Pode parecer chocante, mas a skatista Rayssa Leal, 16 anos, fará suas manobras neste domingo (28) no mesmo local onde, há mais de 200 anos, um rei foi decapitado. Já Rodrigo Pessoa conduzirá o seu cavalo no mesmo palácio onde outro rei comandou com mãos de ferro a França absolutista por mais de 70 anos Já Marcus D'Almeida, candidato a medalha no tiro com arco, disparará suas flechadas em um jardim onde hoje descansam os restos mortais do imperador Napoleão Bonaparte.
Uma peculiaridade das Olimpíadas 2024 é que muitas das provas e torneios ocorrerão em locais icônicos da França, transformando as competições em uma espécie de "aula de historia" à céu aberto. E isso não é por acaso. Vincular os eventos olímpicos aos pontos turísticos foi uma estratégia do Comitê Organizador para a candidatura francesa ter um diferencial após três tentativas frustradas de sediar os Jogos.
A França têm uma relação forte com o Movimento Olímpico. Foi em Paris que Pierre de Coubertin fundou o Comitê Olímpico Internacional há 130 anos, na Sorbonne (renomada universidade parisiense). E foi na capital francesa que os Jogos ganharam a robustez que conhecemos hoje, a partir dos Jogos de 1924. Mas a cidade sofreu para ver a competição retornar ao seu berço. Foram três candidaturas fracassadas, em 1992, em 2008 e em 2012. Atrelar os locais históricos aos Jogos é mostrar ao mundo todo a expertise francesa na moda, no design e na cultura.
A expectativa é de que tudo isso contribua para que os Jogos de 2024 fiquem à altura dos de Londres e Tóquio. E também de Los Angeles, em 2028, avalia o pesquisador brasileiro Felipe Pimenta, 36 anos, que mora em Paris desde 2018 e é especialista em Patrimônio Cultural e autor de um artigo publicado pela Sorbonne sobre o impacto dos Jogos Olímpicos na imagem de Paris.
Até mesmo os pontos turísticos mais badalados, como a Torre Eiffel, e os estádios mais conhecidos por seus acontecimentos esportivos, como o Parc des Princes, possuem um pano de fundo histórico por trás da sua criação, o que de certa forma é um atrativo para turistas e espectadores.
— Uma edição dos Jogos Olímpicos em meio a locais históricos embeleza ainda mais o cenário das competições, criando uma mistura das questões históricas com a emoção das disputas. Além disso, os Jogos serem espalhados por uma cidade histórica facilita para conhecer os locais. Tenho uma expectativa muito grande para assistir ao vôlei de praia aos pés da Torre e estou esperando muito assistir ao ouro da Fadinha (Rayssa Leal) na Concorde — projeta engenheiro civil Gustavo Wally, 29 anos, de Pelotas, que chegou a Paris nesta quinta (25) e ficará na capital francesa por cerca de dez dias durante as Olimpíadas.
O aspecto histórico dos Jogos também atrai o o advogado gaúcho Gustavo Paim, 47 anos, ex-vice-prefeito de Porto Alegre, que chega a Paris na próxima semana para assistir aos Jogos com a esposa, a advogada Carolina Weber, 36 anos.
— Na hora de comprar os ingressos, escolhi as modalidades com base em uma conjugação de esporte, atleta e local. Vai ser um privilégio assistir ao vôlei de praia aos pés da Torre Eiffel, a maratona aquática no Rio Sena, de cima da ponte Alexander III, o hipismo no Palácio de Versailles e o tênis em Roland Garros — conta
A Cerimônia de Abertura das Olimpíadas 2024, no Rio Sena, está marcada para esta sexta (26), às 14h30min (horário de Brasília).
Confira abaixo os locais de competição das Olimpíadas que estão ligados a grandes acontecimentos da história da França:
Palácio de Versailles (hipismo e pentatlo moderno)
Construído no século 17 para o reinado de Luís XIV, é um dos maiores palácios do mundo e considerado um dos símbolos do absolutismo, forma de governo em que o monarca tinha poderes absolutos sobre toda a nação. Nos jardins de Versailles, serão disputadas as provas do hipismo.
Parc des Princes (futebol)
Casa do PSG, o estádio Parc des Princes, por óbvio, será uma das sedes do futebol. Erguido no fim do século 19, o local também tem ligação com o absolutismo. Afinal, antes da Revolução Francesa, o local era um jardim de uso exclusivo da família real.
Praça da Concorde (ciclismo BMX freestyle, skate, escalada, breaking e basquete 3x3)
Um dos pontos históricos mais importantes de Paris, será palco das provas dos esportes radicais, como o skate. A praça da Concorde entrou para história durante a Revolução Francesa por ter sido o local onde ocorriam as execuções na famosa guilhotina. Ali, foram decapitados o rei Luís XVI, a sua esposa Maria Antonieta e Maximilien Robespierre, líder de um período da Revolução conhecido como "Reinado do Terror".
Esplanada dos Invalides (tiro com arco, ciclismo e maratona)
O Palácio dos Inválidos foi construído no século 17 por ordem de Luís XIV para dar abrigo aos soldados inválidos do exército francês, feridos nas guerras, função que, aliás, o local exerce até hoje. Descansam ali, ainda, os restos mortais do imperador Napoleão Bonaparte. Na esplanada situada em frente ao palácio, ocorrerão as provas de tiro com arco e ciclismo, além da chegada da maratona.
Grand Palais (esgrima e taekwondo)
Entre o fim da Guerra Franco-Prussiana, em 1870, e o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a França viveu um período de paz e prosperidade, conhecido como Belle Époque (bela época), marcado por transformações culturais e artísticas. Neste contexto, foi erguido em 1900 o Grand Palais de Beaux-Artes (Grande Palácio de Belas Artes) para abrigar a Exposição Universal daquele ano. Neste local, ocorrerão as competições de esgrima e taekwondo.
Torre Eiffel (vôlei de praia)
Nas Olimpíadas 2024, a Torre Eiffel será o pano de fundo dos jogos do vôlei de praia. Também construída no contexto da Belle Epóque, a torre foi erguida em 1889, para o centenário da Revolução Francesa, e testemunhou grandes acontecimentos da história mundial, resistindo à ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial. Monumento pago mais visitado do mundo, tornou-se um ícone da própria França.