A final da Liga dos Campeões, que acontece neste sábado, no Stade de France, em Paris, terá o encontro do maior vencedor do torneio com 13 títulos, o Real Madrid, e o Liverpool, dono de seis taças. O sucesso em campo foi alcançado com modelos diferentes de gestão. A equipe inglesa é um clube-empresa. Os espanhóis mantêm o tradicional formato associativo.
Antes comum, o modelo associativo foi substituído pelo clube-empresa em praticamente toda a Europa. Nas cinco principais ligas do mundo (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália), 96% dos times aderiram à gestão empresarial, de acordo com levantamento realizado pela consultoria Ernst & Young.
No Velho Continente, todos os times da primeira e segunda divisão de Inglaterra, Itália e França são empresas. Já na Espanha o número é de 90% e na Alemanha, de 86%. Vale destacar que a transformação na Itália, França e Espanha foi feita de maneira obrigatória, por meio de lei, como forma de solução para muitos casos de clubes endividados.
Apesar da obrigatoriedade no país, o Real Madrid não precisou aderir ao formato por uma exceção na lei, que tirava a obrigação para clubes que tivessem patrimônio líquido positivo. E mesmo com o modelo tradicional, os merengues se mantêm entre os principais times do mundo. Estudo anual da consultoria britânica Brand Finance apontou o clube espanhol como a marca mais valiosa, avaliado em 1,5 bilhão de euros (cerca de R$ 7,7 bilhões).
O Liverpool, por sua vez, foi comprado em 2010 pela Fenway Sports Group Holdings (FSG), do bilionário americano John Henry, por cerca de 344 milhões de euros (R$ 1,7 bilhão na cotação atual), após disputa judicial com os ex-donos, os também americanos Tom Hicks e George Gillett. Desde então, acumula conquistas como a própria Liga dos Campeões de 2018/2019, o Mundial de Clubes de 2019, o Campeonato Inglês de 2019/2020 e a Copa da Inglaterra e a Copa da Liga Inglesa da atual temporada europeia.
Especialista em marketing esportivo e negócios do esporte, Armênio Neto aponta que o confronto vai além do duelo entre modelo associativo e clube-empresa. Estarão se enfrentando dois clubes com boa gestão e que colhem os frutos disso. "Essa final não é um clássico entre Clube-Empresa x Clube Associativo para ver o que funciona melhor. Veja Real e Barcelona. Ambos são clubes associativos em situações distintas por questões de gestão e governança. Clubes-empresa, por sua vez, também quebram e dão errado. Alguns, com menos dinheiro que outros, conseguem resultados melhores. Essa final é, na verdade, a prova de que gestão e governança são mais importantes do que os modelos em si."
No Brasil, SAFs começam a ganhar espaço
Se nos países europeus a transformação de modelo associativo para clube-empresa já acontece há um bom tempo - Itália (1981), França (1984) e Espanha (1990) -, no Brasil houve uma tentativa de estimular a conversão de associação civil sem fins lucrativos para empresa em 1993, sem muito sucesso, assim como com a Lei Pelé, de 1998, que tinha como um dos objetivos a migração obrigatória.
A chegada das SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol), porém, parece trazer uma nova realidade no Brasil, com cada vez mais adeptos. Times tradicionais como Botafogo, Vasco e Cruzeiro aderiram ao formato. Há também os emergentes, como o Cuiabá, exemplo de sucesso de um clube-empresa.
As mudanças nas administrações e rumos dos clubes já podem ser percebidas, conforme destaca o especialista em direito desportivo empresarial, Eduardo Carlezzo. "Cada investidor tem um perfil de atuação. Sendo esse investidor dono da maioria das ações, está legitimado a agir como entender para implementar o seu estilo de gestão. No caso do Cruzeiro, o Ronaldo tinha que deixar claro uma mensagem com relação a corte de gastos. No Botafogo, o John Textor teve uma decisão dura de romper com todos os patrocinadores. Cada um deles está liderando de acordo com seu histórico profissional e com as necessidades mais urgentes de cada clube", explicou Carlezzo.
Além do rompimento com os patrocinadores, o Botafogo se notabilizou pelas contratações que deram uma nova cara ao time. Chegaram nomes como Patrick de Paula, Tchê Tchê, Renzo Saravia, Lucas Piazon, Lucas Fernandes, Victor Cuesta, Sebastian Joffre e Niko Hamalainen, tornando o elenco ainda mais competitivo.
"É interessantíssimo ver essa química. Sem dúvida, o torcedor abraçou o Textor e com um olhar muito carinhoso, de muita esperança. Acho que passa muito pela personalidade dele, de interagir, de desafiar, mostrar uma visão inovadora. O torcedor estava vivendo uma realidade dura há vários anos, muito apertada, e de repente surge uma possibilidade de fazer o Botafogo uma potência novamente da noite para dia. É contagiante", disse o CEO do clube, Jorge Braga.
Bruno Maia, executivo de inovação no esporte, ressalta que os perfis de cada investidor têm a ver com o que o clube precisa no momento e o que é necessário passar como mensagem ao torcedor. "O John Textor chega ao Botafogo sem nenhum vínculo com o torcedor, não havia história entre as partes. O Ronaldo não, ele já chega em uma posição de ídolo do Cruzeiro. Isso o ajudou a tomar atitudes duras, como a saída do Fábio, que apesar das duras críticas, não inviabilizou a continuidade do projeto. Era importante o Ronaldo deixar bem claro a situação, ir lá embaixo para mostrar a verdadeira realidade. Essa foi e continua sendo uma mensagem necessária, é a realidade que ele quer mostrar ao torcedor", afirmou.
"As ações do Textor são totalmente contrárias a essas (do Ronaldo). Elas precisavam levar em consideração que o John tem de se aproximar do botafoguense, ganhar a confiança, fazer um afago em uma torcida carente. Ele soube fazer isso muito bem, deu entrevistas dizendo que acompanha o sistema tático do treinador, colocou o Botafogo em uma placa de campo na Premier League (jogo entre Crystal Palace x Chelsea). Isso ajudou, nesse caso, a quebrar a visão de que ele chegaria como um investidor apenas para fazer dinheiro, criou uma outra expectativa e afastou as dúvidas da torcida."
Para garantir que a missão dos profissionais que estão à frente dos clubes em reestruturação aconteça com tranquilidade, na visão de Juliana Biolchi, advogada especializada em renegociação de dívidas, é preciso trazer um elemento imprescindível: a segurança jurídica.
"Hoje temos novos instrumentos legais à disposição dos clubes, para organizar os seus passivos, como é o caso do RCE. Mas, há, ainda, opções mais maduras, como a recuperação extrajudicial ou judicial, que também precisam ser consideradas. O que a SAF precisa é estabilidade para que os executivos possam fazer o seu trabalho e cada caso é um caso."