O Brasileirão deste ano começou com mudanças significativas ligadas à estrutura do futebol e uma nova realidade com a qual os torcedores já têm se acostumado desde 2021, quando foi aprovada, por meio de projeto de lei, a Sociedade Anônima do Futebol, a SAF. Dos 20 clubes que disputam a Série A desta temporada, cinco deles, portanto 25% do total, migraram do modelo associativo sem fins lucrativos para o empresarial, instituído, sobretudo com a promessa de salvar as agremiações de graves crises financeiras e torná-las competitivas.
Bahia, Botafogo, Cruzeiro, Cuiabá e Vasco aderiram à SAF. Todos acossados por dívidas vultosas, eles entenderam ser oportuno mudar sua estrutura para tentar voltar à rota das glórias e conquistas. O time baiano, o mineiro e a equipe cruzmaltina, aliás, subiram de divisão no ano passado, da segunda para a primeira, já como SAF.
Os torcedores de Botafogo, Cruzeiro e Vasco, principalmente, ficaram eufóricos tão logo foi concretizada a venda dos clubes, ansiosos para que pudessem passar as agruras sofridas por times de rica história, mas muitas dívidas e rebaixamentos acumulados num passado recente decorrentes de gestões desastrosas. Ainda há muitos questionamentos sobre as SAFs e se elas darão conta de tirar os clubes do buraco.
O Bahia foi comprado pelo City Football Group, donos de outros clubes, o mais famoso deles o Manchester City, comandado por Pep Guardiola. O Botafogo hoje é comandado pelo magnata americano John Textor, que comprou 90% das ações da SAF, mesma porcentagem que Ronaldo Fenômeno adquiriu das ações do Cruzeiro, o primeiro dos grandes a migrar de modelo.
O Vasco fez um acordo com o grupo americano 777 Partners, que adquiriu 70% das ações do futebol cruzmaltino com a promessa de investir até R$ 700 milhões, além de ter assumido até R$ 700 milhões da dívida da agremiação. Luiz Mello, CEO da SAF do Vasco, diz que mais de R$ 30 milhões em passivos antigos, com a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) e a CBF, por exemplo, já foram sanados.
O investimento inicial, afirma o executivo, foi usado para pagar dívidas e salários, principalmente. — Enxergamos a SAF também como um investimento para as mudanças que o Vasco precisa, com melhorias em infraestrutura e aumento das receita — afirma Mello ao Estadão. Segundo ele, parte do dinheiro está sendo destinado também à infraestrutura do clube.
— Primeiro, focamos no CT, como no estacionamento, equipamentos, demos uma nova estrutura no profissional. Depois, demos estrutura à base, na Pousada do Almirante. O problema de São Januário é que nunca teve uma reforma estrutural — declara Mello. E complementa: a manutenção de São Januário é complexa. Eu sei que o torcedor quer uma arena. A gente tenta, mas não vai ser tão rápido. Mudamos o gramado, vamos mudar os bares. É um processo.
Primeira SAF da Série A
A primeira instituição a se tornar SAF entre os clubes da Série A foi o Cuiabá, que já era clube-empresa desde a sua fundação, e apenas aguardava a aprovação da nova legislação do futebol brasileiro, vigente a partir de agosto de 2021. A família Dresch, dona da indústria de borracha Drebor, é quem está à frente do clube do Mato Grosso.
— A SAF é o grande movimento dos últimos anos no futebol brasileiro. Essa lei veio para conseguir salvar os clubes mais tradicionais que estavam à beira da falência e é o 'motor' que vai transformar o Campeonato Brasileiro em uma liga — acredita Cristiano Dresch, sócio-proprietário e vice-presidente do Cuiabá. Na Europa, só a nível de comparação, esse modelo de um time ter uma família ou um empresário endinheirado como dono já ocorre há décadas.
Entre os dirigentes, ele é um dos maiores entusiastas da legislação da SAF. — Foi uma lei que chegou no momento certo e que vai nos colocar em uma posição muito melhor do que já temos atualmente — opina.
Dresch entende que, para o Cuiabá, um clube considerado emergente, proporciona competitividade maior em termos financeiros em decorrência da carga tributária menor. — Nós pagamos o imposto único, que é o simples fut, que é 5% sobre todas as nossas receitas e tem uma isenção nos primeiros cinco anos. Como não pagamos esses 5% sobre a venda de atletas, se torna um incentivo interessante — detalha o dirigente.
Em busca de investidores
Ao menos outros dois clubes da elite do futebol brasileiro - América-MG e Coritiba - estão na iminência de virar SAF. Os dois buscam investidores para se tornar clube-empresa. O time mineiro chegou a ter negociações avançadas com um grupo de investimentos dos Estados Unidos, mas não chegou a um acordo.
A equipe paranaense negocia a venda de sua SAF para a Treecorp Investimentos, fundo brasileiro que tem o publicitário e apresentador Roberto Justus, de 67 anos, entre os investidores. Justus tem parte pequena no negócio. Mas sua imagem, mesmo que de longe, poderia ser usada para promover o clube do Paraná.
O Atlético Goianiense também estuda a ideia de deixar o modelo associativo tradicional, mas não tão logo. — O clube tem conversado com o mercado e está atento a todas as oportunidades, porém não há pressa em realizar uma transação já que, mesmo rebaixado, possui uma posição financeira estável, com a possibilidade de liquidação completa da dívida neste ano — explica Eduardo Carlezzo, advogado especialista em direito desportivo e responsável pela estruturação da SAF do clube de Goiás.
Carlezzo faz a avaliação de que o modelo de SAF "ressuscitou alguns clubes" e "fez suas torcidas pensarem grande novamente". Nessa nova realidade, o torcedor, diz ele, "terá de apreender a difícil lição de ser mais paciente, apreciar mais o futebol e não apenas o resultado da partida".
Palmeiras e Corinthians não querem um dono
Com as finanças equilibradas e empilhando taças desde 2015, o Palmeiras não tem plano de se tornar SAF, como já reforçou, em mais de uma ocasião, a presidente Leila Pereira. — Eu tenho certeza de que o Palmeiras não se transforma em SAF. Isso não passa no conselho e pelo associado, e eu entendo que não há necessidade — justificou.
Empresária dona da Crefisa e FAM, patrocinadoras da equipe, ela diz que ela já administra o clube sob a ótica de ser uma empresa. — Você pode administrar o clube como uma empresa. É o que nós estamos fazendo. O Palmeiras é totalmente administrado profissionalmente. É como se fosse realmente uma empresa.
Em cenário oposto financeiramente, com dívidas na casa de R$ 1 bilhão, o Corinthians segue a mesma linha do seu maior rival. — O Corinthians é o time do povo, da torcida. É impossível o Corinthians passar a ter um dono — sustentou o presidente Duílio Monteiro Alves. — E não tenho dúvida nenhuma de que podemos fazer um bom trabalho sem um dono. É só não deixar a parte política influenciar nas decisões.
No futuro, uma SAF "diferente"
Já o Fortaleza tem como plano se transformar em SAF no futuro, "mas uma SAF diferente", nas palavras do presidente Marcelo Paz, em comparação com as "SAFs mais famosas do futebol brasileiro". — Entendemos que temos uma gestão equilibrada, com uma performance financeira e bons indicadores, mas que precisa se capitalizar para enfrentar os grandes concorrentes que já estão capitalizados, e isso só é possível se nos transformamos em SAF — , argumenta Paz.
A ideia do Fortaleza, diz o presidente, é constituir uma SAF com a venda minoritária de ações, de no máximo 15% em um primeiro momento, mantendo o controle da instituição nas mãos da atual gestão, "porém com investidores que capitalizam o clube e que possam ter o retorno financeiro de acordo com o crescimento tanto da agremiação quanto do futebol brasileiro nos próximos anos".
O Goiás é outro que já trabalha para, no futuro, migrar do modelo associativo para o empresarial. — Mas não vamos fazer loucuras, muito menos entrar num projeto sem estarmos muito seguros do que queremos e como queremos fazer — pondera Paulo Rogério Pinheiro, presidente do clube goiano.
— O Goiás é um clube com algumas particularidades. Nossa saúde financeira é equilibrada. Não temos um faturamento tão vultoso quanto os clubes do eixo, mas nosso endividamento é muito mais baixo. Logo, temos dificuldades — descreve o dirigente.
Clubes que viraram SAF, seus donos e a porcentagem das ações de cada um:
- Bahia - City Football Group (90%)
- Botafogo - John Textor (90%)
- Cruzeiro - Ronaldo Fenômeno (90%)
- Cuiabá - Família Dresch (100%)
- Vasco - 777 Partners (70%)
Clubes que se mantêm no modelo associativo:
- Atlético-Mineiro
- Athletico Paranaense
- Corinthians
- Coritiba
- Flamengo
- Fluminense
- Fortaleza
- Goiás
- Grêmio
- Inter
- Palmeiras
- Santos
- São Paulo
*O Red Bull Bragantino é clube-empresa desde antes da aprovação da Lei da SAF, de 2021, e se estrutura como uma limitada (LTDA).