Fui técnico por um dia de um esgrimista quadrifinalista de Jogos Olímpicos. Me aguentem agora.
O Guilherme Toldo, esse que desandou a ganhar de campeão mundial, top 10 de ranking da esgrima e só foi parar no combate que o levaria às disputas por medalhas, um dia me ouviu enquanto eu passava orientações para que ele ganhasse de um italiano meio convencido, mais ou menos como esse que o tirou da Olimpíada.
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O ano era 2010. Eu era um dublê de jornalista recém formado e atleta de esgrima do Grêmio Náutico União. O Pica-Pau (que é assim que todo mundo o conhece por conta de um penteado horroroso quando era criança) era um piá meio chato que se meteu numa excursão que fizemos pela Europa a jogar provas do circuito mundial. Eu tinha 25 anos, ele 17.
Pois em Ancona, em um campeonato nacional da Itália, o Pica-Pau foi passando de fase, mais ou menos como agora na Olimpíada. Os italianos, que são algo como os americanos no basquete, não entendiam a audácia daquele tupiniquim. E eu, eliminado cedo da competição como esgrimista medíocre que era, virei técnico do guri, já que o nosso estava em outro torneio.
Naquela época ele já era meio atrevido, achava que podia ganhar de qualquer um. A gente atribuía a algum delírio de grandeza que passaria com os anos. Vencer o Ota, esse japonês que ele eliminou no Rio, era algo tão provável para um brasileiro quanto a China bater os Estados Unidos no basquete masculino. O piá ainda tem muito a crescer, pensávamos eu e os meus colegas. Ao final da viagem já nutríamos uma afeição de irmão maior com ele.
Hoje eu cheguei à Arena Carioca 3 em meio ao combate de quartas de final. A torcida ensandecida gritava "vamos virar, Toldo". Nunca tinha visto algo assim em um combate de esgrima. Me arrepiei, veio aquele nó na garganta.
O fedelho meio convencido já era outro, mais maduro, mas sem perder a crença de que, quando coloca a máscara a frente do rosto, pode passar por cima de quem quer que for.
Ganhei meu dia quando, na zona de imprensa, ele me viu e pediu aos outros repórteres que esperassem antes de iniciar a entrevista:
– Tenho que abraçar meu parça.
E depois eu vi de boca aberta aquele cara centrado, lúcido, falando no esforço que fez, no sentimento um pouco doído pela derrota, outro tanto satisfeito pelo desempenho. Foi aí que me dei conta: de irmão maior, com aquela curta passagem como treinador, eu virei um fã meio bobo do piá, orgulhoso de ter participado só um pouquinho dessa história.
*ZHESPORTES