Menos de 24 horas depois de o governo argentino desistir de sediar a Copa América, por conta do aumento de casos de covid-19 no país, a Conmebol anunciou a transferência do torneio para o Brasil. Embora a entidade sul-americana tenha mostrado agilidade na remarcação das partidas, que serão disputadas entre 11 de junho e 10 de julho, envolvendo o deslocamento de 10 equipes, a decisão traz preocupação a profissionais brasileiros que atuam na área da saúde.
— É um total absurdo. A situação da pandemia não está nem perto de estar controlada no país e estamos na iminência da terceira onda. Trazer a Copa América para cá, ao invés de levar para o Chile ou Uruguai, onde um percentual grande da população está imunizada, é uma temeridade — avalia Pedro Hallal, epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
— A terceira onda parece estar começando no território nacional inteiro. Claro que temos Estados em situações piores, e o Rio Grande do Sul é um deles. Talvez, a exceção seja Manaus que, ao que parece, o aumento de casos não está tão marcante como em outras capitais. Mas, anunciar um evento esportivo no país em um momento em que os casos estão em crescimento é, no mínimo, temerário. Se fosse uma decisão baseada em dados científicos, não teria sido trazida para o Brasil — completa ele.
Opinião semelhante é dada pelo médico infectologista mineiro Diego Rodrigo Costa, que atua no Hospital Saúde, de Caxias de Sul, e no São João Batista, de Nova Prata.
— No momento atual, o Brasil não deveria ter jogo nenhum. Penso que para ter escola e comércio funcionando, deveríamos ter um número de casos por dia muito menor. Hoje, temos de 70 a 80 mil casos. Isso é muito alto se contabilizarmos a população nacional. A pandemia no Brasil está descontrolada e a vacinação está muito lenta. Então, é uma tempestade perfeita. O povo está se movimentando, os casos estão aumentando e ainda vem um evento esportivo de grande porte para o país — analisa.
Em nota publicada em seu site oficial, a Conmebol ressaltou a experiência do Brasil na realização de eventos esportivos recentemente, como a Copa do Mundo de 2014 e última Copa América, realizada em 2019. As cidades que sediarão os jogos, no entanto, ainda não foram divulgadas pela entidade.
De acordo com o site ge.globo, como as competições nacionais — como Brasileirão e Copa do Brasil — não serão interrompidas, a escolha deve ser por estádios que não estejam recebendo jogos. Assim, as partidas seriam disputadas em Brasília, Manaus, Recife e Natal.
— Entendo que o Brasil já tenha estrutura, em razão dos estádios. Existem razões de logística para se trazer para cá, mas existem questões anteriores, como a segurança das pessoas. Por mais que se tente fazer bolhas, existem estudos que mostram que estas bolhas não são eficazes para impedir a disseminação do vírus. Certamente, vai haver aumento no contágio e ainda tem a possibilidade da introdução de variantes. Isso representa um risco tanto para nós como para os outros países — completa Hallal.
Presença de público?
Outro temor diz respeito à presença de torcida nos estádios. Embora ainda não tenha se manifestado sobre isso, a Conmebol já abriu um precedente ao permitir que 2,5 mil pessoas acompanhassem a final da Libertadores de 2020, entre Palmeiras e Santos, no final de janeiro, no Maracanã.
— Mesmo que não tenha público, vai movimentar imprensa, torcedores na porta dos hotéis e estádios. E vão jogar em lugares muito distantes, movimentando equipes por aeroportos. Ainda fica difícil avaliar de uma forma geral, mas penso que o Brasil não deveria ter futebol. É como a realização dos Jogos Olímpicos. O Japão tem uma vacinação ainda mais lenta que a do Brasil. Eles também deveriam estar pensando nisso. O Brasil não tem condições de voltar com o comércio, com as aulas, quem dirá com o futebol. Além disso, esta é uma mensagem que se passa para a população. Recebemos muitas informações de futebol clandestino. A mensagem é de vida normal, quando o que vivemos no hospital não é isso. E agora temos pacientes predominantemente jovens, de 40 a 60 anos — conclui Costa.