Davie, Flórida – O cônsul geral da Jamaica no sul da Flórida realizou uma festa em sua casa para comemorar o Reggae Girlz, a primeira seleção nacional de futebol feminino do Caribe a se qualificar para a Copa do Mundo.
As mesas foram postas em volta da piscina, e as jogadoras e seus treinadores estavam lá, mas os convidados precisavam trazer algo extra: uma doação de pelo menos US$ 100 para ajudar a Jamaica a completar seus preparativos para competir na Copa do Mundo da França este mês. O torneio começa em breve, e por isso havia pouco tempo, além de pouco dinheiro.
Se a história do futebol feminino nos últimos anos é a luta constante pela igualdade de remuneração, sempre houve uma desigualdade diferente e latente. Enquanto o futebol internacional feminino tem progredido significativamente em alguns países, o apoio, especialmente o financeiro, de federações e patrocinadores corporativos continua a variar muito.
A França, o país sede da Copa deste ano, tem uma liga profissional próspera, e suas jogadoras passaram as últimas semanas se preparando para o campeonato no centro de treinamento nacional de sua federação. A seleção dos Estados Unidos, atual campeã e vencedora de três torneios, acabou de completar um tour por todo o país, repleto de jogos transmitidos nacionalmente pela ESPN e com outdoors gigantes em grandes edifícios de várias cidades.
A classificação da Jamaica para a Copa do Mundo, em contrapartida, foi muito menos visível, e a existência de seu programa não é financeiramente garantida. Historicamente, o Reggae Girlz recebe apoio tênue. Em 2015, a federação nacional cortou totalmente o financiamento do time.
Além do trajeto regular para chegar ao torneio da França, as meninas da Jamaica vieram para o sul da Flórida tentando arrecadar dinheiro de contribuintes – cerca de US$ 400 mil segundo uma estimativa – para conseguir campos de treinamento, viagens e jogos amistosos, e para começar a estabelecer uma reserva que a equipe possa usar para bancar custos de competições atuais e futuras. Houve um evento para levantar fundos e um leilão de roupas esportivas na casa do cônsul geral; outro em um centro de quiropraxia; e uma partida de exibição precedida por um jogo de celebridades da Jamaica e do Haiti.
Mas os sinais das dificuldades do time eram um tanto óbvios. Em uma festa, a equipe de treinadores usava camisas da seleção masculina, com o apelido da equipe escrito na manga – "Reggae Boyz" – ocultado a caneta. Algumas jogadoras jamaicanas precisaram comprar suas próprias chuteiras. E, quando a equipe feminina se qualificou para a Copa do Mundo em outubro passado em Dallas, vários integrantes da equipe técnica foram a uma loja da Costco e compraram jaquetas com seu próprio dinheiro para que as atletas pudessem treinar no clima frio e chuvoso.
Nenhuma autoridade do alto escalão da federação jamaicana estava presente para comemorar a qualificação em uma disputa de pênaltis contra o Panamá, disseram os treinadores da equipe.
Sempre estivemos em segundo plano, e ainda estamos lutando pela igualdade. Queremos um lugar ao sol. É bem frustrante.
NICOLE MCCLURE
goleira da federação jamaicana de futebol
"Sua atitude é bem desapontadora", disse a goleira Nicole McClure, de 29 anos, da federação jamaicana de futebol. "Sempre estivemos em segundo plano, e ainda estamos lutando pela igualdade. Queremos um lugar ao sol. É bem frustrante."
Em março, McClure, que cresceu no Queens, realizou seu próprio evento para levantar fundos. Ela joga sem pagamento em uma equipe na Irlanda do Norte, e precisava de dinheiro para comida, produtos de higiene pessoal, passagem de ônibus, bagagem despachada para um voo e alguns equipamentos de futebol. Suas necessidades não eram desconhecidas do resto de sua equipe.
No entanto, ela e suas companheiras – e os treinadores da Jamaica – reconheceram que as coisas estão melhorando, pelo menos por enquanto. As jogadoras da seleção jamaicana assinaram um contrato com a federação, que vai lhes pagar de US$ 800 a US$ 1.200 por mês, retroativo a janeiro, disse o técnico Hue Menzies, acrescentando que trabalha de graça desde 2015, e que vai receber US$ 40 mil. De acordo com funcionários da equipe, é a primeira vez que uma equipe feminina caribenha assinou contratos com sua federação nacional.
"Não fomos pagos, mas assinamos um contrato", disse Menzies com uma risada.
Michael Ricketts, presidente da federação de futebol da Jamaica, disse que as críticas à organização eram "muito injustas". A federação gastou cerca de US$ 4 milhões na equipe feminina desde o começo da qualificação para a Copa do Mundo, afirmou. Os custos para realizar o treinamento de uma semana podem chegar a US$ 100 mil, disse ele, e é difícil conseguir espectadores e patrocinadores corporativos. Mesmo assim, disse ele, uma liga feminina na Jamaica foi reiniciada de forma limitada, bem como um programa para jovens jogadoras com menos de 15 anos.
Nessas circunstâncias, disse Ricketts, "nós nos saímos muito bem".
A equipe técnica do Reggae Girlz não concorda com a quantia de US$ 4 milhões. "De jeito nenhum. Não acredito nisso", disse o treinador assistente Lorne Donaldson.
Em vez disso, treinadores e jogadoras dão créditos a outra benfeitora, Cedella Marley, por ressuscitar a equipe feminina com a ajuda da Fundação Bob Marley, que leva o nome de seu pai. Marley, irritada com o estado deplorável do programa, foi a única a liderar uma angariação de fundos internacional para a equipe vários anos atrás, e foi ela quem convenceu Menzies, que dirige um famoso clube de futebol juvenil perto de Orlando, na Flórida, a se tornar o treinador.
Sem Marley, disse McClure, "não haveria Reggae Girlz".
A Fundação Alacran, uma organização filantrópica, também se tornou uma benfeitora da equipe. E a Fundação Reggae Girlz, uma organização sem fins lucrativos, está arrecadando dinheiro para coisas como equipamentos médicos para ajudar a Jamaica a se preparar para competir na Copa do Mundo, mas também para apoiar a equipe nas próximas campanhas de qualificação olímpica, além da seleção nacional sub-20.
O dinheiro, porém, continuava apertado quando a equipe partiu para a Europa. Mesmo após um pagamento inicial de US$ 480 mil da Fifa, o órgão mundial do futebol, pela qualificação para a Copa, e outro pagamento de pelo menos US$ 750 mil que virá a seguir, a Jamaica acumulou um déficit de US$ 400 mil para cobrir os custos de campos de treinamento, viagens e jogos de treino, de acordo com Lisa Quarrie, vice-presidente da Fundação Reggae Girlz.
Em longo prazo, a fundação tentará bancar o futebol feminino na Jamaica criando uma academia, construindo um extenso sistema de desenvolvimento juvenil e persuadindo as equipes masculinas da principal liga nacional a também patrocinar as equipes femininas.
Mas, primeiro, o essencial. A Copa do Mundo começa em breve, e nenhuma doação é considerada pequena, seja um ingresso de US$ 10 para o jogo de celebridades ou uma contribuição de US$ 25 no site da Fundação Reggae Girlz.
"Elas precisam de dinheiro o tempo todo", disse Quarrie. "Estamos indo para a Copa do mundo meio que de supetão."
Por Jeré Longman