ZH publicou neste final de semana uma reportagem revelando que pelo menos 10 jogos de campeonatos do Rio Grande do Sul receberam alertas para possíveis manipulações de resultados em 2022. As partidas, válidas pela Série B estadual e pelo Gauchão sub-20, foram consideradas suspeitas em razão de apostas em volumes acima do padrão para competições deste tipo. Houve também denúncias que partiram de jogadores e técnicos. Mas como fazer para inibir essas ações. A reportagem ouviu especialistas e autoridades.
É consenso, inclusive entre os representantes das casas de aposta que se propõem a fazer um trabalho sério no Brasil: o primeiro passo é regulamentar o mercado. Desde a liberação das apostas, em 2018, o tema ainda não foi analisado pelo Congresso. É só a partir dessa legislação que será possível aumentar o controle das práticas.
Esse decreto permitirá, por exemplo, quebrar sigilo de apostas. Atualmente, como os sites operam fora do país, as autoridades não têm acesso a quanto cada usuário tem disponível nas contas. Isso é um facilitador para a lavagem de dinheiro.
De certa forma, o controle, ainda que moderado, é feito pelos próprios sites hospedados em países com um bom nível de organização (como Inglaterra e Malta). Eles impedem, por exemplo, a retirada do dinheiro logo após o depósito. Esta é uma das formas mais básicas de lavagem: o usuário pode colocar na casa de apostas a verba proveniente de algum crime e retirar imediatamente, o que "limparia" o dinheiro. As casas também podem limitar os usuários que cometerem abusos ou fizerem apostas suspeitas.
Para o Brasil, há algumas ações práticas que deveriam entrar na regulamentação. Felippe Marchetti, doutor em Integridade do Esporte pela UFRGS, aponta para dois caminhos, um voltado à proteção dos atletas e outro direcionado a autoridades e federações.
Um exemplo de ação prática: sites de aposta têm pessoas responsáveis por monitorar o andamento de partidas (chamados de scouters), sinalizando onde está a bola, se foi falta, escanteio, gol etc. É a partir dessas inforamações que saem as cotações dos sites. Para Marchetti, uma vez que é impossível proibir as apostas durante os jogos (os sites são hospedados fora do país, alguns em mercados ilegais), as organizadoras de campeonatos de base ou de divisões inferiores, cujo acompanhamento praticamente inexiste, têm de vetar a presença de scouters não credenciados nos estádios. Isso também dificultaria a ação de empresas de monitoramento que eventualmente vendam seus serviços para sites ilegais.
Outra medida sugerida por Marchetti é compartilhada pelo delegado Gabriel Bicca, titular da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil gaúcha. Trata-se de uma investigação maior de quem são os investidores dos clubes, inclusive com responsabilização dos próprios dirigentes. Além disso, eles apontam que seria importante rastrear atletas suspeitos que trocam de time ao final de cada campeonato. O especialista pede ainda que seja criado um departamento de integridade nas federações, o que reduziria a dependência de relatórios de empresas.
Há, também, outro viés a ser considerado. Trata-se de observar os atletas. Primeiro educá-los, com palestras que mostrem riscos e punições possiveis, as formas de abordagem dos manipuladores, deixar claro que isso é um crime. Ao mesmo tempo, repetir o que fazem as federações de Finlândia, Noruega, Suíça, Polônia, Suécia, Chipre, Dinamarca e Nova Zelândia. Elas desenvolveram um aplicativo para celular que permite ao atleta fazer uma denúncia de forma segura.
— Os casos recentes mostram que se trata de uma cadeia de criminosos. Os atletas são a ponta, a última etapa. Muitas vezes são vítimas, por estarem vulneráveis dentro de um sistema todo preparado pra fazer eles se corromperem — finaliza Marchetti.
Como funcionam os alertas
O serviço contratado pela FGF é da SportRadar. Há outras empresas atuando no mercado de buscar lisura nas competições esportivas.
A SportRadar criou um formato de monitoramento aprimorado para buscar lisura no esporte. Chamado de Sistema Universal de Detecção de Fraudes (UFDS na sigla em inglês), o programa detecta "padrões de apostas irregulares e suspeitos". São algoritmos que cruzam dados de partidas com mais de 600 operadores e mais de 300 casas de apostas pelo mundo. Se alguma "movimentação estranha" ocorre, a empresa emite um alerta à organização da competição.
Essa movimentação estranha pode ser tanto um volume de apostas excessivo em partidas que normalmente não atraem tanta atenção quanto ações que fujam do padrão o jogo. Exemplos: números elevados de gols, escanteios, cartões ou outros itens que possam receber apostas.
— Os alertas são gerados após fortes movimentos de cotações nos mercados de apostas ou dados de apostas irregulares de apostadores. Em alguns casos, esses alertas refletem o conhecimento prévio de um determinado resultado, como um número mínimo esperado de gols ou uma determinada equipe perder a partida — afirma Andreas Krannich, diretor de Serviços de Integridade da SportRadar.
A evolução do monitoramento permite avançar até ter nomes que entrem em uma lista de suspeitos. Jogadores, treinadores ou outros agentes que tenham participado de partidas com alerta são sinalizados e podem aparecer no relatório.