Uma ligação que mudou tudo. Em agosto, quando o telefone tocou e apontou o DDD 21, direto da sede da CBF, no Rio de Janeiro, Eduarda Marranghello Luizelli não imaginava que viveria, aos 49 anos, mais uma primeira vez na carreira. O convite? Coordenar as seleções femininas do Brasil. Um desafio do tamanho de uma vida toda dedicada ao futebol feminino.
Gestora, empresária e ex-jogadora, Duda foi uma das pioneiras no incentivo à modalidade no Rio Grande do Sul. Foi a primeira gaúcha a jogar fora do país e a criar escolinhas para as gurias mostrarem habilidades no Estado. Desta vez, os olhos brilharam com a possibilidade de mais um ineditismo: ser a primeira mulher a gerir o futebol feminino brasileiro. E o sonho também é fazer história ao tornar o país o melhor do mundo.
Em poucos dias, após conversar muito com a família, viu-se diante de muitos dilemas. Entre eles, ficar mais tempo longe dos pais, do marido e do filho, sem falar no fato de sair do clube do coração, o Inter, onde era diretora da modalidade. Mas a chance de um grande desafio dentro da seleção falou mais alto. Nesta entrevista exclusiva para o Esporte da RBS, Duda relembra o passado, conta detalhes do presente e revela seu maior sonho.
Como foi o convite para coordenar as seleções femininas do Brasil?
O presidente da CBF, Rogério Caboclo, fez uma ligação para o presidente do Inter, Marcelo Medeiros. Logo em seguida, o vice-presidente, Norberto Guimarães, entrou em contato comigo e já no outro dia eu acabei viajando para o Rio de Janeiro para conversar. A gente passou algumas horas conversando, ele me explicou o projeto e o objetivo da CBF. Aí, voltei para contar à família. Foi uma semana de incertezas. A cada treino que eu ia no Inter os meus olhos enchiam de lágrimas, porque eu sabia que seria uma "vírgula" na minha história dentro do clube. Sabia que estaria deixando um projeto que praticamente a gente construiu desde o início, mas tinha a certeza que era para um bem comum. Passaram-se uns 10 dias e o presidente Rogério Caboclo me ligou novamente: "Duda, está pronta"? E eu disse: "Vamos embora, presidente!" Eu sou a pessoa certa. Neste momento de ascensão do futebol feminino, me sinto pronta e capacitada para ajudar o Brasil a ser o melhor do mundo no feminino.
O que representa este cargo?
Representa toda a minha história. Nunca desisti. O futebol feminino faz parte da minha vida. Por todo esse envolvimento, desde pequena, acho que é por isso que hoje eu esteja ajudando o Brasil a crescer na modalidade.
Era uma aspiração da Duda estar na gestão da Seleção Brasileira Feminina?
Minha vida sempre foi um passo a passo. A gente sempre sonha, né? Um dos meus sonhos era chegar no mais alto. Entregar um projeto na Fifa, poder coordenar o futebol mundialmente. Mas como a Pia (técnica da Seleção Feminina) fala: "step by step" (passo a passo). Neste momento, estou muito empenhada em ajudar o Brasil a construir seleções fortes. Não só no adulto, mas nas categorias sub-20, sub-17 e, quem sabe, na sub-15 que deve nascer em breve.
Aline Pellegrino assumiu a coordenação das competições. Como é estar ao lado de outras mulheres?
O momento é nosso. O presidente conseguiu visualizar isso dando poder às mulheres.
A CBF anunciou que as premiações para atletas das seleções masculina e feminina serão iguais. Que outros pontos precisão de equiparação?
A gente está num processo de transformação. Talvez na hora em que o futebol feminino tiver mais visibilidade, com uma mídia forte, novos patrocinadores virão e, consequentemente, haverá salários mais altos. Mas é preciso lembrar que o futebol masculino tem mais de 100 anos. O futebol feminino, após uma paralisação, praticamente tem 40 anos. Então, acho que a gente está num caminho certo e é nele que vamos tentar trilhar novos rumos.
Quando será possível falar em salários semelhantes dentro dos clubes?
Acho que o importante é a gente estar crescendo. Isso vai acontecer naturalmente. Às vezes, me perguntam: "Que legado ficou"? No Rio Grande do Sul, é a gente ter equipes muitos fortes. Grêmio e Inter estão entre as oito melhores do Campeonato Brasileiro.
Fora das quatro linhas, qual o maior desafio que a Duda imagina ter na CBF?
A gente depende muito das meninas serem cada vez mais profissionais para a gente ter uma seleção mais forte. E o nosso desafio é fazer com que as categorias de base tenham mais jogos internacionais. Por que elas competindo, desde pequenas, chegarão à categoria adulta prontas para competir. Acho que temos que fazer um calendário de pelo menos de dois anos, já que a gente tem datas-Fifa até 2023 para as categorias adulta e de base. Meu maior desafio é a montagem desses calendários.
Comparando o seu tempo de jogadora com a atualidade, qual o principal avanço?
A grande evolução é ter campeonatos e os grandes clubes do Brasil participando, com atletas tendo carteira assinada. Hoje, a CBF tem cinco campeonatos: Série A1, Série A2, sub-18, sub-16 e sub-14.
O que a jogadora Duda teria feito de diferente na carreira?
Nada de diferente. Mas eu gostaria de ter nascido mais tarde para viver em campo este momento do futebol feminino. Com 13 anos, já fui direto para um campeonato adulto. Hoje, uma menina desta idade joga o Brasileiro sub-14.
É possível sonhar com medalha nos Jogos de Tóquio?
A Olimpíada, por ser uma competição curta, não ter tantas equipes europeias, acho que o Brasil chega forte. Mas o futebol feminino do Brasil está em ascensão, começando um processo de transformação. Talvez, na próxima Olimpíada, a gente dispute a medalha de ouro.
Maiores investimentos da categoria no país estariam relacionados a conquistas mundiais como o ouro olímpico ou uma Copa do Mundo?
Acho que não. A gente sempre sonhou em ter grandes clubes e a gente têm. Grandes patrocinadores e investimentos vão acabar acontecendo. É importante que as pessoas comecem a assistir ao futebol feminino. A gente teve o exemplo do ano passado, na final do Campeonato Paulista, com 28 mil pessoas, um recorde. Com torcida, o feminino pode mudar de status.
Em que patamar a Seleção Brasileira se encontra na comparação com EUA e Alemanha?
Hoje, o Brasil está em 8º no ranking mundial da Fifa. Quando a Pia veio, estava em 11º. A seleção está em ascensão e a gente tem a expectativa que suba cada vez mais no ranking.
Como a CBF enxerga as categorias de base? Existe algum plano para incentivar os clubes a investirem na formação de meninas?
Dentro dos novos projetos que a gente vai apresentar certamente está a importância de ter uma escola de futebol, categorias de base nos clubes. É a base forte que vai fazer o time vitorioso no futuro. A gente quer reunir gestores, treinadores, preparadores físicos e médicos para que os clubes façam parte das várias categorias da seleção.
De que forma a Duda se engaja na luta contra o preconceito ao futebol feminino?
É preciso estar muito atento a isso. Mas eu diria que o preconceito é algo ultrapassado, que a gente sofreu quando eu era atleta há 20 ou 30 anos atrás. Hoje as meninas já estão com a equidade de premiações. Para mim, sinceramente, isso (preconceito) abala mais a estrutura do futebol feminino.
Qual o principal legado que a Duda imagina deixar na CBF? E na Seleção Brasileira? E no futebol feminino?
Acho que é construir seleções fortes. Pela primeira vez, todas têm um benefício que são os campeonatos estruturados. Agora, as meninas são profissionais, treinam todos os dias. Temos uma categoria sub-20 com todas jogando como titulares nos clubes da Série A1. Temos as meninas jogando e treinando até três vezes por dia.
Qual seu o maior sonho dentro da seleção?
Medalhas de ouro no Mundial, na Olimpíada, numa categoria de base.
Que tem achado do trabalho da treinadora Pia?
Ela tem uma experiência incrível, é uma das melhores treinadoras do mundo. Sua auxiliar, Lilie Persson, é do mesmo nível dela. Temos de saber usufruir de toda a experiência da Pia, juntando com a minha. E eu já senti que temos o mesmo pensamento, nossos olhos brilham da mesma forma. Tenho certeza que vamos fazer história.
E a Duda já sonhou em treinar a seleção?
Nunca! Treinador cai muito rápido e eu quero ter vida longa na CBF. Gosto da parte de gestão. Esse é o meu papel.
E quando uma mulher treinará um time masculino?
Já aconteceu na Itália. A Carolina Moratti treinou um time da Série C. No Rio Grande do Sul, a Bete, que jogou comigo no Inter, treinou um time do Interior. Então, já aconteceu em algum momento. Capacidade as mulheres estão mostrando que têm.
E quando treinará a seleção masculina? Ou presidirá a CBF?
Acho que as mulheres têm cada vez mais capacidade, não é? Vão dominar o mundo qualquer dia. Elas têm as mesmas capacidades que os homens.