Embora o cancelamento da Copa América tenha sido discutido na última reunião da Conmebol, na segunda-feira, após a desistência da Argentina, o tema foi logo descartado pelos dirigentes das federações nacionais. O motivo é, sobretudo, financeiro. O orçamento da entidade prevê US$ 122 milhões (R$ 637 milhões) em gastos com a competição. A previsão das receitas é menor em relação às edições anteriores, principalmente pela falta de público. Para evitar um prejuízo maior, a entidade procurou o Brasil e ontem o presidente Jair Bolsonaro confirmou o país como anfitrião e ainda anunciou as quatro sedes — Rio de Janeiro, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso.
A última edição, em 2019, também no Brasil, gerou US$ 118,2 milhões de faturamento (R$ 629 milhões), com ações de publicidade, licenciamentos, patrocínios e bilheterias, principal fonte de receita. Naquele ano, os gastos ficaram em US$ 108 milhões (R$ 609 milhões). O torneio, portanto, foi rentável.
Neste ano, o cenário é bem diferente. Não haverá público nos estádios por conta das restrições impostas pelas autoridades sanitárias para evitar as aglomerações e a aceleração da contaminação pelo coronavírus. Com isso, as receitas da Copa América serão menores que o previsto. A projeção do início do ano era de R$ 641,5 milhões. Os custos já estão definidos em cerca de R$ 637 milhões. A conta, portanto, não vai fechar.
— A Copa América é um torneio fundamental para a Conmebol. Neste ano, porém, não existe o ganho com a bilheteria, que teve forte impacto na última edição. O campeonato teria de ser cancelado. Ele não se justifica financeiramente — opina Amir Somoggi, especialista em marketing esportivo.
O torneio centenário tem sido um evento comum no calendário das seleções sul-americanas. Já foram realizadas edições em 2015, 2016 e 2019. Esta será a quarta em seis anos. A importância financeira da competição fica mais acentuada na comparação dos balanços da entidade "com" e "sem" a Copa América.
O executivo Renê Salviano, especialista em novos negócios do esporte, explica que um evento deste porte requer até dois anos de planejamento e, geralmente, possui várias propriedades comerciais que são ativadas mesmo antes do evento acontecer.
— Equipe contratada para planejamento e organização, contratos de fornecedores, logística, patrocínios vendidos e vários outros custos incidem em uma grande produção deste nível. O apito do primeiro jogo é apenas a parte final de um evento — relata.
Cancelamento geraria enorme prejuízo
O cancelamento do torneio, mesmo sem torcida, significaria um rombo ainda maior nas contas da Conmebol. As cotas de patrocínio costumam ajudar a custear ações que acontecem antes de um evento, como ativações de publicidade, estrutura de venda de ingressos, transporte e hospedagem. Se houver cancelamento, os patrocinadores pedirão o ressarcimento dos valores. Por isso, os organizadores se esforçam para manter a realização dos eventos, mesmo que sejam adiados, como os Jogos Olímpicos de Tóquio, por exemplo.
— Sendo cancelado o torneio, como regra geral, os patrocinadores e detentores dos direitos de transmissão ficam desobrigados de pagar os valores devidos à Conmebol. Caso tenham antecipado algum valor, eles podem solicitar o ressarcimento—explica Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito esportivo.
— No caso da CBF, que tem estabilidade financeira, o impacto é mínimo. Já para outras federações menores, como Bolívia e Venezuela, por exemplo, esse dinheiro faria muita falta — completa o especialista.
Para 2021, a meta orçamentária da Conmebol é ambiciosa: arrecadar US$ 487 milhões (mais de R$ 2,5 bilhões), contando com o retorno gradual dos torcedores aos estádios. O ponto de partida seria a Copa América, nas projeções dos dirigentes da entidade.
Realizar a Copa América se tornou fundamental após os resultados ruins do ano passado. A receita total foi de US$ 329,8 milhões (R$ 1.698 milhões), o que representa uma queda de 33% em comparação com o ano de 2019.
Darcio Genicolo, professor do departamento de Economia da PUC-SP e pesquisador do Insper, vê um componente político na realização do torneio.
— É uma demonstração de força política da Conmebol, que busca se reerguer do ponto de vista institucional após os escândalos de anos atrás. Também é preciso lembrar a disputa entre os clubes e a Uefa na Europa. A Copa América é uma tentativa de coesão. E a CBF quer fortalecer sua relação com a confederação — analisa.