O dia 22 de outubro está marcado na história da Fórmula 1. Há exatos 30 anos, o brasileiro Ayrton Senna e o francês Alain Prost, companheiros de equipe na McLaren, foram protagonistas em Suzuka, no Japão, de um dos episódios mais recordados pelos fãs do esporte a motor.
Campeão em 1988, Senna chegou a Suzuka em 1989 obrigado a vencer o GP do Japão para evitar o título do francês. Da mesma forma que havia feito no ano anterior, o brasileiro marcou a pole position, mas perdeu a ponta na largada. Então teve início uma perseguição que durou até a volta 46, quando Senna tentou a ultrapassagem na chicane que antecede a grande reta do circuito. Prost fechou a porta e dois se bateram.
Após ter o carro empurrado pelos fiscais, Senna voltou à pista e, mesmo tendo de parar para trocar o bico, passou o italiano Alessandro Nannini, da Benetton, que havia herdado a ponta, e venceu a prova. O brasileiro, porém, acabou desclassificado - e Prost ficou com o título. Estava escrita ali uma das maiores polêmicas da categoria.
Jornalista especializado em automobilismo e que trabalhou na cobertura do Mundial de F1 de 1989, Flavio Gomes afirma que a batida em Suzuka foi o ápice de rivalidade que havia se acirrado a partir do GP de San Marino, cinco meses antes da corrida no Japão.
— O Prost acusou o Senna de ter descumprido em San Marino um acordo que havia entre eles, de não ter ataque na primeira volta, o que de fato aconteceu. O clima a partir dali foi de guerra total dentro da equipe. A situação se tornou insustentável para os dois até que, no GP da Itália (em setembro), foi anunciado o acordo do Prost com a Ferrari para 1990 — destaca o jornalista.
Acertado com a Ferrari, Prost passou a acusar a McLaren e a Honda, fornecedora de motores, de favorecerem Senna, que seguiria na equipe para o ano seguinte. O jornalista Lito Cavalcanti, que cobre automobilismo desde 1968, tem certeza de que o francês premeditou a batida em Suzuka.
— Acho que já estava na cabeça dele. Isso qualquer piloto já sabe que vai acontecer. O que se faz normalmente é bloquear a trajetória, fechando a porta na freada, mas o Prost ficou à esquerda como se fosse uma prova de classificação. Ele não fez a defesa da posição, deixou aberto quase como uma armadilha. Concebeu, armou e executou (a batida) — acredita Lito.
Prost nunca admitiu culpa no episódio. O francês voltou a falar sobre o tema em entrevista à revista britânica “F1 Racing” em 2017 e manteve a versão de que o acidente foi algo normal de corrida.
— Quando entrei na chicane, o Senna surgiu muito rápido. Se eu tivesse aberto a porta, não teria feito a chicane. Isso não foi uma possibilidade minha porque eu queria ser campeão mundial. Então, não há culpa. Ele tentou, e eu não coloquei o carro o suficiente na frente dele. Na verdade, fiquei surpreso com a velocidade com que ele apareceu, então houve o toque entre nós — defendeu o francês.
Prost escapou de qualquer punição pela batida. Senna, por sua vez, foi desclassificado por ter retornado à pista pela área de escape, não completando a chicane, o que feria o artigo 56 do regulamento. O brasileiro não aceitou a punição e chegou a dizer, após a corrida, que havia sido roubado.
As declarações não foram bem recebidas pelo presidente da Fisa (braço esportivo da FIA, que comandava a F-1 na época), o francês Jean-Marie Balestre. O brasileiro teve a superlicença de piloto ameaçada e só pôde correr em 1990 após fazer um pedido de desculpas a Balestre. Senna chegou a cogitar abandonar a F-1 devido ao episódio.
— Balestre era uma pessoa extramente autoritária. Senna chegou a se desculpar com ele. Se não tivesse se desculpado, Balestre não teria permitido a inscrição dele no campeonato seguinte — recorda Lito Cavalcanti.
Vingança no ano seguinte
Em 1990, Senna e Prost - já na Ferrari - chegaram ao Japão novamente brigando pelo título. A situação, no entanto, era reversa: o brasileiro tinha vantagem no campeonato. Logo na largada, Prost pulou na frente, e Senna foi decidido para tentar uma improvável ultrapassagem na curva no final da reta dos boxes. Os dois carros bateram, saíram da corrida e Senna ficou com o título.
— A resposta do Senna a 1989 veio no ano seguinte, quando ele bateu no Prost. Claro que ele poderia ter evitado aquela batida — destaca Cavalcanti.
Senna e Prost duelaram nas pistas até o final de 1993, quando o francês se aposentou após conquistar o tetracampeonato, pela Williams. Flavio Gomes não tem dúvida de que aquela corrida no Japão em 1989 simbolizou o tamanho da rivalidade entre os dois, a maior da história da categoria.
— Ali se entendeu o tamanho da inimizade dos dois. Nunca mais houve uma rivalidade tão grande. Ela seguiu pelos anos seguintes. Em 1990 e 1991 na pista, depois em 1992 fora da pista com os dois brigando por vaga na Williams. Foi uma rivalidade que durou de 1988 até a prova de despedida de 1993, que foi a última do Prost — finaliza o jornalista.
O GP da Austrália de 1993, último de Alain Prost, marcou a reaproximação dos dois desafetos. Vencedor da corrida, Senna, que se despedia da McLaren, chamou o francês para o lugar mais alto do pódio. Abraçados, eles trocaram sorrisos, no que foi a última imagem dois juntos como pilotos da categoria.
Nos dois anos em que dividiram a garagem da McLaren, Senna e Prost formaram a dupla mais dominante da história da F-1. Em 1988, eles ganharam 15 das 16 provas. Em 1989, venceram 10 de 16 etapas. Prost encerrou a carreira em 1993 com quatro títulos mundiais, 51 vitórias e 33 poles. Ayrton Senna, que perdeu a vida no acidente em Ímola em 1994, foi tricampeão, venceu 41 corridas e obteve 65 poles.