Não é coincidência que, depois de uma crise criativa, Selton Mello tenha investido na carreira de diretor de cinema - com Feliz Natal (2008). Também não é por acaso que, agora, quando afirma interessar -se mais por dirigir do que por atuar - porque pode "ter mais liberdade, criar mais", contou a ZH no último Festival de Gramado -, ele assine um segundo filme ainda melhor que o primeiro. Um filme sobre um artista em crise.
O longa se chama O Palhaço. Ganhou quatro prêmios, entre eles os de melhor roteiro e direção, no Festival de Paulínia, além de abrir, fora de concurso, Gramado 2011. Estreia nesta sexta-feira no circuito nacional. E é imperdível.
Num clima meio Bye, Bye, Brazil, de Cacá Diegues, meio Feios, Sujos e Malvados, de Ettore Scola, meio A Estrada da Vida, de Fellini, narra a desilusão do palhaço Pangaré (o personagem de Selton Mello), que faz a alegria do respeitável público mas não consegue se sentir alegre com o próprio ofício. Ao longo de toda a trama, o circo em que ele trabalha está em turnê por Minas Gerais, passando inclusive por Passos, terra natal do ator e diretor.
Se no soturno e pessimista Feliz Natal Selton resgatara a grande atriz Darlene Glória, no divertido e comovente O Palhaço ele recorreu a figuras como Ferrugem ("Ortopé, Ortopé..."), Jorge Loredo (o Zé Bonitinho), o ator Jackson Antunes e o músico e humorista Moacyr Franco, que levou um merecido prêmio de ator coadjuvante em Paulínia sobretudo por conta de uma única sequência - das mais hilariantes do filme. A trupe conta com vários personagens circenses estereotipados, dos tradicionais (o mágico, a dançarina exótica) a outros nem tanto (o anão, o magrelo desengonçado, a mulher peituda). Paulo José interpreta o dono do circo, também palhaço e pai do protagonista, em uma daquelas suas performances carregadas - na medida certa - de emoção.
Pangaré, na verdade, se chama Benjamin, em homenagem a Benjamim de Oliveira (1870 - 1954), um afamado palhaço negro paraense que se apresentava sob o codinome Beijo Moleque e que, no fim do século 19, fugiu de casa para buscar a realização pessoal. É o que o personagem de Selton faz lá pelas tantas, desligando-se da turma e partindo em busca de solução para a sua crise - e do amor de uma garota que ele conhecera em suas andanças. Embora a trupe nunca saia completamente de cena, quando está só ele segura a bronca com uma atuação que incorpora com precisão o humor lúdico e inocente que marca o filme como um todo.
É um humor, pode-se dizer, anacrônico, mas um anacrônico bom nestes tempos de tosqueira nas comédias populares e falta de limites nas piadas.
- Minha inspiração foi desde Fellini, porque é impossível pensar em circo no cinema sem pensar em Fellini, até Didi Mocó, um personagem que marcou demais a minha infância - contou Selton em Gramado. - Além dos meus atores, que são, todos, pura inspiração.
A diferença principal para Feliz Natal é que, aqui, as referências são incorporadas mais organicamente para a construção de uma abordagem bastante particular - o longa anterior sofria com a dificuldade de o diretor encontrar um estilo próprio, como se fora um simples filme-homenagem a realizadores como John Cassavetes.
Com um ótimo uso de filtros fotográficos e cores quentes, com uma dramaturgia consistente e uma narrativa recheada de elipses bem elaboradas - mas que jamais se tornam complicadas a ponto de distanciarem-se do espectador -, O Palhaço é daqueles filmes que devem agradar a todos os gostos.
Mais do que isso, tem tudo para emocionar todos os tipos de público.
O trailer: