O projeto de lei 2125/2020, de autoria do deputado Arthur Maia (DEM-BA), que pretende ajudar clubes neste momento de dificuldade econômica gerada pela crise financeira decorrente da pandemia de coronavírus, tem aspectos importantes a serem debatidos no meio do futebol. Ainda que trate da isenção de parcelas do Profut por 12 meses, a matéria também mexe, em caráter permanente, em conquistas dos jogadores — especialmente no que tange ao valor de ressarcimento das rescisões contratuais.
O projeto estipula que os clubes ficarão isentos de pagar parcelas do Profut pelos próximos 12 meses e planeja que o valor arrecadado com a Timemania seja repassado aos times e não mais para a Receita Federal, responsável por abater o valor das dívidas das agremiações com a União. Esse dinheiro seria usado para pagar o custeio dos clubes com salários de até R$ 10 mil, segundo a proposta.
Em vigor desde agosto de 2015, o Profut é um programa do Governo Federal que ofereceu aos clubes a chance de parcelar dívidas com a União em até 240 meses (20 anos), com descontos de 70% das multas e 40% dos juros, além de isentá-los de encargos legais. Em contrapartida, as equipes se comprometeram a manter em dia obrigações tributárias federais e trabalhistas; dar transparência e publicar balancetes; comprovar a existência de um conselho fiscal autônomo (formado por membros eleitos e alheio à diretoria executiva).
O chamado socorro aos clubes faz parte de um pedido feito pela Comissão Nacional dos Clubes (CNC), que alega desta forma as equipes das quatro divisões nacionais do futebol brasileiro teriam amenizados os impactos financeiros que sofrerão com a paralisação do esporte na pandemia da covid-19.
Nas últimas reuniões que fez, a CNC elaborou uma lista de reivindicações, que foram apresentadas pelo secretário-geral da CBF, Walter Feldman, ao próprio deputado Maia e ao Ministério da Cidadania. Porém, o artigo 6º do projeto tem incomodado os jogadores.
"O parágrafo (§) 3º do art. 28 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação: “§ 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, cinquenta por cento do valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato, inclusive em relação aos Contratos Especiais de Trabalho Desportivo que já estão em vigor”.
Essa parte do projeto não é bem vista porque mexe em conquistas dos jogadores, especialmente no que tange ao valor de ressarcimento das rescisões contratuais, já que permite aos clubes pagar apenas 50% do valor restante dos contratos. Senador eleito pelo Rio de Janeiro, Romário foi um dos primeiros a se posicionar contra.
"Sem debate, cartolas usam crise da covid para reduzir indenização de atletas em 50%", escreveu o ex-jogador da Seleção Brasileira.
Na sequência, o ex-camisa 11 que brilhou na conquista do tetra na Copa de 1994 escreveu:
"Consideramos no jargão legislativo "um jabuti", ou algo que é estranho ao seu propósito. Falo da proposta de redução, EM CARÁTER PERMANENTE, do valor mínimo da cláusula compensatória desportiva, em caso de rescisão de contrato, para 50% do valor total ao qual o jogador teria direito. Hoje, quando um clube encerra unilateralmente esse contrato antes do tempo, ele tem que pagar integralmente os salários que acordou com o atleta, conforme estabelecido entre as partes. Nada mais justo né?", questiona.
Coordenador jurídico do Sindicato dos Atletas Profissionais do Rio Grande do Sul, Décio Neuhaus se posiciona frontalmente contra a proposta.
— Mais uma tentativa de fraude. O futebol brasileiro não consegue agir corretamente. Sempre tem os que buscam se beneficiar em detrimento dos bons (clubes). Se fosse para congelar pagamentos de Profut, poderia editar uma MP (Medida Provisória). Mas tem clubes tentando se aproveitar da situação para retirar conquistas — diz o advogado, que faz questão de salientar que boa parte dos clubes gaúchos não se enquadra nesse perfil.
Suas palavras coincidem com o que também foi dito por Romário em sua manifestação.
"Alguns presidentes de clubes agora querem aproveitar o momento da crise para encobrir gestões irresponsáveis que vem desde muito tempo, e não por causa dos prejuízos com a pandemia. Isso sem qualquer debate prévio com representantes dos atletas. Uma coisa é tentar negociar alguma redução salarial durante a paralisação. Outra bem diferente é querer, por uma manobra legislativa, criar uma espécie de salvo-conduto para que continuem a endividar irresponsavelmente seus clubes com contratos altíssimos, para depois simplesmente jogar o calote na mão dos atletas. Não podemos aceitar isso. Estou certo de que os Deputados e as Deputadas saberão ver esse absurdo e retirá-lo do projeto do deputado Arthur Maia. Alguns de nossos dirigentes precisam, de uma vez por todas, parar de usar o calote como ferramenta de (má) gestão", conclui o ex-atacante que é presidente da Comissão Permanente do Senado de Assuntos Sociais
Em todo o país, os jogadores prometem mobilização para que este trecho do projeto de lei não seja aprovado. Nesta terça-feira, porém, foi deferido pela Câmara o requerimento de urgência na matéria. Assim, o projeto poderá ser votado diretamente em plenário, sem a necessidade de ser apreciado por alguma comissão. O texto agora depende de despacho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para entrar na pauta de votações.