Até então desconhecida por grande parte da população, uma doença de nome incomum ganhou destaque nos últimos dias a partir do relato dramático do pai do ator Guilherme Karan, que vive isolado em casa por causa de uma doença hereditária degenerativa. No Estado - onde a enfermidade atinge uma em cada 30 mil pessoas - um programa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre atende cerca de 200 famílias e é referência para todo o Brasil em apoio a portadores da Doença de Machado-Joseph (DMJ).
Causada por um gene que produz uma proteína anormal que afeta as células, a doença crônica, sem cura, atinge as estruturas neurológicas responsáveis pela coordenação dos movimentos e do equilíbrio. Portadores da doença têm 50% de chance de passá-la aos filhos. Em boa parte dos casos, o potencial doente tem de conviver durante anos com a perspectiva de desenvolver os sintomas, que normalmente aparecem pouco depois dos 30 anos.
Aos poucos, o doente começa a enfrentar dificuldades para caminhar, oscilações e quedas - o desequilíbrio é chamado ataxia. A ataxia também atinge a fala, os movimentos finos das mãos e a coordenação do movimento sincronizado dos olhos, ocasionando uma dificuldade conhecida como visão dupla. É comum a ocorrência de depressão.
- Não existe um tratamento eficaz. A doença não mata, mas causa incapacidade no paciente - explica a neurologista Thaís Lampert Monte, do Clínicas, ressaltando que os tratamentos visam a melhora na qualidade de vida dos pacientes, que não têm o intelecto afetado.
Apesar do dado oficial de que um em cada 30 mil gaúchos seja portador da doença, a estimativa é de que exista uma incidência ainda maior. Especialistas acreditam que muitos portadores não procuram atendimento.
Conforme a chefe do Serviço de Genética Médica do Clínicas e coordenadora de uma das únicas pesquisas em nível mundial a avaliar um possível tratamento para impedir danos neurológicos em pacientes com a Doença de Machado-Joseph, Laura Bannach Jardim, cidades como Porto Alegre, Viamão, General Câmara e Santa Maria têm números mais representativos. A hipótese mais provável para a origem da doença no Estado é de que tenha chegado ao país com os açorianos, a partir de 1750.
- Em General Câmara, a incidência deve ficar em cinco a cada 10 mil pessoas. Imaginamos que seja o caminho do Interior, ou pelo Rio Jacuí ou pela linha férrea - especula.
Especialista critica falta de diagnóstico pelo SUS
Convivendo desde pequena com a doença na família, a dona de casa Elisabete Alves Luce, 50 anos, aguarda o resultado de um exame para diagnosticar a presença do gene, feito em novembro. Dos oito filhos da avó materna, só um não teve a doença - a mãe vive hoje em uma cadeira de rodas.
- Quero que se fale mais na doença, até para agilizar e ajudar a pesquisa - ressalta a dona de casa da Capital.
A geneticista Laura critica a falta de políticas públicas em relação à doença. Há 15 anos estudando o tema, ela ressalta que o atendimento no Clínicas é feito com dinheiro destinado à pesquisa ou com verbas gerais do hospital. Ela lamenta que o exame não existe no Sistema Único de Saúde (SUS).