Jovem, cara de bom moço, sucesso entre fãs adolescentes, colorado desde criancinha, respeito da torcida por ter crescido no Beira-Rio, onde chegou aos 13 anos, alvo do carinho de funcionários e dirigentes graúdos pela maturidade precoce que a paternidade de dois filhos ajudou a consolidar. De 19 de junho de 2011, quando pegou aquele pênalti contra o Coritiba no Couto Pereira, até o 79º jogo com a camisa 1 do Inter, neste domingo, diante do Sport, um ano se passou. Visto por este ângulo, a trajetória de Muriel é um conto de fadas.
Só que teve o antes, e foi um antes de fazer qualquer um desistir. Muriel já esteve numa situação desesperadora antes de herdar o trono de Taffarel, André e Clemer, respectivamente seus ídolos na infância em Novo Hamburgo, pré-adolescência na base do Inter e fase adulta, já como profissional.
Em 2009, ficou sem treinar quatro meses com hepatite, sentiu o carimbo de promessa que nunca acontece pegar e tornou-se o sexto goleiro, atrás de Renan, Lauro, Clemer, Agenor, Luiz Carlos e Ricardo. Para completar, por esta época nascia Francesco, segundo filho com a mulher, Elisângela. Maria Eduarda, a mais velha, tem seis anos. Dois filhos, pouco dinheiro e a carreira no precipício. Aí vieram os empréstimos - e a salvação.
No Caxias, fez um ótimo Gauchão. O primeiro passo da caminhada estava dado. Seguiu para a Portuguesa, então na Série B. Foi tão bem que a direção lusa insistiu até os 47 do segundo para trocá-lo por Fabrício. O então vice de futebol Roberto Siegmann bateu pé. Então, veio aquele jogo com a Coritiba. Muriel pegou o pênalti, garantiu o empate em 1 a 1 com mais um punhado de milagres, e o Inter desembolsou R$ 3 milhões pelo lateral-esquerdo - tudo para não incluir Muriel no negócio.
- Estas dificuldades me fortaleceram e me deram uma experiência fundamental. Valorizo muito cada dia vivido aqui no Beira-Rio depois do que passei. Nunca fui de desistir. Acho que é de família isso - diz Muriel.
Deve ser mesmo. Tudo bem que pais transmitem de tudo para os filhos, da voz ao jeito de andar, mas com os Becker é quase caso de quadro do Acredite se Quiser. O pai, José Augusto, 49 anos, jogava no gol. A mãe, Magali, 45, era goleira de handebol. O irmão, Alisson, 19, mede 1m93cm e não apenas é goleiro como pode a qualquer momento tornar-se reserva do irmão no Inter. Até o bisavô, Oscar, conforme relato de Muriel, atacava os chutes dos amigos em torneios amadores.
- Bom, dica é o que não falta em casa - diverte-se Muriel, que analisa cada um de seus jogos em vídeo para corrigir defeitos, ao lado do preparador Marquinhos.
Neste domingo, quando entrar em campo na Ilha do Retiro, o goleiro do Inter terá cumprido seu ritual de sempre. Para concentrar e relaxar, música gospel. Às vezes, rock nacional, mas a preferência é gospel, que Muriel vai com a família regularmente a cultos. Na volta a Porto Alegre, correrá para a família. Muriel faz tudo em família. Leva os filhos na escola antes de treinar. Se der tempo, também os busca.
No apartamento na Zona Sul, comprova-se: Elisângela, Duda, Francesco e o goleiro torcedor realmente jogam Banco Imobiliário e se arriscam juntos no PlayStation. Pelas estantes da casa, o motivo da paternidade precoce, aos 17 anos. Há retratos da família reunida por todos os lados. Dele, da mulher, dos pais, dos filhos, dos avôs, das tias, do irmão Alisson.
- O sonho de todo jogador é a Europa, mas eu prefiro pensar jogo a jogo. Não foi fácil chegar até aqui, mas o pior vem agora: me manter. Assim como está, me serve - sorri Muriel.
Se cumprir todo o contrato recém renovado, até o fim de 2017, Muriel ficará no Inter até os 30 anos. Nada mal para quem tinha hepatite, era o sexto goleiro e tinha dois filhos para criar com 20 e poucos anos.