– Pronto? Pronto! Brasil! Pronto! Vai!
Provavelmente a transmissão não irá mostrar, mas esse é o ritual que o time brasileiro de Bobsled faz antes de suas descidas. Quando entrar no gelo olímpico de PyeongChang para a competição, a equipe formada por Edson Bindillati, Odirlei Pessoni, Erick Vianna, Rafael Souza e Edson Martins concluirá um ciclo começado há muito tempo atrás.
O time “titular” ainda não foi totalmente escolhido. São quatro atletas no trenó. E para 2018, o Brasil também conseguiu a inédita classificação para a categoria “dois homens”. Edson Bindillati é o piloto e está garantido. Será ele o responsável por carregar a bandeira brasileira na Cerimônia de Abertura marcada para a próxima sexta-feira. Um prêmio para o atleta que vai disputar sua quarta olimpíada – Salt Lake City-2002, Turim-2006 e Sochi-2014.
Mas a realidade para PyeongChang mudou muito em relação às outras Olimpíadas disputadas por Bindillati. O time brasileiro de bobsled se preparou como nunca. Dentro e fora do gelo. A Confederação Brasileira de Desportos no Gelo fechou parceria com o Núcleo de Alto Rendimento (NAR) em São Paulo para que os atletas pudessem se preparar melhor durante o período sem competições – as pistas de bobsled ficam abertas geralmente entre outubro e janeiro. E além da preparação física, o quinteto pôde também fazer um trabalho especial de nutrição e hidratação, por conta da parceria técnica entre o NAR e Gatorade, que ajudaram na melhora do desempenho do time.
- Com um ciclo bem planejado, pudemos nos preparar melhor e atingir nossa melhor performance. Cuidamos de tudo. Desde o push, aqui em São Paulo, até a melhora na nossa alimentação e hidratação. Pode parecer estranho, mas perdemos muito líquido no frio e esse trabalho feito junto com Gatorade nos ajudou muito – afirmou Bindillati.
O Brasil deixou para trás o clichê do “Jamaica Abaixo de Zero”, famoso filme que conta a história do time jamaicano de bobsled que disputou a Olimpíada de Calgary, Canadá, em 1988. A equipe de um país tropical, competindo em um esporte com temperaturas bem abaixo de zero.
- Assisti ao filme no avião indo para uma das minhas primeiras competições. É uma história marcante, mas é bem diferente do que vivemos hoje. Ainda viemos de um país quente, mas estamos preparados. Melhoramos muito nos últimos anos – afirmou Edson Martins, remanescente do time que esteve nos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi.
A melhora é visível. Antes de Sochi-2014, o time brasileiro era o 36º colocado do ranking internacional do bobsled. Nos últimos anos, chegou a ser o 17º e chega a PyeongChang como o 21º. Além disso, o Brasil foi campeão das edições de 2015 e 2017 da Copa América. Este torneio anual tem oito etapas e é disputada nos Estados Unidos e Canadá. Em 2016, a equipe ficou com o vice-campeonato da competição.
Em Lake Placid, nos EUA, principal pista usada pelos brasileiros, a melhora nos últimos cinco anos foi de 6 segundos. Uma eternidade em um esporte como bobsled.
No ciclo olímpico, os brasileiros conseguiram o índice e se classificaram para o Mundial de Bobslead na Áustria. Ou seja, os brasileiros agora são presença constante e conhecida nas competições.
- Deixamos de ser os azarões. Agora somos respeitados. Os outros times sabem que não viemos para brincar, que estamos com o mesmo nível de preparação deles. A estrutura por trás é muito importante e hoje temos boas condições para trabalhar – afirmou Odirlei Pessoni.
Foi Pessoni um dos protagonistas desta melhora. Ele ajudou a construir no NAR a pista de push, uma espécie de simulador de trenó. Com isso os brasileiros puderam treinar esta que é uma das principais técnicas do esporte. O movimento precisa ser sincronizado para os quatro atletas entrarem no trenó. Pouca ou muita força atrapalha a arrancada e o resultado pode ser totalmente mudado.
- Já ganhamos e perdemos competições por centésimos. Por isso é tão importante um trabalho bem feito fora das competições - afirmou Bindillati.
Além do trabalho técnico, o trabalho físico em São Paulo e nos Estados Unidos e Canadá, principais locais de competições para os brasileiros, foram decisivos. Com testes físicos quase diários, inclusive com o “Teste de Suor” feito por Gatorade sendo feito periodicamente para mapear as reais necessidades específicas de cada atleta, conseguiu-se fazer um trabalho específico de nutrição e hidratação para cada um dos integrantes da equipe brasileira, tudo de olho no melhor resultado.
- As avaliações específicas conseguem identificar as reais necessidades dos atletas e conseguimos ajudá-los da melhor forma possível, inclusive a ganhar peso. A preparação e recuperação adequadas são decisivas para uma melhor performance esportiva - afirmou José Eduardo Moraes, preparador físico da equipe brasileira.
A preocupação com o peso também foi finalmente sanada neste ciclo. Isso porque o peso máximo do conjunto do bobsled para quatro é de 630kg. Em Sochi, o conjunto brasileiro pesava 605kg. E o ideal é ficar o mais perto possível dos 630kg, já que usa-se menos lastro e o trenó fica mais manobrável.
- Esse ganho de massa foi importante para a gente. Ficamos mais perto das melhores equipes do mundo também neste quesito. Foi um ganho de algo perto de 4kg de massa magra em cada atleta. Um trabalho muito importante que realizamos em São Paulo – afirmou Bindilatti.
A competição do bobsled para a equipe de quatro homens começa no sábado, 24 de fevereiro, antepenúltimo dia da Olimpíada de Inverno. Mas a ação nas pistas começa muito antes. A partir do dia 15 começam os treinos para a categoria “two-man”.
Todos os times classificados fazem três descidas oficiais. Os 20 primeiros entram por uma quarta vez na pista. Em Sochi-2014, o time foi o 29ª, ou penúltimo colocado. Depois, por conta de uma desclassificação por doping, subiu para 28º.
Para PyeongChang o primeiro objetivo está traçado: chegar entre os 20 primeiros que estão na final. Depois, ficar entre os 15 melhores do mundo.
- É difícil fazer uma previsão, preferimos não escolher um resultado ideal. Mas por conta do nosso desempenho e as equipes que estão classificadas, estamos entre os dez, 15 do mundo. E nosso objetivo é mostrar que somos mesmo – afirmou Bindilatti.
Erick Vianna e Rafael Souza disputam a Olimpíada de Inverno pela primeira vez em suas carreiras. Assim como a maioria dos outros atletas da modalidade, inclusive de outros lugares do mundo, começaram no atletismo e “migraram” para o bobsled. Essa prática é comum porque o esporte é disputado em um período relativamente curto de cada ano. E também tem seus riscos.
- A primeira vez que vi um trenó capotado deu um pouco de medo. É muito rápido e você vai com a cabeça no gelo até o fim da pista, já que não tem como parar. Você fica lá, virado de ponta cabeça até o fim e em grande velocidade. Nessa hora dá um pouco de medo e a gente fica bravo com o piloto (risos) – afirmou Rafael Souza.
Assim como o ritual do time antes de descer na perigosa pista olímpica, a torcida já está “pronta”. O trabalho está feito. Agora só falta o “Brasil! Vai!”.