No parque Hinokicho, na região de Akasaka, em Tóquio, estendemos uma canga no gramado. O forte calor não impediu de puxarmos da bolsa o fiel companheiro em todos os rincões do mundo: o mate amargo. Brinquedos para as crianças, bola, alguns lanchinhos e, para arrematar, uma bandeira verde, vermelha e amarela, com um brasão no meio, deixava ainda mais claro: ali estava uma família gaúcha, que poderia viver aquela cena no Parcão, na Redenção, no Marinha, ou em qualquer parque do nosso cantinho no sul do mundo.
A mistura do Japão com o Rio Grande do Sul marca a história da família Bolze Fonseca. A Laura e o Tiago se conheceram em Montenegro. Ele foi transferido para Tóquio a trabalho e o primeiro filho do casal, Vitor, nasceu do outro lado do mundo. Mas esse registro está só na certidão, porque quando perguntei de onde ele é, a reposta veio rápido: "De Porto Alegre".
— Ele reclama que fala na escola que é japonês e as crianças dizem que não pode ser — conta a Laura, sorrindo.
O loirinho não parece mesmo japonês, mas é. A irmã mais nova, Estela, nasceu no Brasil, em um temporada da família de volta para casa.
O lar deles é mesmo o Japão, e no dia a dia deles tem a escola internacional, com aulas em inglês, das 9h às 15h. Os momentos de folga, como esse período em que conversamos durante as férias de verão, são marcados pela diversão nos parques da cidade. Laura chegou pedalando sua bicicleta com cadeirinhas para os dois filhos.
— Nem tenho carro — contou.
Enquanto conversávamos, as crianças brincavam livremente, e a atenção com segurança é apenas para que não se machuquem, porque em termos de violência a tranquilidade é total.
— Aos setes anos, quando entram no primeiro ano, eles já circulam sozinhos. Vão e volta da escola a pé, usando transporte público — relata Laura, para minha admiração.
Fontes de água jorrando do chão são a diversão das crianças para se refrescar. A pracinha com escorregador, balanço, tudo que estamos acostumados, divide espaço com instalações de arte espalhadas pelo parque. E foi nesse cenário que a Laura me contou da recepção carinhosa que teve por parte do povo japonês. Falou do apego que eles têm à própria cultura e de como isso se aproxima com o sentimento que nós gaúchos temos pelo nosso chão.
— Na Semana Farroupilha, colocamos a bandeira do Rio Grande do Sul pendurada na janela. Fazemos questão de ensinar aos pequenos sobre as nossas tradições — conta.
Nessa família de "japoúchos", os Jogos Olímpicos foram vividos intensamente. Eles tinham ingressos comprados para as competições de futebol feminino, ginástica e vôlei de praia. Enquanto me embalava em um dos balanços com o Vitor, ouvi dele:
— Eu tenho um atleta preferido.
Ele vestia a camisa do Inter, por influência do pai — e em rivalidade à mãe que vestia a tricolor —, e eu logo imaginei que falaria de algum jogador. Pois a resposta foi:
— Thiago Braz. Ele foi campeão no Rio e aqui foi quase, ficou em terceiro.
Eu já estava com o sorrisão aberto de faceirice de ver a influência das Olimpíadas na criançada, quando a pequena Estela se aproximou. Mostrou o vestido que tinha escolhido especialmente para o nosso encontro e a mãe pediu: — Conta pra titia quem te deu esse vestido, filha.
E ela respondeu, bem séria.
— A Simone Biles. Ela faz assim com os braços, ó! — disse ela ao levantar os dois bracinhos, imitando a pose da ginasta.
A gente se propôs a viver Tóquio junto com os gaúchos, e nessa reta final dos Jogos esse encontro deixou claro para mim: o que vivemos aqui seguirá reverberando por muito tempo. Nos japoneses, nos gaúchos e também nos "japoúchos".