Chiquinho, ex-Inter, teve de largar duas vezes o futebol. Natural da gaúcha Canguçu, Paulo Francisco da Silva Paz chegou jovem ao Beira-Rio, em 1998, aos 14 anos, mas ainda antes dos 20 viu sua carreira ser interrompida. Isso quando o lateral já era uma promessa quase afirmada da nova geração colorada. Havia sido convocado para a seleção brasileira sub-20 quando veio o primeiro baque.
— Eu tinha subido para o profissional. Me lembro de todo o processo, aquela realização, aquele sonho. Era apenas o início. Joguei alguns jogos em 2002, mas comecei a sentir uma dormência no lado direito do corpo. Resolvi ficar quieto porque eu sabia que, na dúvida, eles me tirariam para fazer exame e ver o que estava acontecendo — recupera Chiquinho, hoje com 36 anos. — Aquele jogo emblemático contra o Paysandu (na última rodada do Brasileirão 2002), em que o Inter poderia cair para a segunda divisão, disputei quase todo com a dormência no corpo, na perna, no braço. Foi mesmo um momento de superação. Quando acabou, fui fazer alguns exames para ir para a seleção, e eles detectaram o problema.
Ele se refere a uma vasculite. Em um primeiro momento, vazou a informação de que o canhoto tinha um problema no coração. Não era. Mas era algo grave e raro. As vasculites são inflamações que ocorrem pelo depósito de anticorpos. Artérias e veias são comprometidas de forma isolada ou concomitante, em qualquer local e tamanho. Como consequência, há estreitamento do calibre vascular e isquemia, ou seja, menos circulação e presença de sangue.
— Até hoje me perguntam como está o coração, mas era no cérebro. Com a investigação, descobriram que era um problema muito raro. Naquele tempo, eram 33 ou 35 casos no mundo todo. Tinha a opção de se fazer a cirurgia, mas era de altíssimo risco. Poderia não jogar mais futebol e sequer correr. Só podia caminhar, fazer alguns exercícios em cima da piscina. Nem academia podia — detalha.
Se as dores eram fortes, a frustração era maior ainda. Aos 19 anos, prestes a vestir a camisa do Brasil, tudo desmoronou. O futebol parecia coisa do passado, assim como a chance de estabilidade financeira.
— Não cheguei a ir para o Rio de Janeiro, não tirei nem foto com a camisa da seleção. É um sonho que eu tenho, receber a camisa da seleção brasileira, apenas por essa convocação. Foi um choque grande. Com as atuações pelo profissional, a convocação para o sub-20, começaram a surgir muitas coisas. Estava prestes a assinar contrato com a Nike, de renovar com o Inter. Não era como hoje, que o jogador tem alto salário antes mesmo de despontar pelo profissional. Passei seis meses como profissional ganhando R$ 800, em 2002. Estava diante da oportunidade de melhorar isso, de projetar comprar uma casa para os meus pais, um carro.
Foi um momento de autoconhecimento e reflexão:
— Voltei para Canguçu. Optei por ficar lá para fazer o tratamento com a família. Lembro que, no primeiro mês, eu não queria ver futebol, não saía de casa. Era como se tivesse acabado a minha vida. Era meu pensamento: todo tempo em que estive lá, tudo de que abri mão na juventude, nada disso valeu a pena. Eu me questionava: "Por que aconteceu isso comigo?".
Mas, seguindo o clichê de que o mundo dá voltas, Chiquinho reencontrou forças. Virou treinador de futebol e ajudou na escolinha onde se formou. Até palestras dava, falando da carreira. Pensou em retomar a vida por meio dos estudos e ficava assutado com a hipótese de aposentadoria por invalidez:
— Isso me pegou muito forte, porque eu ainda tinha um pouco de esperança. O clube repensou, e hoje agradeço aos médicos Renan Marsiaj Oliveira, Armando Abreu e Maurício Friedrich, que assumiram a responsabilidade e disseram que iriam tentar até o final. Fomos para São Paulo, consultamos outros médicos, fizemos exames mensais. Depois de um ano, voltei ao futebol.
O retorno aos gramados foi em alto estilo. Ainda em 2003, Chiquinho foi reapresentado à torcida colorada, no Beira-Rio. Ele diz que nunca se sentiu tão feliz em algo de que não gostava no início da carreira: os treinos físicos.
— Eu pedia a Deus para voltar a jogar bola, nem que fosse numa canchinha, numa quadra. Não precisava ser profissionalmente. Lembro que, quando entrei no Beira-Rio, foi uma grande festa. Acho que era Inter x Figueirense, eu nem ia jogar. Entrei para saudar a torcida, fiz uma volta olímpica. Os torcedores gritavam meu nome. Foi um dia emocionante — recorda.
Fez 41 jogos e seis gols em sua melhor temporada, a de 2004, quando disputou Sul-Americana, Gauchão e Brasileirão. Ganhou o Estadual e fechou em oitavo no Nacional. Mas a jornada não acabou tão bem assim:
A grande lição que tiro é sempre buscar sabedoria em cada decisão que se toma. Se tivesse mais paciência, hoje seria diferente.
CHIQUINHO
ex-jogador do Inter
— Encerrei a temporada com um problema de púbis. Não cuidei da forma que deveria, não dei a importância devida. Eu estava no auge e me empolguei um pouco com algumas coisas extracampo. Acabei me excedendo e isso me trouxe um problema crônico no púbis. Fiquei todo 2005 sem jogar.
Logo, passou a rodar por clubes como Palmeiras, com Tite, Goiás, Joinville, River Plate-ARG, até voltar ao interior gaúcho, onde encerrou a carreira em 2016, com 33 anos. O ex-lateral não tem mágoas do passado e das portas fechadas.
— A grande lição que tiro é sempre buscar sabedoria em cada decisão que se toma. Se tivesse mais paciência, hoje seria diferente. Tudo serviu para valorizar as pequenas coisas que eu já não valorizava mais. Quando me tornei um pouco famoso, comecei a deixar de lado o que é mais importante, que é a família, pai, mãe, as pessoas que te amam. Quando tive a doença, percebi o que realmente importa para mim — enaltece.
Hoje, o objetivo de Paulo Francisco é propagar o esporte. Paralelamente à faculdade de Educação Física, Chiquinho integra uma organização que leva futebol voluntário ao mundo. Ele é vice-presidente e um dos embaixadores da Brazil Football Club, junto de Diogo Rincón, ex-Inter.
— Foi algo importante para eu perceber que poderia levar alegria para as pessoas fora de um estádio de futebol. Poder mostrar que o esporte pode mudar a vida das pessoas por meio de princípios e valores — conta Chiquinho, que segue morando na zona sul de Porto Alegre, com a esposa Juliana, e os filhos João Pedro, 15 anos, Francisco, nove, e Clara, cinco.