Uma tarefa sem precedentes será colocada em prática quando a pira olímpica for acesa no Estádio Nacional do Japão, em Tóquio, abrindo oficialmente a 32ª edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. Mais estranho do que ver o maior evento esportivo do mundo adiado em um ano será testemunhar pela TV as arquibancadas vazias. Mas, se as Olimpíadas carregam bastante simbolismo (a começar pela tocha), nada mais simbólico do que ir em frente.
Antes do adiamento devido à pandemia da covid-19, o Comitê Olímpico Internacional (COI) só tinha lidado com cancelamentos devido às duas Guerras Mundiais. Também precisou enfrentar a suspensão por algumas horas durante os Jogos de Munique, em 1972, após o massacre de 11 integrantes da delegação de Israel na Vila Olímpica por terroristas ligados à organização palestina Setembro Negro. A tragédia de quase meio século atrás gerou uma das frases mais emblemáticas da história olímpica: “Os Jogos devem continuar”, sentenciou Avery Brundage, então presidente da entidade.
As circunstâncias são diferentes, mas, após diversas adaptações, o megaevento está indo em frente. As contestações se avolumaram com a mesma densidade que teriam surgido caso não ocorresse. Em um momento de enormes perdas, a realização dos Jogos pode ser vista como um passo em direção à normalidade e como uma celebração da vida.
– Os Jogos têm uma grande oportunidade de mandar uma mensagem de solidariedade para as pessoas que sofreram com a pandemia. É chance de mostrar a capacidade de superar as dificuldades. Acredito que, para isso, vão tirar vantagem das cerimônias de abertura e encerramento. Na civilização da mídia, o importante é a projeção do evento – aponta Emilio Fernández Peña, diretor do Centro de Estudos Olímpicos da Universidade Autônoma de Barcelona.
Os simbolismos estão entre os responsáveis por estabelecer os Jogos Olímpicos como fenômeno histórico, unindo a Grécia antiga ao mundo moderno. A ausência de público devido aos crescentes números de covid-19 no Japão contrasta com a ideia de união dos povos. Entidades médicas japonesas contrárias à realização do evento argumentaram que atletas serem imunizados contra a covid antes de outros setores da sociedade e leitos hospitalares serem reservados para os competidores feririam o princípio da igualdade. Nelson Todt, professor da PUCRS e presidente do Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin, argumenta:
– A ideia de que os Jogos têm de continuar pode representar uma mensagem de esperança para a humanidade. O Movimento Olímpico não é responsável apenas pelos Jogos, mas também por promover um ideal de igualdade, de paz, de fraternidade e de que o esporte é para todos.
Para poder enviar sua mensagem, o COI enfrentou a falta de apoio popular e teve de romper a tradição de quatro anos entre uma competição e outra, que já vinha desde os Jogos da Antiguidade. O termo “olimpíada”, aliás, significa esse período de quatro anos entre uma edição e outra.
– No meu entendimento, o que vamos ter é uma competição olímpica. Quebra o paradigma olímpico que é o congraçamento dos povos, a troca cultural, é a perda de referência olímpica. Destituído do caráter simbólico, resta a competição – posiciona-se Katia Rubio, professora de educação da USP e coordenadora do grupo de Estudos Olímpicos da universidade.
A partir de sexta-feira (23), os Jogos Olímpicos e todos os seus símbolos, intactos ou não, estarão a pleno vapor. Afinal, os Jogos não podem parar.