Leocir Dall'Astra, 54 anos, assumiu no final de fevereiro o Operário, de Várzea Grande. Sua estada no Mato Grosso dependia da campanha do time no Estadual. Faltavam duas rodadas para acabar a fase classificatória. Para completar, o Operário faz, em meio ao campeonato, uma reformulação no grupo. No domingo, o time comandado por ele conseguiu a vaga para o mata-mata após vencer por 5 a 0 no Araguaia. Mais um obstáculo vencido. O próximo será dureza: o União Rondonópolis. Mas Leocir não reclama. Garante que nunca mais vai lamentar nada depois de sobreviver ao atropelamento de que foi vítima na Capital em agosto passado.
O técnico se lembra de tudo daquela segunda-feira. Até o momento em que foi colhido por uma van enquanto estava parado em cima da bicicleta na rotatória da Avenida Bento Gonçalves com a João de Oliveira Remião, que leva à Lomba do Pinheiro. Leocir aguardava por propostas naqueles dias. Aproveitava o tempo livre para ver jogos na TV e pedalar. Saía de casa, na Avenida Cristiano Ficher e percorria 40, 50 quilômetros. Foi assim naquele dia. Quando chegou à rotatória, parou para decidir o rumo. Instantes depois, veio o apagão e, quando acordou, a vida havia tomado novo caminho.
Leocir acordou cinco horas depois na UTI do Hospital Mãe de Deus com 12 costelas e a escápula (omoplata) fraturadas e três vértebras trincadas. No acidente, perfurou os dois pulmões. O socorro rápido o salvou. Mas ele esteve por um fio. Uma vizinha, enfermeira, telefonou para um colega do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) em busca de informações sobre Leocir. Ouviu uma previsão pessimista:
– Estava aqui, sim, acabou de ser transferido para o Mãe de Deus. Mas não sei se chegará vivo lá.
Foram 11 dias na UTI e mais um no quarto. Como a recuperação estava avançando, foi mandado para casa. Nos três primeiros dias, seu quadro era preocupante. Havia risco de morte. Na primeira semana na UTI, recebia morfina três vezes ao dia em um cateter na espinha. No oitavo dia, os médicos reduziram a duas doses, pela manhã e à noite. Mas, conta o técnico, o relógio batia às 15h, e as dores voltavam, lancinantes. Para completar, havia dois drenos, um de cada lado. O que o obrigava a ficar numa mesma posição na cama, sem se mover. Vencida a parte mais delicada da recuperação, Leocir fez uso do seu estado atlético de ex-ponteiro-esquerdo e de técnico cuidadoso com a forma física, como mostram os longos trajetos de bicicleta. Os médicos previam oito meses, pelo menos, de recuperação. Em dezembro, quatro meses depois do acidente, já retomava a rotina.
Mas ainda não estava liberado para trabalhar. Em termos. Nestes últimos meses, assistiu a jogos de todos os níveis. Desde partidas do sub-20 aos grandes confrontos da Europa na TV, passando por partidas na Arena, no Beira-Rio e no Gauchão nas redondezas da Capital.
– Eu sou muito caxias, por isso, surpreendi os médicos – conta.
Leocir aproveitou também para ler e estudar futebol nesta licença forçada. Estava pronto para iniciar o curso da CBF, onde obteria a licença A, a máxima da entidade. Foi quando surgiu a proposta do Operário. Percebeu uma boa oportunidade, já que o empresário que assumiu o clube é um dos três irmãos que comandam o Boa. Um bom trabalho pode abrir-lhe as portas na Série B. Havia as dificuldades da distância, da mudança de fotografia do grupo e também o fato de o Mato Grosso estar longe de ser um mercado atrativo. Nada disso abalou Leocir.
– Temos de valorizar as pequenas coisas, uma amizade, um carinho, um abraço. Você tem de valorizar cada dia em que acorda. Passagens tipo essa te fazem refletir sobre vida. Às vezes, estou caminhando e penso: "Puxa, estou vivo."
Nem mesmo as dificuldades do futebol abalam o novo Leocir, um sujeito que saiu transformado depois de superar o maior obstáculo da sua vida:
– Não era o objetivo trabalhar agora. Mas penso: "Estou trabalhando? Pô, que bom, que legal. Tenho de viajar 12 horas de ônibus para jogar? Que bom". Tudo que faço, agradeço por poder fazer, por estar aqui para fazer.