Se você parou em um pedágio solidário na Avenida Bento Gonçalves 3.725 de Porto Alegre nos últimos meses, é provável que tenha cruzado com um campeão mundial juvenil de jiu-jítsu.
Por quatro meses, Felipe Fagundes, de 14 anos, passou seus finais de semana no local, arrecadando dinheiro para poder participar do Abu Dhabi World Youth Jiu-jitsu Championship, nos Emirados Árabes Unidos. Ele não apenas conseguiu vaiajar como, chegando lá, em novembro, superou 17 atletas de outras nacionalidades e trouxe a medalha de ouro para o Brasil.
— Tinham 18 guris na minha chave, mas eu fiz quatro lutas. Ganhei três por pontos e uma luta eu finalizei — conta com orgulho.
Cria do projeto social Jaca Team Guetho, o menino do Partenon já soma seis anos de experiência nos tatames e uma coleção de troféus, que incluem recentes medalhas no Campeonato Mundial de Jiu-Jístu, realizado pela Confederação Brasileira de Jiu-Jítsu Esportivo, em São Paulo; e no Campeonato Sul-Americano IBJJF de Jiu-Jítsu para crianças, realizado no Rio de Janeiro. Seu sonho, no entanto, era voar mais alto — e mais longe.
— Eu e cinco amigos tínhamos o sonho de ir a Abu Dhabi. É um campeonato muito importante. Aí há uns cincos meses, começamos a fazer pedágios, que é ir na sinaleira arrecadar dinheiro. Vendemos rifas também — conta.
Sua mãe, a assistente social Priscila Faller dos Santos, que acompanhou a entrevista, recorda que não foi tão simples:
— Quando ele falou que queria ir para Abu Dhabi, achava extremamente inviável, até pelas nossas condições financeiras. Mas conversando com um pai de outro aluno, de outra academia, ele me convenceu dizendo: "Vamos que a gente consegue, vamos fazer rifa, vamos fazer pedágio". E aí nós começamos nessa busca, mas eu confesso que achava que não iria dar.
Graças às doações e aos apoios de pequenos empreendimentos locais, deu certo. Mas como destaca o mestre Alexandre Moura da Rosa, o "Jaca", responsável pelo projeto onde o rapaz aprendeu a lutar, arrecadar os fundos para a viagem foi só metade da saga de Felipe:
— O Lipe desponta porque ele treina todos os dias. Ele estuda e vem treinar.
A rotina, de segunda a sexta, envolve dois treinos: o primeiro com outras crianças, às 18h30min; e um segundo, às 20h, com os alunos adultos. Felipe não reclama dos horários, garantindo que todo seu foco está no jiu-jítsu. Depois de conquistar Abu Dhabi, seu atual objetivo é participar do Pan Kids, realizado em 2023, nos Estados Unidos, se mais uma vez conseguir levantar dinheiro o suficiente para a empreitada.
— Eu gosto de competir. E gosto de ficar em primeiro lugar — explica.
Jaca Team
Funcionando há mais de uma década dentro da estofaria de Alexandre, justamente na Avenida Bento Gonçalves 3.725, o projeto social Jaca Team Gheto atende mais de 70 crianças dos arredores, provenientes de bairros como Partenon, Bom Jesus, Tuca e Conceição.
Dos quatro anos para cima, os pequenos aprendem com Alexandre os fundamentos do jiu-jítsu e são cobrados, por exemplo, por seu desempenho escolar e comportamento.
— O jiu-jítsu é isso. É salvar a vida, é formar atleta, formar cidadão, pessoas do bem — destaca o mestre, que busca ajudar principalmente crianças em situação de vulnerabilidade. — Tudo que eu faço pelas crianças é por amor. Amor verdadeiro, não conto de fadas, não conto de revista.
Apesar de manter as portas abertas para quem quiser colaborar, o mestre destaca que não busca doações em dinheiro para manter o projeto social:
— Quem quiser ajudar pode vir aqui e ver o que precisa. Prefiro que você ajude uma criança, compre um quimono, pague uma passagem para ele viajar ou pague a inscrição para uma competição.