Gaúchos e brasileiros, quando Pedro Ernesto Denardin abrir o microfone da Rádio Gaúcha nesta quarta-feira (23) para iniciar a Jornada Esportiva, ele estará iniciando uma transmissão histórica. Em um clássico que é numerado jogo a jogo, o Gre-Nal 437 será o centésimo de Pedro narrando cada uma das incontáveis divididas de bola que marcam a rivalidade entre Grêmio e Inter.
O timbre de voz do narrador passou pelas cabines do Olímpico, do Beira-Rio, da Arena, do novo Beira-Rio, por estádios do interior gaúcho, no exterior — no clássico disputado em Rivera —, e até da casa dele, em tempos de pandemia. Suas narrações marcaram vitórias e derrotas válidas pelo Gauchão, Brasileirão, Copa Sul-Americana e Libertadores da América.
Foram 193 gritos de gols em clássico. Cada um com uma história. Cada um com uma memória para gremistas e colorados. Cada um com uma espécie de discurso motivacional improvisado no instante que o grito de gooooooooooooooooooooool termina.
— Não tenho frases prontas. Tenho uma descrição para cada gol, para cada jogo. Tentando sempre em Gre-Nal ter a mesma vibração para Grêmio e Internacional — explica.
Com quase 50 anos de carreira, Pedro começou a narrar Gre-Nais em 1996, quando Armindo Antônio Ranzolin se afastou das transmissões esportivas. Desde aquele 17 de março, somente oito clássicos não foram registrados com as descrições do narrador. Em 26 anos, são 31 vitórias colorados, 34 gremistas e 34 empates.
Atualmente, as narrações de Pedro se espalham pelas ondas da Gaúcha, líder de audiência no Rio Grande do Sul, e de 152 rádios espalhadas por oito estados brasileiros que compõe a Rede Gaúcha Sat. Confira a seguir uma entrevista com ele comentando a marca histórica.
Quando toca a trilha da Jornada Esportiva da Gaúcha e tu vais abrir o microfone, o que passa pela tua cabeça?
Para mim, as transmissões são muito semelhantes. Acho que se tem responsabilidade com o ouvinte em qualquer transmissão, mas não se pode negar que no dia do Gre-Nal tem mais gente ouvindo. Tem de ter mais cuidado com o que tu vais dizer, qualquer coisam dizem que é gremista ou colorado. É preciso ter certeza absoluta daquilo que tu vais afirmar. É um jogo diferente, uma transmissão diferente.
O que mudou no Pedro narrador durante essa jornada de 100 Gre-Nais?
A narração no Rio Grande do Sul tinha uma coisa muito conservadora, tinha o Pedro Carneiro Pereira, tinha o (Armindo Antônio) Ranzolin. Entrei com um tipo de narração que mudou. Tenho ousadia, não tenho frases prontas. Tenho uma descrição para cada gol, para cada jogo. Tento sempre em Gre-Nal ter a mesma vibração para Grêmio e Internacional, festejar tanto para um quanto para outro. Eu faço a descrição do gol e, depois, penso como torcedor. Estou falando alguma coisa que agrade a eles. Como os gols são diferentes, não tem um gol igual ao outro, cada gol de uma descrição.
Penso como torcedor. Como os gols são diferentes, não tem um gol igual ao outro, cada gol de uma descrição.
PEDRO ERNESTO DENARDIN
Narrador da Rádio Gaúcha
Essas descrições já te trouxeram incomodação em Gre-Nais?
Sempre tem. Hoje nas redes sociais falam "como tu vibraste com o gol deles". Isso é normal. O torcedor tem direito de reclamar, de achar ruim. Não tem problema nenhum. Tem direito de achar que estou torcendo contra ele ou a favor dele. Cada um tem uma opinião. Procuro fazer, e faço, a vibração para um lado e para outro, porque 50% do nosso público é gremista e 50% é colorado. Então, tem de fazer para os dois.
Tu te lembras do primeiro Gre-Nal? Era o momento que tu estava virando o narrador número 1.
Tive um período dentro da Rádio Gaúcha em que fui repórter. Naquele momento, o Ranzolin me chamou para dizer que a direção da Rádio tinha uma ideia de que ele iria apresentar o Atualidade e eu seria o primeiro narrador, mas que era mais para o futuro. Um dia o Ranzolin me chama na sala dele e me diz que eu ia narrar o Gre-Nal. Eu digo: "Como assim, Ranzolin?". Ele falou: "Larguei, agora é contigo". E fui narrar o Gre-Nal.
Pelo visto, tu ficaste surpreso.
Fiquei surpreso, mas não fiquei nervoso. Não tenho muito problema de nervosismo. Para mi, estar no Passo d´Areia ou na Copa do Mundo, significa mais ou menos a mesma coisa. Claro que sei a dimensão e o tamanho das coisas, mas não fico nervoso quando estou na Copa do Mundo, no Gre-Nal ou no Passo d´Areia. O respeito ao ouvinte é para tentar fazer o melhor possível. O que não significa que vai ser sempre bom. Fiquei surpreso, mas fiquei na boa e fui para dentro. É tipo jogador que recebe a escalação na hora da preleção, foi o que o Ranzolin fez comigo.
Quando tu narraste o primeiro Gre-Nal, imaginava que teus gols podiam chegar ao Jornal Nacional como já ocorreu?
Não imaginava. Aquilo foi muito legal. Foi um dos gols mais lindos que narrei, gol do Nilmar em que ele passou por oito jogadores do Corinthians e fez o gol. Fiquei emocionado com aquilo.
Eu me levanto, esbravejo, gesticulo. Vibro tanto quanto o torcedor. No Gre-Nal é a mesma coisa.
PEDRO ERNESTO DENARDIN
Narrador da Rádio Gaúcha
Esses dias tu conheceste um fã especial. Conta um pouco sobre o encontro e o que significa isso para ti.
A equipe da ESPN veio gravar um documentário comigo. Começaram a procurar ações e eles montaram outras. Eles descobriram um menino, chamado Vinicius, que mora em Candelária e é cego. Ele me imita e ouve a Rádio Gaúcha dia e noite. Colocaram ele ali na orla. Quando eu cheguei lá, ele tava narrando um gol. Cheguei do lado dele e disse: "quem é que tá imitando o Pedro Ernesto?". Ele se atirou em cima de mim. Comecei a chorar. Foi emocionante. É uma pessoa com deficiência visual, que faz do rádio o seu grande momento. Ele tem tudo aquilo por mim. Nem mereço isso, mas ele tem, e se tem, vamos saudar. São pequenos momentos que dão uma emoção muito grande. Comecei a chorar junto com o cara. Fiz aquele fiasquinho, ligeirinho, mas depois me recuperei.
O que te marcou mais nesses clássicos todos?
O lance é o gol mil do Fernandão. Ele tinha chegado aqui naquela semana, o Élder Granja cruzou e o Fernandão fez o gol no Tavarelli. Tem aquele Gre-Nal do Ronaldinho, em que ele deu uns dribles no Dunga. Ele fez um gol maravilhoso. O Sant´Ana estava do meu lado, gritava histericamente "Pelé, Pelé, Pelé". Foi um Gre-Nal diferenciado por causa do Ronaldinho, que é o maior jogador que o Rio Grande do Sul produziu. Em relações a jogos, teve o do gol mil, o do 5 a 0, são alguns que marcaram muito.