foi a reação dos outros clientes e do homem socorrido?
Moreira - Todo restaurante parou e, depois, aplaudiu. O senhor ainda ficou uma meia hora deitado, respirando com a ajuda da caneta. Ele abriu o olho e me agradeceu com um aperto de mão. Só falava que estava com dor.
ZH - Já havia passado por alguma situação semelhante?
Moreira - Já fiz dois procedimentos assim, de emergência, mas foram dentro de um hospital.
ZH - O senhor continuou o almoço em família?
Moreira - Sim, eu estava na metade do almoço, voltei e terminei de comer.
ZH - Foi um Dia dos Pais um tanto diferente.
Moreira - Foi uma dádiva.