O Liverpool campeão mundial de 2019 estava à beira do abismo na década passada. Com dívidas feitas pelos antigos donos, os americanos Tom Hicks e George Gillett, o clube esteve próximo de ser executado pelos bancos. De acordo com o jornalista Brian Reade, no livro "An Epic Swindle" (Um golpe épico), era uma questão de horas.
Tom Hicks é o mesmo empresário envolvido na Hicks Muse, companhia que fez parceria com o Corinthians e o Cruzeiro a partir de 1999. Os contratos eram de 10 anos, mas depois de dois o acordo foi desfeito.
O salvador do Liverpool foi a Fenway Sports Group, que assumiu o controle em outubro de 2010 após pagar US$ 477 milhões (R$ 2 bilhões em valores atuais). Segundo a revista Forbes, o valor de mercado da agremiação hoje é de US$ 2,2 bilhões (R$ 9,46 bilhões).
O Liverpool conquistou a Europa e o mundo em 2019, mas o mais importante para os torcedores ainda está por vir. O time é líder do Campeonato Inglês e, ainda invicto no torneio, é o principal favorito ao título. Se vencê-lo, vai acabar com uma espera de 29 anos pelo troféu.
Este foi o primeiro título do Mundial de Clubes do Liverpool, que, enfim, venceu o torneio na sexta oportunidade que teve. Duas vezes abdicou e foi derrotado nas outras três.
Acabar com escritas é a especialidade de John W. Henry, dono da Fenway Sports Group, empresa que faz parte da holding que controla também o Boston Red Sox, um dos times mais tradicionais do esporte americano. Com Henry no comando, a equipe foi campeã da World Series, como se chama o título da Major League Baseball, após 86 anos de espera.
Ele fez isso aplicando uma fórmula que introduziu no Liverpool: o moneyball, termo popularizado pelo livro de mesmo nome escrito pelo jornalista Michael Lewis, que narra a trajetória de Billy Beane, gerente e hoje um dos acionistas do Oakland A's e sua estratégia para se igualar aos rivais que tinham muito mais dinheiro. Usava exaustivas análises e estatísticas inovadoras. Dados que às vezes iam contra o conceito geral.
— Na década de 1990, o Liverpool era um clube de copas, não de liga porque só conseguiam contratar um ou dois bons jogadores por temporada. E isso colocava um limite onde o time poderia chegar — afirma Kieran Maguire, especialista em finanças do futebol e professor da Universidade de Liverpool.
Nos últimos 10 anos, a receita do Liverpool saltou 145%. Foi de 185 milhões de libras (cerca de R$ 962 milhões) para 455 milhões de libras (R$ 2,36 bilhões). Sob a supervisão de Henry e a partir da contratação do técnico Jürgen Klopp em 2015, o clube começou a contratar baseado usando banco de dados, estudos técnicos e de mercado.
Nesta década, ao mesmo tempo em que conseguiu melhorar a equipe em campo, lucrou 350 milhões de libras (R$ 1,8 bilhões) no balanço entre compra e venda de jogadores. Isso apesar de ter quebrado o recorde de valor pago por um goleiro (Alisson, comprado por R$ 338 milhões) e zagueiro (Virgil van Dijk, R$ 390 milhões).
"O Fenway Sports Group investiu pesado em tecnologia, dados analíticos e fizeram uma escolha certeira no treinador. Isso resultou em sucesso dentro de campo. O gasto líquido deles não é muito alto. Ao mesmo tempo que compraram Alisson e van Dijk, venderam Phillippe Coutinho, Luis Suárez e Raheem Sterling", completa Maguire.
Henry é quem viabiliza a filosofia, mas sem se intrometer até porque já reconheceu, em uma das suas raras entrevistas, entender muito pouco de futebol. E por entregar a execução do plano nas mãos dos especialistas, colhe os frutos.
Na temporada passada, o Liverpool foi o clube que mais recebeu dinheiro do contrato de TV do Reino Unido porque teve mais jogos exibidos ao vivo. Foram 149 milhões de libras (R$ 775 milhões) e as partidas no país não são mostradas em canais abertos. Apenas a cabo.
Mas a equipe não venceu o título inglês. Ficou atrás do Manchester City, apesar de ter perdido apenas uma vez o campeonato todo. Compensou com o título da Champions League, que lhe abriu as portas para, enfim, ganhar o Mundial de Clubes.
"As pessoas dizem que este era o troféu que faltava para a nossa equipe. Saímos de Liverpool e viajamos a Doha para acabar com isso", constatou o volante James Milner.