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Jean Pyerre: "Sou preparado para o racismo, meu irmão também, mas deveríamos ser preparados para ter uma vida normal"

O camisa 10 do Grêmio e seus pais falaram sobre como o preconceito afeta suas vidas 

Ohana Constante

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Victor La Regina

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Dalmir Pinto / Reprodução/RBS TV
Jean Pyerre falou sobre suas experiências com o racismo

Ao lado de seus pais, o servidor federal Eduardo Correa e a empresária Luciana Casagrande, o camisa 10 do Grêmio abre a sua casa, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, às 14h de uma quinta-feira, para falar sobre suas experiências com o racismo estrutural. Dentro e fora de campo.

 — Eu sou preparado para isso (o preconceito). E meu irmão também é. Mas não devíamos ser. Deveríamos ser preparados para ter uma vida normal — diz Jean Pyerre, adiantando o tom da conversa que viria pela frente.

O meia de 22 anos, tratado como uma joia pela direção do Grêmio, é um dos personagens do terceiro episódio da série de reportagens Nossa Voz. De origem humilde e natural de Alvorada, Jean Pyerre conta que, infelizmente, lida "bem" com o preconceito. A começar por sua cidade natal, que sempre foi motivo de discriminação.

— A vida tratou muito disso (ensinar sobre o racismo).  Tem situações que preparam a gente. O fato de eu crescer em uma cidade que era discriminada é uma delas — interpreta o meia. 

Parte dessa preparação vem de berço. Eduardo e Luciana reconhecem que sempre abordaram o tema com franqueza "explícita" dentro de casa. Mas sempre com tolerância e de forma construtiva. No lar do futuro craque, não havia espaço para ódio aos brancos. O discurso, confidenciam os pais, era sempre de autoafirmação dos negros.

— Nós procurávamos mostrar que para o negro tudo sempre é mais difícil. Tem que batalhar, tem que estudar, tem que se dedicar, tem que correr atrás porque ser negro já é um ponto de desvantagem em qualquer competição — recorda Eduardo, ressaltando o "ponto de partida" comum aos negros em contextos de racismo estrutural. 

Em meia hora de conversa, Luciana lembra de episódios racistas que Jean Pyerre sofreu. Em um deles, o meia já atuava no grupo de transição do Grêmio e foi acusado de roubar um celular em um supermercado próximo à sua residência, no bairro Bela Vista, em Alvorada. Detalhe: no dia e no horário do crime, Jean Pyerre treinava no CT Hélio Dourado. Diante da suspeita infundada, a família tomou providências.

— O Eduardo chamou a polícia e fizemos uma ocorrência. Teve audiência e tudo. A gente também entrou em contato com o Grêmio, que forneceu material dizendo que ele estava no treino — relembra a mãe, que completa:

— Quer dizer, além de a gente não ter feito nada de errado, tu ainda tens que te explicar! Não é a pessoa que te acusou que tem que provar alguma coisa, é tu que tens que provar, por ser negro, que não estava fazendo nada de errado.

 Assim como ocorreu com Jean Pyerre, Alícia Vargas, 14 anos, lateral-direita da base do Grêmio, também recebe suporte da mãe para lidar com o racismo. Desde muito nova, a auxiliar administrativo Andala Vargas, mãe da jovem promessa tricolor, falava sobre resistência.  

— Desde os meus 5 anos, a minha mãe, como mulher negra, vem me ensinando a aprender a lidar com isso (racismo). Porque hoje em dia, a gente tem que aprender a lidar. Até que a gente consiga fazer tudo isso mudar — interpreta a menina.

Dalmir Pinto / Reprodução/RBS TV
Alícia é uma das promessas do Grêmio

Alícia lembra que foi parar no futebol por necessidade, aos seis anos. Segundo a jovem atleta, a falta de dinheiro fez com sua mãe a inscrevesse no Instituto Geração Tricolor (IGT): 

— Às vezes faltava o que comer em casa e no IGT eles fornecem alimento, rancho e tal.

Os cabelos raspados e roxos de Alícia revelam uma menina posicionada. Em menos de meia hora de conversa,  a adolescente falou sobre preconceito, gênero e pobreza. E sempre com a inocência de seu sorriso metálico. Mas a garota muda a fisionomia ao recordar episódios de racismo enfrentados. Alícia conta que percebe preconceito estrutural ao ser "olhada de canto", ao atravessar um shopping e o segurança a monitorar, ao entrar em uma loja e algum funcionário a perseguir .

Me abate pela forma como as pessoas não têm empatia. Não é nem um pouco legal, machuca o próximo

ALÍCIA VARGAS

Lateral da base do Grêmio

— Vergonhoso não é pra mim, mas para pessoa que está fazendo isso comigo. Me abate pela forma como as pessoas não têm empatia. Porque não é  legal, machuca o próximo. Mas em relação ao meu futuro, não me abate. Sei que vou conseguir e vou continuar lutando sempre pra chegar no patamar que eu desejo — finaliza a menina cheia de esperanças.

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