Aos 90 anos, Arci Kempner ainda sai de casa até o bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, para praticar o tiro com arco. Não mais com a mesma constância da época em que foi atleta olímpica, mas com o mesmo espírito. Na Era dos superatletas, parece impossível alguém que pratique uma modalidade mais por lazer do que por competir dispute as Olimpíadas. Arci disputou.
Características como idade e o tipo de atleta que Arci era podem levar a conclusões precipitadas. Parece que ela foi uma daquelas pioneiras do esporte brasileiro nos primórdios do esporte brasileiro. Até foi, mas não nesses termos. Primeira atleta gaúcha a disputar os Jogos Olímpicos, a arqueira fez sua única participação em Moscou, em 1980. Era uma atleta extemporânea. Ela tinha 46 anos.
Uma história improvável. Nascida em fevereiro de 1934, a porto-alegrense se mudou para o Rio de Janeiro aos 20 anos, após se casar. Mãe de três filhos, conheceu o tiro com arco ao acaso. Um dia, enquanto os filhos nadavam no clube, foi convidada para brincar com o tiro com arco. Tomou gosto pela brincadeira. Treinou. Se aperfeiçoou e se tornou octacampeã brasileira, mesmo que estivesse longe de ter uma dedicação exclusiva à modalidade.
— Eu era dona de casa. Conheci o tiro com arco e gostei. Meu marido me incentivou e me patrocinou. Aí, comecei a bater recordes. Ainda vou lá dar meus tiros para brincar. Meu arco está aqui. É esporte do coração. Um esporte que me completou — conta, com voz firme.
Além de ser a primeira gaúcha olímpica, formou junto com Renato Emilio a primeira equipe brasileira a disputar a modalidade em Jogos Olímpicos. Além dela, apenas o time femino de vôlei, Claudia Costa, da ginástica, e Conceição Geremias, do atletismo, formavam o grupo de brasileiras classificadas para aquela Olimpíada.
Não demorou muito para se enturmar. Fez amizades com o time de basquete brasileiro, das estrelas Oscar e Marcel.
— Em várias competições eu era a mais idosa. Na Vila Olímpica, fiquei com os jovens, com o pessoal do basquete. Me dava muito bem com o Oscar e o Marcel. O Oscar me dizia que “minha mãe tem orgulho de ter um filho na Olimpíada, já os seus tem orgulho de terem de terem a mãe na olimpíada” — rememora.
Com uma história dessas, o resultado na competição vira um detalhe. Terminou na 26ª colocação entre 29 participantes. Ainda precisou superar o contratempo da corda de seu arco arrebentar.
— Foi tudo com muita naturalidade. Não sabia da importância de participar. Foi natural. Na época não tínhamos incentivo nenhum. Fomos com a cara e a coragem. Não sabia (que era a primeira gaúcha). Levei o esporte por esporte, com muita simplicidade, embora tenha um acervo (de conquista) grande. Hoje vejo que foi uma grande trajetória, fui uma desbravadora — reflete.
Arci, segundo ela, poderia ter participado das edições de Seul 1988 e Barcelona 1992. O índice para se classificar foi atingido. Porém, a vaga é do país e não do atleta. À época, a federação brasileira optou por enviar apenas homens.
Se passaram 44 anos desde aqueles Jogos de Moscou. Desde lá, as mulheres do RS colocaram medalhas no peito no futebol, vôlei, vela e judô. Tudo começou com a arqueira Arci Kempner.