Ele vai para a terceira Olimpíada; ela é estreante no maior evento esportivo do mundo. Em comum, os representantes brasileiros da única classe mista da vela em Tóquio miram o pódio em uma das modalidades mais vitoriosas para o país na história dos Jogos.
Motivos não faltam para o gaúcho Samuel Albrecht, 39 anos, e a carioca Gabriela Nicolino, 31, acreditarem em medalha no peito na ilha de Enoshina, na Baía de Sagami, onde serão disputadas as regatas da Nacra 17, de 28 de julho a 3 de agosto.
Parceria formada há apenas três anos (é a dupla mais nova na equipe olímpica brasileira), os dois velejadores tiveram de superar uma série de adversidades para conquistar a vaga do país na classe, com o quinto lugar no Mundial da Dinamarca, em meados de 2018, menos de um mês depois de começarem a treinar juntos. Mas essa foi só a primeira etapa rumo ao Japão.
Em dezembro do ano seguinte, com base nos critérios para definir os titulares da equipe olímpica em uma seletiva nacional, seria preciso confirmar a qualificação aos Jogos no Mundial da Nova Zelândia.
Ex-parceiros deles, João Bulhões e Isabel Swan também estavam na disputa. A dupla mais bem classificada, desde que terminasse a competição até o 18º lugar no geral, ficaria com a vaga do Brasil na Nacra, o barco mais veloz e radical do programa olímpico – chega a atingir 60km/h.
Nas três últimas regatas, Samuel e Gabriela sofreram com a quebra de peças do barco e terminaram entre os últimos, mas o bom desempenho nos dias anteriores foi suficiente para mantê-los à frente de Bulhões/Isabel. O timoneiro (responsável por conduzir o barco) e a proeira (que maneja as velas) fecharam o Mundial na 11ª posição, e seus concorrentes brasileiros, na 16ª.
Depois de uma temporada movimentada e atribulada, com direito a viagens desgastantes para participar do Pan de Lima (onde conquistaram o bronze) e do evento-teste no Japão, longos períodos sem treinar devido a atrasos no transporte da embarcação de um continente para outro e uma fratura exposta de um dedo de Samuel que atrapalhou a preparação da dupla para os principais eventos do calendário, foi uma vitória e tanto. Vitória, por sinal, foi o nome dado ao barco usado pela dupla na campanha olímpica, uma homenagem à segunda filha do velejador, nascida em novembro de 2019, dias antes do Mundial.
– Consegui voltar dos treinos de preparação e permanecer por uma semana em Porto Alegre, para vê-la nascer e conhecê-la antes de voltar à Nova Zelândia, mas não tinha uma data certa para o parto. Felizmente, deu tudo certo e a Vitória nasceu de parto natural no curto período em que fiquei no Brasil. Cheguei às vésperas do Mundial, mas surpreendentemente fizemos uma grande competição – lembra o gaúcho, que competiu ao lado de Isabel Swan na Olimpíada do Rio a bordo do barco Antônia, nome de sua primogênita.
Na preparação para Tóquio, Samuel e Gabriela se revezaram nos últimos meses entre o Rio e Florianópolis com a ideia de simular as condições de navegação que os 350 velejadores do mundo todo deverão encontrar no Japão, famoso pelo mar agitado e pelo vento forte. Devido ao agravamento da pandemia, no entanto, os velejadores foram forçados a abreviar, no início de março, a estada em Santa Catarina, que entrou em bandeira preta e restringiu os treinos.
Desde então, as atividades foram realizadas novamente na raia olímpica de 2016, a Baía da Guanabara. Apesar da preparação atípica, em que quase não houve competições durante a pandemia, o atleta do clube Veleiros do Sul mostra confiança:
– Estou na minha melhor fase como velejador. Nunca treinei tanto. É a primeira Olimpíada em que entro para disputar medalhas, não apenas com a ideia de só participar. Se vamos conseguir ou não, é difícil prever, porque na Nacra existem 10 equipe em condições de subir ao pódio. Mas certamente estamos nesse grupo.
Mesmo com o pouco tempo de parceria com Gabriela, Samuel aposta que o ano extra de preparação forçado pelo vírus ajudou a entrosar melhor a dupla, não apenas no aspecto técnico da vela.
– A gente tem uma química boa, que funciona. Nossas personalidades se complementam. Sou mais explosivo, mais intenso. Comemoro muito nossas vitórias, mas também fico muito p. nas derrotas. Ela é mais equilibrada, mais comedida. Ela me ajuda a me trazer de volta, a manter o foco nas coisas importantes.
– O Samuel é um atleta muito experiente, que encara a vela como profissão, sabe como organizar uma campanha olímpico. Ele é focado em resultado, e eu, em performance. Uma coisa leva à outra – completa Gabriela.
Em maio, a dupla embarca para a Espanha, onde treinará ao lado de uma dezena de outras equipes da Nacra, na última escala antes da viagem para o país-sede dos Jogos. Se tudo der certo, a dupla espera fazer história e conquistar a primeira medalha para o Brasil em uma classe mista de velejadores.
Saiba mais sobre a classe Nacra 17
Criado em 2011, o barco é do tipo catamarã (casco composto por duas canoas com 5m25cm de comprimento), tem três velas (grande, genoa e a vela balão) e pesa cerca de 135 quilos. É considerado o barco mais moderno, veloz e radical da vela olímpica.
Quando atinge uma determinada velocidade, as quilhas (foils) levantam os cascos e diminuem o contato do barco com a água, reduzindo resistência e aumentando velocidade, fazendo a embarcação atingir mais de 50km/h, o que requer domínio, força e agilidade do timoneiro (que conduz o barco) e da proeira (que cuida das velas).
A equipe olímpica da vela
O Brasil garantiu representantes em oito das 10 classes dos Jogos*
- 470 feminino – Fernanda Oliveira e Ana Barbachan
- 470 masculino – Henrique Haddad e Bruno Benthlem
- 49er FX – Martine Grael e Kahena Kunze
- 49er – Gabriel Borges e Marco Grael
- Finn – Jorge Zarif
- Laser – Robert Scheidt
- Nacra 17 – Samuel Albrecht e Gabriela Nicolino
- RS:X feminino – Patrícia Freitas
*O país não competirá no RS:X masculino e no Laser feminino