Maria Portela está ainda mais sorridente, mais confiante, mais serena. A gaúcha de 1m58cm, acima de tudo, está mais leve. Não no peso, que a judoca continua competindo na categoria até 70kg feminino, e sim no espírito.
Aos 29 anos, a Raçudinha dos Pampas, como é conhecida a atleta da Sogipa, vive o melhor momento da carreira. Acaba de desembarcar de uma cansativa viagem de 32 horas desde São Petersburgo, na Rússia, com uma coruscante medalha de ouro no World Masters, competição que reúne os 16 melhores do ranking em cada categoria e que só perde em importância para Olimpíadas e Campeonatos Mundiais.
Depois das decepções de eliminações prematuras nos Jogos de Londres 2012 – quando foi derrotada na luta de estreia – e no Rio 2016 – quando foi punida por golpe irregular nas oitavas –, a peso médio comemora o encerramento de um ano vitorioso.
Foram três ouros (além do Masters, foi campeã do Grand Prix de Tbilisi, na Geórgia, e do Aberto Pan-Americano do Peru), uma prata por equipe no Mundial de Budapeste e um bronze no Grand Slam de Abu Dhabi.
Com a mira em inéditas medalhas em Jogos Olímpicos e Mundiais, Maria já não sofre por ficar à sombra de uma supercampeã como Mayra Aguiar. A cobrança por não conseguir resultados do nível dos de colegas de clube e de seleção ficaram para trás.
– Não posso ser uma Mayra, mas posso ser uma Maria Portela. Preciso encontrar o que tenho de bom e, assim, buscar os meus resultados – afirma.
Em entrevista a ZH na sede da Sogipa, a judoca faz um balanço de 2017 e projeta o encerramento da carreira nos Jogos de Tóquio 2020:
O ouro no Masters foi o ponto mais alto da tua carreira?
Com certeza. É uma competição muito forte, reúne as 16 melhores atletas do mundo. E final de temporada, a gente está fadigado das competições do ano, dos treinamentos... Realmente, me premiou por toda a dedicação, pelo excelente ano que eu tive, fechar com medalha de ouro nesta competição foi muito importante. É claro que faltaram algumas atletas, como a japonesa (Chizuru Arai, atual campeã mundial e número 1 do mundo). Mas uma competição que tem as 16 melhores judocas por categoria não precisa dizer mais nada.
E 2017 também foi muito especial para ti?
Esse ano foi muito importante. Não conquistei medalha no Mundial, mas cheguei bem próximo disso, perdi na repescagem. Fui campeã do Grand Prix de Tbilisi (na Geórgia). Foi um ano em que evoluí. Por isso não me surpreendeu ter alcançado o lugar mais alto do pódio (no Masters). Em cada competição, fui melhorando, ajustando, e consegui chegar a um ideal.
A tua categoria é uma das mais concorridas entre as chaves femininas...
Se você acompanhar, cada competição da minha categoria o pódio muda. Sempre tem uma nova campeã, é muito difícil uma atleta ficar muito tempo no topo. Tem a Yuri (Alvear), que foi tricampeã mundial, tem as francesas (Marie Eve Gahie e Fanny Estelle Posvite), a japonesa que se destaca. Mas em cada competição tem um pódio diferente, é uma categoria muito disputada. Então, manter essa regularidade é importante para mim. Demonstra que esse é caminho, que tenho condições de alcançar os meus objetivos.
E quais são os teus grandes objetivos?
Quero muito uma medalha em Campeonato Mundial e a minha medalha olímpica. Vou trabalhar bastante para isso. Depois de todos esses anos, estou evoluindo, estou mais segura, mais tranquila. Estou me cobrando menos, acredito que vai dar certo.
Conseguir esses resultados, chegar a número 2 do mundo, que é o melhor ranking da tua carreira, o que isso representa em termos de confiança e motivação para ti nesse novo ciclo olímpico?
Vou começar o ano renovada, né? Sou a número 2 do mundo, vou entrar em 2018 com o pé direito. Isso me dá uma motivação ainda maior. Vou ser cabeça de chave no Campeonato Mundial do ano que vem (em Baku, no Azerbaijão, em setembro). Tendo um ranking bom, os judocas pegam chaves um pouquinho mais fracas. Não facilita, porque tem de lutar igual...
Tu já sofreste derrotas duras, especialmente em Olimpíadas. Chegaste a pensar em parar de lutar após as frustrações de Londres 2012 e do Rio 2016?
Sim... Depois de uma Olimpíada, em que tu dedicas quatro anos naquele sonho (de subir no pódio) e não dá certo, e tive duas vezes esse sentimento, é duro voltar sem medalha. Olimpíada é uma competição ímpar, não dá para comparar com nenhuma outra. Em Londres, fiquei mais decepcionada, foi mais difícil voltar a lutar. No Rio, fiquei perto (de brigar por medalha). Dá um desânimo. É difícil voltar. Mas eu vou encerrar minha carreira em Tóquio (Jogos de 2020). Por mais que eu tive momentos ruins, não vou desistir.
Como tu compensas, nos tatames, a tua baixa estatura?
Eu sou a mais baixa da minha categoria, isso eu já aceitei, não tenho como crescer mais. O caminho que tenho encontrado é ser mais rápida do que as outras judocas. O início da luta é muito importante para mim, na troca de pegadas. Não posso trocar muita força com elas, porque entra a vantagem da altura delas. Mas se eu usar minha força com velocidade, elas se perdem. O trabalho de ashi, que é o toque nas pernas, também é muito importante, porque toda hora eu tiro a estabilidade delas e elas não sabem de onde (o golpe) está vindo. Fisicamente, tenho de estar sempre bem para aguentar esse ritmo intenso da luta o tempo todo.
Tu acreditas que encontraste o equilíbrio entre preparação física, técnica e mental?
Eu me cobrava muito resultado, e hoje estou competindo mais leve. Eu não estou mais com aquela cobrança: "Eu tenho de trazer (medalha), eu tenho de trazer". Porque eu quero muito isso e treino muito para isso. Só que sei que o resultado não depende só de mim. Então eu me cobrava muito e acabava deixando de fazer (nas grandes competições) muitas coisas que treinava. Muitas vezes me chamavam a atenção para isso, mas eu não encontrava esse caminho. Hoje, por estar mais segura, por chegar mais perto da medalha em cada competição, por estar no pódio, tenho mais tranquilidade para praticar o judô que eu treino e estar preparada para enfrentar qualquer adversária.
O fato de treinar ao lado de judocas como Mayra Aguiar e Felipe Kitadai, que conseguiram medalhas olímpicas, te colocava mais pressão?
Com certeza. Tive momentos em que me pressionei muito. A volta de Londres, em que a Mayra e o Kita (conquistaram o bronze), dos três atletas da Sogipa dois trouxeram medalhas. Depois no Rio, novamente, e ainda competindo em casa, queria muito o resultado. Era uma oportunidade única de lutar em uma Olimpíada em casa. A gente se cobrou muito pelo resultado. E eu, na segunda Olimpíada, estava mais preparada... E tem mais: o grupo que temos aqui na Sogipa, vou te contar... É resultado em cima de resultado, é medalha importante em cima de medalha importante. Então, não posso me equiparar à Mayra, não posso me equiparar à Érika (Miranda), ao Kitadai, a outros judocas porque cada atleta tem o seu brilho. E isso é que eu demorei a perceber. Eu não posso ser uma Mayra, mas posso ser uma Maria Portela. Preciso encontrar o que tenho de bom e assim buscar os meus resultados. E na seleção era a mesma coisa, de todas as categorias, só a 63kg e 70kg ainda não têm medalhas. Então, eu me pressionava muito por causa disso também.