Em 2020, embora não seja uma meta oficial do Comitê Olímpico do Brasil (COB), o país ambiciona superar a campanha dos Jogos do Rio 2016 e, assim, fechar a participação em Tóquio com seu melhor desempenho na história dos Jogos. Os bons resultados nos Mundiais de 2019, quando nossos atletas conquistaram o maior número de medalhas (22) em temporadas pré-olímpicas, sinalizam que esse objetivo pode, sim, ser alcançado.
Mas há desafios adicionais neste ano em relação às duas últimas Olimpíadas. As estatísticas explicam: historicamente, os brasileiros sobem menos ao topo do pódio em sedes localizadas no outro lado do planeta. Não chega a ser uma queda acentuada de rendimento, mas o fato é que costumamos figurar em posições mais modestas no quadro de medalhas em eventos organizados no fuso horário inverso ao de Brasília (veja gráfico abaixo).
Mas faz mesmo tanta diferença competir no extremo leste do meridiano de Greenwich? Em busca de respostas, consultei o COB e atletas com experiência olímpica no Ocidente e no Oriente. Para Sebastian Pereira, gerente-executivo de alto rendimento do comitê, o fuso é de fato o maior desafio, mas outros aspectos também têm de ser levados em consideração, especialmente em países asiáticos, de hábitos e cultura distintos aos nossos. A culinária, por exemplo, foi um ponto de atenção do COB. Por isso, arroz e feijão farão parte do cardápio básico dos atletas.
– Queremos oferecer a melhor estrutura possível à delegação, minimizando quaisquer tipos de problemas ou dificuldades. Para isso, o Time Brasil terá nove bases no Japão (em Chiba, Enoshima, Hamamatsu, Sagamihara, Saitama, Ota, Chuo, Koto e Miyagase) e duas subvilas (Izu e Sapporo), oferecendo alimentação brasileira, serviços médicos e áreas de descanso e de treinamento – relatou o ex-judoca.
Também conversei com dois representantes do atletismo. Um deles, inclusive, pendurou medalha de bronze no pescoço nos 200m dos Jogos de Seul: Robson Caetano. Para o ex-velocista, questões como adaptação ao fuso horário e cuidados com a logística de longas viagens são detalhes importantes, mas não podem servir de desculpa em caso de insucesso.
– Em 1988, viajei para Seul com uma semana de antecedência. Tive uma aclimatação tranquila. Isso em uma época em que tudo ainda era muito empírico, o COB não tinha planejamento traçado para os atletas. Nunca tive problema com fuso. Para mim, noite é para dormir e dia é para ficar acordado. Disputei Mundial no Japão, Olimpíada na Coreia do Sul, e sempre fui às finais nessas provas.
Foi em Seul que o gaúcho Jorge Teixeira, atual coordenador de Educação Física da Unisinos, participou de sua primeira Olimpíada (ainda competiu em Barcelona 1992). O ex-triplista também minimiza os efeitos do fuso horário.
– Existem muitas outras variáveis que têm influência no resultado, como clima, alimentação, preparação psicológica – enumera.
Doze horas à frente do Brasil, Tóquio oferece nova chance para mostrar que a caminhada rumo ao pódio é longa, mas possível.
"A principal dificuldade é o fuso horário"
Com experiência de participar dos Jogos de Atlanta 1996, o ex-judoca Sebastian Pereira, atual gerente-executivo de alto rendimento do COB, fala sobre os desafios da preparação para uma Olimpíada no outro lado do planeta e traz detalhes do planejamento do comitê para facilitar a ambientação dos atletas ao Japão. Confira.
Quais ações e cuidados o COB planejou no sentido de facilitar a ambientação dos atletas brasileiros nos Jogos de Tóquio?
O COB começou a planejar essa missão com muita antecedência. Iniciamos as buscas por bases para aclimatação em 2014, numa parceria com o Comitê Olímpico do Japão que previa apoio mútuo na preparação para o Rio 2016 e para Tóquio 2020. Em termos de ambientação, há dois momentos distintos, sendo que o primeiro envolve a participação em treinamentos e competições no Japão. Nestes anos que antecederam os Jogos Olímpicos, o COB se preocupou em levar o maior número de atletas e equipes para lá, de modo que eles já pudessem conhecer o que vão encontrar em Tóquio, testando os locais de competição, se adaptando ao fuso horário, entre outras coisas. Foram 333 atletas e integrantes de comissões técnicas em 2018 e 2019. Já o segundo momento é o período dos Jogos em si, quando o atleta deve estar totalmente concentrado em suas provas. Queremos oferecer a melhor estrutura possível à delegação, minimizando quaisquer tipos de problemas ou dificuldades que possam existir. Para isso, o Time Brasil terá nove bases no Japão e duas subvilas, oferecendo alimentação brasileira, serviços médicos e áreas de descanso e de treinamento.
É mesmo mais complicado organizar e preparar a delegação para disputar os Jogos realizados no outro lado do? Quais são as principais dificuldades?
Organizar uma missão como a dos Jogos Olímpicos, que envolve centenas de pessoas e possui muitas particularidades, é uma tarefa complexa independentemente da cidade-sede. Mas é claro que estruturar uma operação desse porte, do outro lado do mundo, traz desafios ainda maiores. A principal dificuldade é o fuso horário, que exige uma adaptação maior. Então, nós levaremos os atletas para Tóquio com uma antecedência maior para que não haja queda de performance. Em outros casos, as equipes devem ir primeiro para a Europa, fazer a aclimatação por lá e depois seguir para o Japão. Outra dificuldade que vamos encontrar é a alimentação, que é muito diferente da nossa. Para minimizar essa situação, teremos alimentação brasileira nas bases, isto é, arroz, feijão, grelhados e massas. Mas eu ainda poderia citar a dificuldade logística, que envolve, por exemplo, o transporte dos barcos, no caso da vela, e dos cavalos, para as provas de hipismo. Temos a questão do trânsito em Tóquio, e esse é um ponto de atenção, porque isso pode reduzir o tempo de treinamento ou descanso do atleta. E até a questão da hospedagem mereceu um cuidado especial, porque as acomodações nem sempre têm o mesmo padrão que a dos países ocidentais.
Que lições o COB tirou de edições recentes organizadas no outro lado do mundo, como Sydney 2000 e Pequim 2008, por exemplo?
O COB tira lições de toda missão que o Time Brasil estiver presente. Fomos a Lima disputar os Jogos Pan-Americanos no ano passado e tiramos lições de lá. Esse aprendizado é constante, até porque esses eventos estão sempre se transformando. Basta ver que, em Tóquio 2020, teremos a entrada de novos esportes no programa olímpico, como o surfe e o skate, o que traz novas demandas e novos desafios. As duas edições dos Jogos que você cita já aconteceram há algum tempo, e muita coisa mudou de lá para cá. O próprio COB aprimorou a sua operação desde então. O que não muda são essas questões que abordamos anteriormente, como o fuso horário e a alimentação. Por isso, desenvolvemos um plano específico para essas áreas, que não interfira na performance dos nossos atletas.