Uma gaúcha de Porto Alegre reunirá a torcida do Brasil inteiro na madrugada deste domingo (28) em Paris. A esgrimista Mariana Pistoia fará sua estreia no florete das Olimpíadas a partir das 4h30min, contra Samantha Catantan, das Filipinas.
Aos 25 anos, a atleta do Grêmio Náutico União venceu o Pré-Olímpico da modalidade em San José, na Costa Rica, e carimbou passaporte para a Olimpíada de Paris.
— Isso é um sonho que eu tenho desde quando eu entrei na esgrima. É muito gratificante realizar esse sonho da Mariana criança, que queria muito ir para os Jogos Olímpicos e que sempre amou as Olimpíadas — disse a atleta gaúcha em entrevista aos veículos do Grupo RBS antes de embarcar para Paris.
Mariana Pistoia chega ao evento como a melhor colocada do torneio dentre as 14 atletas, sendo a 49ª no ranking da Federação Internacional de Esgrima (FIE). Ela já conquistou a medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos de Santiago no ano passado.
Confira a entrevista completa
Como foi essa conquista da vaga na Costa Rica? Pareceu que te exigiu bastante fisicamente e mentalmente.
Foi realmente algo que me exigiu muito. O meu esporte é dividido em três armas: o florete, o sabre e a espada. Eu faço florete. Tem duas formas de classificação pelo ranking e através das competições zonais pré-olímpicas. Em abril de 2023, iniciei a classificação pelo ranking e fui melhor do que esperava no começo dessa classificação, o que acabou me levando a ficar até dezembro de 2023 como favorita na classificação pelo ranking. Todas as provas internacionais contam uma pontuação “x” para classificar e quem tiver os melhores resultados da América vai diretamente pelo ranking, sem precisar ir nessa competição que é o pré-olímpico. No final, perdi a minha vaga pelo ranking por dois pontos, que é uma pontuação bem pequena. Fiquei bem frustrada. A última competição foi lá em Washington, em abril. Foi um mix de frustrações. Vi essa vaga ficar bem perto. Eu estava contando com ela. Afinal, como a gente estava tão próxima na pontuação, eu acreditava que lá em Washington eu podia ter um resultado bom e ultrapassar a adversária. Infelizmente, não deu e eu tive que ir para essa competição, que é o pré-olímpico, aonde vão todos os países que não classificaram pelo ranking das Américas e levam o seu primeiro colocado do ranking. Até falei para o meu treinador na época, o Alexandre Teixeira, “e se eu não estiver preparada?”. Essas adversárias que eu ia enfrentar não passaram por essa frustração, estão se preparando para a competição desde o começo, elas já sabiam que elas iam estar lá. E ele falou “tudo que tu fizeste foi a tua preparação até aqui, tu está mais preparada do que elas”. Então, é uma competição que eu nunca tinha jogado, mas já tinha ouvido várias pessoas falarem que era extremamente desgastante mentalmente. Cheguei lá, então me deparei com um lugar extremamente quente para competir, que eu sabia que eu tinha que ganhar. Então foi mais desgastante do que eu imaginei que seria. Mas eu acho que a minha psicóloga sempre fala uma frase “a vontade de se preparar tem que ser maior do que a vontade de vencer”. E a minha vontade de me preparar era tremenda, então eu me preparei para tudo que podia acontecer.
E como foi essa caminhada na competição?
Joguei primeiro uma fase de grupos nessa competição. Eu comecei nessa fase de grupos, ganhei três combates e perdi três. Passei em oitavo lugar de 14 atletas. Estava jogando super mal porque estava completamente nervosa. Eu lembrei das dicas que o Guilherme Toldo tinha me passado, ele já tinha jogado um pré-olímpico. Tu vais ter de ganhar de quem quer que seja. Então, não interessa se tu vais ganhar antes ou depois. E aí consegui soltar meu jogo em 15. Na semifinal, comecei a sentir câimbra na mão e levei o jogo como dava, tentando não gastar energia, eu sabia que depois não adiantava nada eu ganhar a semifinal e perder a final. Então, fiquei ali tentando segurar para não gastar todas as minhas energias e jogar a final. Foi bem difícil essa questão física. Mas acho que consegui lidar bem com isso, e por um lado até foi bom, isso me tirou o nervosismo do jogo. Eu pensava na minha câimbra e na dor que eu estava, mas eu não pensava tanto no que aquele jogo significasse. Acho que essa foi a minha trajetória dessa competição de classificação olímpica. Acho que consegui me superar bastante. Tanto pela pressão psicológica, mas em especial me superar fisicamente depois desses atendimentos médicos que eu tive que passar e tudo mais.
Como é contar com a experiência do Alexandre Teixeira, teu treinador, e do União, que já teve outros esgrimistas nos Jogos?
Tenho essa sorte de ter um treinador tão experiente comigo. Nunca tinha jogado um campeonato pré-olímpico, meu treinador já tinha participado de vários, então isso foi fundamental para me preparar para essa competição.
Tu falaste em frustração, após ficar de fora pelo ranking. Aí tu conquistas a vaga, e agora cria uma ansiedade para disputar em Paris. Como é que é controlar todos esses tipos de emoções em um período de espaço muito curto?
Bem difícil. Acho que esse foi um dos principais desafios da minha classificação, na verdade. Entre Washington e o pré-olímpico eu tive duas semanas para acabar com a minha frustração e me preparar, técnica, psicológica, fisicamente, para essa competição que é completamente diferente de qualquer outra que eu tinha jogado. Eu fiquei ali alguns dias off, acho que eu posso dizer, da esgrima e da vida, para não pensar muito nessa frustração. Eu sabia que eu tinha de sentir ela, mas, ao mesmo tempo, eu não podia deixar que isso tomasse tempo na minha preparação para próxima competição. A minha psicóloga, a Paula Pereira, teve um papel importantíssimo. As pessoas deviam até estranhar, nesse curto período de duas semanas eu fui lá quase todos os dias. Deviam estar pensando que eu estava entrando em crise. Mas ela foi realmente muito importante nessa minha preparação e me ajuda a entender essa parte do inconsciente. Que eu realmente precisava sofrer e sentir, aquilo era uma coisa que eu tinha perdido. Então, é que o meu corpo ia sentir, a cabeça ia sentir. Mas que, depois que eu sentisse, eu já tinha que estar me preparando para próxima competição. Então, a gente fez uma preparação que vinha desde o estudo de cada adversário. Eu sabia quem seriam as 14 gurias que iam jogar, então estudei cada uma delas. Me preparei para cada etapa da competição e preparei o que eu queria fazer em cada uma das fases.
E como controlar a ansiedade para as Olimpíadas?
A ansiedade eu venho controlando desde abril de 2023, quando comecei essa classificação. Todas as competições me exigiram muito mais do que eu imaginava. Quando eu comecei a me dedicar e buscar essa classificação, eu também não imaginava que eu me tornaria favorita. No pré-olímpico, também entrei com o melhor ranking. E eu sei que isso não importa nada, é uma competição completamente à parte, de certa forma, tu tens de jogar com essa pressão. E tu começa a ser apoiada, as pessoas começarem a te notar, a medalha no Pan, tudo isso eu acho que é um peso que tem em cima de ti, sabe? Tu precisas buscar resultado. Então todas essas competições que eu joguei, nenhuma eu podia ir mal. Os nacionais que joguei eu não podia ir mal, ali se definia quem ia ser a primeira colocada do ranking e quem ia ir para o pré-olímpico, se eu precisasse ir. Os internacionais, todos eles somavam ponto para minha classificação pelo ranking, que era o que eu tanto queria. Então, eu não tinha nenhuma competição que eu jogava e que eu não tinha nenhum peso de pressão. Ficava ansiosa e precisei me controlar.
Como é que é para vocês, já que nem todas modalidades olímpicas têm foco em mídia, exceto nas grandes competições, como o Pan, Jogos Olímpicos ou campeonato mundial, lidar com essa exposição?
Isso é uma coisa que eu considero boa. A esgrima é um esporte que tem pouca visibilidade, e, acima de tudo, as pessoas têm pouco conhecimento sobre como funciona a esgrima. A maior parte das vezes eu escuto dos meus conhecidos, torci muito por ti, mas não entendi nada. Então eu acho bom que tenha essa maior visibilidade para a esgrima, o esporte cresce, as pessoas talvez vão entender mais do básico. Eu sei que o esporte que eu faço é muito complexo, nem meus pais, que me acompanham desde pequena, têm ainda esse conhecimento de todas as regras. A maior parte das impressões que as pessoas têm são completamente erradas. Então, acho que é muito bom ter essa parte da mídia. Não vou mentir, é algo novo pra mim, por mais que não seja a primeira entrevista, ainda é algo novo. Mas é importantíssimo para o desenvolvimento do esporte, para chamar mais pessoas para fazer esgrima, para as pessoas entenderem um pouco mais do que é esse esporte. Eu não cheguei aqui sozinha, bem pelo contrário, acho que eu só cheguei aonde eu cheguei porque eu tenho muita sorte de estar cercada de pessoas que me ajudam muito. Então, quero usar esse meio para agradecer essas pessoas. A gente sabe que o investimento no esporte no Brasil ainda não é como deveria ser. Quem investiu primeiro antes de eu ser ninguém no esporte foi a minha família. Agradecer aos meus treinadores, que também quando eu não era nada ainda, havia algum potencial em mim. Agradeceria ao Alexandre Teixeira, que estava comigo na competição, mas também o Emerson e o Eduardo, que trabalham comigo desde pequena lá na União. Agradecer o clube, que é a minha casa. Agradecer aos meus outros apoiadores, o Exército Brasileiro, que também foi muito importante para que eu pudesse crescer como atleta, participar de várias competições. O apoio que eles me dão é realmente algo muito importante na minha carreira. A Bolsa Atleta, que é um incentivo nacional meu e que possibilita vários atletas a participarem de competições e conseguir exercer uma modalidade, às vezes, que nem a esgrima, que é tão caro. A minha faculdade, que é a Fundação do Ministério Público, que eles me apoiam. Meu total agradecimento para todas as outras pessoas, as pessoas que treinam comigo, que às vezes não tinham nenhum motivo para treinar, porque elas não tinham competição, mas eu tinha, então só iam lá para me ajudar. Meu preparador físico também, o Bob Camargo, lá do clube, minha psicóloga. Todas essas pessoas realmente foram fundamentais na minha conquista.
Logo que tu te classificaste, recebemos um e-mail dos teus pais agradecendo a matéria da tua vaga para Paris. Como é que foi, lá atrás, entrar na esgrima e ter esse apoio, exatamente dos teus pais, para trilhar essa caminhada?
Como eu falei, eu nunca deixo de reconhecer o meu privilégio, que é ter, primeiro, uma base familiar muito forte. Minha mãe e meu pai me incentivavam, meus avós me incentivavam. Ninguém nunca me deixou de me incentivar. Todo sacrifício que eles podiam fazer para eu ir em competições, que às vezes eram muito caras, eles faziam. Desde que eu entrei na esgrima, nunca mais vi meus pais viajarem. E eu sabia que eles não viajavam porque pagavam para mim. Era uma coisa que eu fico muito agradecida. A esgrima é um esporte muito caro, tanto as viagens, quanto o material. Conforme tu vais chegando ao profissional, o material profissional é mais caro também. Então, realmente demanda muito investimento. Meus pais realmente investiram de olhos fechados, eles realmente deram tudo que eles podiam dar para que eu conseguisse fazer esse esporte. Para mim, isso sempre foi muito importante.
O que passou na tua cabeça quando tu conquistaste a vaga na Costa Rica? Passou algo assim de “classifiquei mesmo. Eu vou para as Olimpíadas”?
A ficha não caiu. Mas, ao mesmo tempo, era engraçado, eu já tinha vivido aquele momento na minha cabeça várias vezes. Na verdade, já tinha vivido frustradamente pela classificação no ranking. Então, claro, eu fiquei muito feliz e eu sabia o que significava, eu tinha essa consciência.
O que tu almejas dentro das Olimpíadas de Paris?
Ganhei uma chance. E enxerguei todo esse ano, que passou agora de 2023 também, como uma oportunidade. De uma forma ou de outra, eu abracei a classificação olímpica. E agora ganho uma outra, que é jogar nas Olimpíadas. O que no meu esporte e no meu país, pouquíssimas pessoas têm. Estou muito honrada e grata de ter ganhado essa chance. Mas eu não vou lá para participar. Eu nunca classifiquei para uma competição para participar. Coloquei já nos meus objetivos, até porque eu tinha a minha autoconfiança de que ia classificar, por mais que a gente se questione, eu tinha essa autoconfiança. E eu sabia que se classificasse, eu ia ter que, enfim, montar minhas próximas competições. E ia ter os Jogos Olímpicos para jogar. Eu quero ter o melhor resultado possível para o meu país e vou entregar tudo o que eu tenho. Se isso me levar a uma medalha, que bom. Se isso não me levar a uma medalha, mas eu chegar perto, que bom. O que importa é que eu entregue meu melhor. Isso é o mais importante. A gente vê várias pessoas que classificam para uma Olimpíada e depois não classificam para outras. Ou classificam para uma Olimpíada e depois nunca mais classificam. Então, essa é a minha oportunidade.