O Brasil ainda não é potência da ginástica artística. Mas nas duas últimas décadas deixou de ser mero figurante – de uma época em que atletas como Luisa Parente eram representantes solitários do país em grandes eventos – para protagonizar momentos de glória em Mundiais e Olimpíadas.
Em 2019, as equipes masculina e feminina fizeram sua melhor campanha em Jogos Pan-Americanos, com 11 medalhas em Lima. Foram quatro ouros, três de Francisco Barretto.
Mas nenhum ginasta brilhou como Arthur Nory, que levou para casa o Prêmio Brasil Olímpico na última temporada. Depois de 45 segundos de uma apresentação quase perfeita na barra fixa em Stuttgart, na Alemanha, o paulista de 26 anos entrou em um clube ainda restrito por aqui. Agora, o medalhista de bronze no solo na Olimpíada do Rio 2016 está na mesma prateleira de Daiane dos Santos, Diego Hypólito e Arthur Zanetti, todos campeões mundiais.
O detalhe é que, até receber o ouro das mãos do alemão Fabian Hambüchen, campeão olímpico do aparelho em 2016, Nory teve de superar uma doença incurável, a condromalácia – desgaste de cartilagem que provoca dores incapacitantes em seu joelho esquerdo. O jeito foi diminuir os treinos no solo e no salto, aparelhos de grande impacto para os membros inferiores, e focar a preparação na barra fixa, que exige mais esforço das articulações de ombros e braços.
Se já mostrava talento de sobra, Nory passou a esbanjar outro atributo, a determinação. Quem conta é seu treinador no Pinheiros-SP, Cristiano Albino, que acompanha o ginasta há 15 anos:
– Ele é muito comprometido e disciplinado. Fica brabo quando a gente o manda embora mais cedo dos treinos. Mesmo quando está de folga, arruma um pretexto para ir ao clube e sempre acaba treinando. Faz tudo o que precisa para conquistar seus objetivos.
E o grande objetivo de Nory para 2020, como faz questão de ressaltar na entrevista abaixo, é o ouro olímpico em Tóquio.
Entrevista: Arthur Nory, campeão mundial da barra fixa
"Vou fazer o máximo para passar
coisas boas às futuras gerações"
Qual é o balanço que você faz desta temporada em que entrou para uma seleta galeria de campeões mundiais do Brasil na ginástica artística e que culminou com o Prêmio Brasil Olímpico?
Só tenho de agradecer a todo mundo que me ajudou até chegar a esses resultados incríveis. Em 2019, foi um trabalho árduo, em conjunto, e a gente conseguiu atingir todas as nossas metas e os nossos objetivos, e o Prêmio Brasil Olímpico foi a cerejinha do bolo.
É verdade que você escreve e espalha pela casa mensagens motivacionais? Como você suas chances para os Jogos de 2020?
Sim, sempre tenho post-its que colo nas paredes e no espelho do banheiro, que é o primeiro lugar que eu realmente olho depois que acordo. Essas mensagens estão lá, me motivando todos os dias, essa positividade, a vontade de estar em Tóquio, a vontade de poder competir no Japão e poder buscar esse ouro. O ouro olímpico é um sonho, é uma meta, um objetivo que estou trabalhando todo dia. Vou me preparar fisicamente, psicologicamente e tecnicamente para chegar lá bem positivo e fazer o meu melhor para poder representar bem o Brasil.
Você já tem medalha olímpica no solo e agora é um campeão mundial. Qual a diferença do Nory que competiu na Olimpíada do Rio 2016 para o Nory que vai competir em Tóquio?
O Nory da Olimpíada do Rio estava vivendo um sonho. Hoje, entende que esse sonho já foi realidade. Mas ainda sonha muito com Tóquio, ainda sonha muito em competir em três Olimpíadas. Já amadureceu bastante como pessoa, como atleta, sabe o que precisa fazer para treinar com eficiência para buscar a medalha de ouro. O meu sonho é ser campeão olímpico. Eu e meus treinadores vamos trabalhar juntos até conquistá-lo.
A que você atribui o sucesso recente da ginástica artística brasileira? Você tem esperança que o país se consolide como uma das forças mundiais da modalidade?
A ginástica brasileira vem crescendo desde 2012, após a medalha de ouro do Arthur Zanetti nas argolas. Nesse ciclo todo a gente vem trazendo bons resultados e vem se tornando uma das potências da ginástica, para ficar entre os oito melhores equipes do mundo. A gente continua trabalhando para se manter e buscar cada vez mais melhores resultados, tanto individualmente quanto por equipes, e poder deixar esse legado para as próximas gerações.
Campeões do esporte costumam inspirar as crianças. Você percebeu que, depois de seu título mundial, cresceu a procura da garotada pela barra fixa?
Isso foi algo que sempre imaginei, porque fui muito inspirado a começar no esporte pela Daiane dos Santos. Ela foi minha grande inspiração, o primeiro contato que tive com o esporte, a primeira grande ginasta que acompanhei. Então, pode estar nesse papel, para mim, é uma honra, uma satisfação enorme. Vou fazer o máximo como atleta e como pessoa para passar coisas boas às futuras gerações.
Além da Daiane, quem mais o inspirou na ginástica?
Quando comecei a praticar e a conhecer (o esporte), passei a admirar outros ginastas, como o Fabian Hambüchen, o alemão que é muito bom na barra fixa (foi campeão olímpico no aparelho nos Jogos do Rio 2016) e no individual geral, o americano Danell Leyva (campeão mundial nas barras paralelas em 2011) e o japonês Kohei Uchimura (dono de três ouros olímpicos e 10 títulos mundiais). São três personalidades do esporte que coloquei (fotos) no meu armário, ídolos que admirava e que um dia estava ao lado deles, como adversário, em uma final de barra fixa, em 2015 (no Mundial de Glasgow, na Escócia, em que Nory ficou em quarto lugar). Foi uma experiência muito bacana de poder chegar a este momento brigando (por medalha) lado a lado com eles
Qual foi o significado de ter recebido a medalha de campeão do mundo das mãos de Fabian Hambüchen?
Foi o ápice, o auge. Hambüchen, como eu disse, é um ídolo para mim no esporte, três medalhas olímpicas (também foi prata na barra fixa em Londres 2012 e bronze em Pequim 2008). Foi muito significativo porque foi a única medalha assinada por um campeão olímpico naquele momento. Foi feita por ele, então era uma medalha muito especial e só a de ouro. Então, era a medalha de ouro que eu queria neste Campeonato Mundial.
Você costuma trocar ideias com o técnico da seleção feminina, Valeri Liukin (cazaque que foi campeão olímpico em 1988 na barra fixa pela URSS)? Que conselho de ouro ele já lhe deu?
Sim, quando temos training camp (treinamento de campo) no Rio de Janeiro, às vezes as meninas estão treinando junto e o Valeri está lá. Peço conselhos, para ele dar uma olhada nos elementos, principalmente de barra. Ele sempre dá aquele toque especial, fala com meu técnico também. Então, tem esse troca que vem para somar, para crescer.
Você sofre de condromalácia no joelho esquerdo, desgaste da cartilagem que não tem cura. Qual foi o desafio de treinar e competir com esse problema? Também foi uma oportunidade, já que você teve de se dedicar mais à barra fixa, aparelho que já era forte?
Na ginástica e no esporte de alto rendimento a gente sempre encontra desafios, adversidades. E a lesão é uma delas. A gente sabe que vai acontecer, não tem atleta que não tenha dor ou algum problema. Então, a gente passa por cima, se supera, se dedica tanto porque é apaixonado pelo que faz. A minha sorte é que tenho uma equipe multidisciplinar incrível, profissionais do clube Pinheiros, médicos do Comitê Olímpico do Brasil (COB) supercompetentes, capacitados, dois fisioterapeutas que estão diariamente estudando bastante para poder aprimorar, saber o que se faz, para me manter íntegro em condições de competir.
Você vai focar a barra fixa em Tóquio ou ainda tem expectativa de competir com chance outra vez de medalha no solo?
A barra e o solo são os meus melhores aparelhos, é onde vou me focar bastante. Depende do que a comissão técnica escolher para a equipe, porque vai ter seletiva, campeonatos que vão servir de teste para eles definirem a equipe. Então a gente tem de se preparar. A preparação é o melhor jeito da gente chegar bem para competir em um grande evento.
Você tem mais de 1,4 milhão de seguidores no Instagram, é assíduo no Twitter, tem canal no YouTube. Qual é a importância das redes sociais na sua vida?
As redes sociais são muito importantes para fomentar o esporte e ter mais visibilidade. Muitos veem a gente só de quatro em quatro anos, durante os períodos dos Jogos, dos Pan-Americanos. Então, uso as redes sociais de uma forma que o público possa acompanhar o dia a dia de um atleta, saber o que de passa, os bastidores, quem está por trás, quem está ajudando, quem é o psicóloga, quem é o fisioterapeuta. E uso isso de uma forma de explicar e mostrar para o público que a gente também tem uma vida, que somos humanos.
Diego Hypólito, com quem você dividiu o pódio do solo nos Jogos do Rio 2016, anunciou recentemente a aposentadoria das competições. Que legado ele deixou para a ginástica e o esporte brasileiro?
Deixou um legado incrível. Foi o nosso pioneiro na ginástica, o primeiro atleta masculino a ser medalhista mundial. Deixou muitas coisas boas e tantas alegrias para a ginástica do Brasil.