"Millôr, aquele que tudo sabe"
Os olhos azuis de Millôr Fernandes cintilamde inteligência, enquanto ele fala, instalado numa poltrona da sala de estar de sua cobertura em Ipanema. Aí está um homem de conversa fácil. As idéias fruem com naturalidade, um pensamento encaixando-se perfeitamente no outro, sem vacilação, sem reticências. Millôr Fernandes não tem medo de dizer o que pensa. Mesmo assim, não gosta de dar entrevistas.
- Mas alguns pedidos não posso recusar - conforma-se.
Sorte dos leitores. Millôr não recusou o pedido de Zero Hora. A entrevista aconteceu na residência em que mora desde 1954, o apartamento tornado célebre entre a intelectualidade carioca como "a cobertura do Millôr", na Praça Marechal Osório. Já à porta de entrada, o visitante tem uma amostra da personalidade do homem que lá vive. Ao lado da campainha, está fixada uma placa de metal com a seguinte frase: "Aviso este ler conseguir para palerma por passar a estou que bocado bom um faz já".
Na mesma parede há um cartum de Jaguar no qual os personagens são o próprio cartunista e o dono da casa. Millôr pergunta:
- Jaguar, o que você disse quando encontrou o Ivan depois de 28 anos, seis meses e sete dias?
Jaguar responde: - Eu? Disse oi.
Junto ao balão da fala há um do pensamento de Jaguar: "Depois fiquei catatônico dois dias". Embaixo da ilustração, o cartunista escreveu: "Millôr, que tudo sabe, querendo saber mais". A impressão é essa mesmo. A de que Millôr tudo sabe. Não por acaso. São 83 anos de uma vida intensa. Millôr é jornalista, escritor, desenhista, humorista, dramaturgo, tradutor. Conheceu os mais importantes intelectuais brasileiros, entre eles Nelson Rodrigues, Vinicius de Moraes, Paulo Francis e David Nasser.
- Mas nunca conheci ninguém famoso. Quando conheci esses caras, eles estavam só começando, eu não tinha idéia de quem viriam a ser. Por exemplo, lembro de um magrinho que vinha conversar comigo e acabou se transformando no Dorival Caymmi. Sempre foi assim. Essa convivência com grandes personagens da história brasileira não faz de Millôr um nostálgico. Ao contrário: ele é um entusiasmado com o presente.