O Gre-Nal 435 ficará para sempre marcado na memória de Villasanti. E não pense que será por um gol, uma assistência, ou pelos desarmes que colocaram em destaque o volante paraguaio de 25 anos no Grêmio. Em 26 de fevereiro, o maior clássico do Estado foi adiado pela primeira vez por causa de um episódio de violência.
Nesta quinta-feira (29), o atleta relembra o caso em entrevista exclusiva para a série Campo Minado, da RBS TV, exibido no Globo Esporte. O segundo episódio, que também pode ser acessado em ge.globo, reconta casos de quando selvageria e esporte se misturaram e fizeram vítimas. GZH traz a seguir os principais trechos da série.
Antes do Gre-Nal, o ônibus da delegação gremista sofreu uma emboscada de torcedores colorados nos arredores do Beira-Rio. Uma pedra atravessou o vidro do veículo e acertou a cabeça de Villasanti. O meia Campaz e os volantes Thiago Santos e Victor Bobsin também sofreram ferimentos causados pelos estilhaços.
— Lembro que eu estava olhando um filme no iPad. Peguei o telefone e mandei uma foto do estádio para o meu primo. Guardei o telefone no bolso e já aconteceu tudo. Neste momento da pedrada, desmaio e não lembro muito. Foi muito rápido, eu nem consegui me proteger. Depois já estava todo mundo em cima de mim, pergunta se eu estava bem — recorda o paraguaio.
O Inter foi sancionado pelo TJD com multa de R$ 100 mil, devido à pedrada. O torcedor foi preso em 10 de março e soltou quatro dias depois por ser réu primário e ter moradia e emprego fixos. Ele cumpriu medidas cautelares e foi impedido de retornar aos estádios.
— Tem que ter punição. Uma multa econômica não compensa. Uma multa não é nada quando uma pessoa vai agredir a outra. O que eu percebo é que só aqui (no Brasil) já é normal (a violência). Atirar pedra no ônibus passou a ser normal, ir agredir jogadores no aeroporto é normal. Isso não pode acontecer. Tenho bastante companheiros que jogaram na Argentina, na Europa e sempre falam que na Argentina também é difícil a violência, mas aqui no brasil é muito maior. A maioria fala: "ah, Brasil é assim, sempre foi assim". Mas agora está pior — reclama Villasanti.
Desde então, os deslocamentos do volante no ônibus da delegação rumo aos jogos nunca mais foi o mesmo.
— Fico mais atento, com medo. Achava que isso nunca poderia acontecer na vida de um futebolista. É triste. Eu estava longe da minha família, em outro país. Passaram muitas coisas pela minha cabeça — afirma.
Doutor em Educação e autor do livro Uma História do Torcer no Presente, Gustavo Bandeira elenca motivos e explica por que violência e futebol parecem andar juntos na sociedade.
Os esportes modernos dramatizam muito a masculinidade. E na nossa cultura, ser masculino tá vinculado ao ingrediente de violência.
GUSTAVO BANDEIRA
DOUTOR EM EDUCAÇÃO E AUTOR DO LIVRO "UMA HISTÓRIA DO TORCER NO PRESENTE"
— Você sabe que, se atirar uma pedra num ônibus no Mercado Público, será punido, julgado, condenado. Nesta situação, você tem seu nome. No estádio, a sensação que dá é que somos todos alguma coisa e quando todos somos alguma coisa, ninguém é nada. Isso nos dá um entendimento de liberdade que talvez nos autorize a fazer coisas que talvez não faríamos em outro espaço.
Como diminuir casos
Casos de violência ligados ao futebol se multiplicam no país. Em agosto, uma briga entre torcedores paralisou o jogo entre Grêmio x Cruzeiro. Pouco antes, em julho, um torcedor do Santos invadiu o gramado e tentou agredir o goleiro Cássio, do Corinthians. Na quarta-feira (28), organizadas de Cruzeiro e Palmeiras entraram em confronto em Minas Gerais. Quatro torcedores com idades entre 26 e 33 anos foram baleados e 10, com idades entre 30 e 50 anos, foram feridos a chutes, socos e pauladas.
— A rivalidade e o fanatismo sempre existiram. O problema foi que, ao longo dos anos, nós neste ambiente de rivalidade e fanatismo, agregamos a banalização da violência, que não é uma coisa exclusiva do futebol. É uma coisa da vida. Outra ideia que talvez tenha que ser desenvolvida é o banimento dos estádios — opina Marco Aurélio Martins Xavier, titular do Juizado do Torcedor e Grandes Eventos.
Hoje nós não temos dispositivo legal que nos permita afastar definitivamente o torcedor do estádio. O direito brasileiro não é simpático a ideia das penas perpétuas.
MARCO AURÉLIO MARTINS XAVIER
Titular do Juizado do Torcedor e Grandes Eventos
O Estatuto do Torcedor foi alterado em 2019 e tornou-se mais firme no combate à violência. Ele ampliou o prazo de afastamento do criminoso de três para cinco anos, conforme o art. 39-A, além de estender sua incidência a atos praticados em datas e locais distintos dos eventos esportivos e instituir novas hipóteses de responsabilidade civil objetiva de torcidas. Apesar disso, para Marco Aurélio, a pena continua sendo branda:
— Em crime de violência, a pena máxima (até dois anos) é muito baixa e de um certo modo ela iguala situações de violência diferentes e nós temos diversas dimensões de violência e tumultos. O torcedor que reincidiu, que cometeu um delito de tamanha gravidade e demonstra uma incapacidade de conviver nesses ambientes de grupo tem que ser afastado.
Fique ligado
A Série Campo Minado estreou nesta quarta-feira em GZH, ge.globo e Globo Esporte. O primeiro capítulo contou as trajetórias do ex-jogador Régis, do ex-árbitro Rodrigo Crivellaro e da ex-torcedora Luiza Tavares, que deixaram o futebol por causa da violência. O terceiro será apresentado nesta sexta-feira, com representantes de torcidas organizadas e dirigentes da Dupla.