Acertada ou não, a decisão da CBF de antecipar a utilização do árbitro assistente de vídeo (AV) no Brasileirão deve causar forte impacto sobre os jogos em meio à competição. A entidade treina 64 árbitros às pressas para implementar o sistema. Havia uma previsão de que os AV seriam utilizados pela primeira vez na 28ª rodada, no meio de outubro, mas questões técnicas podem atrasar a iniciativa. Ainda assim, é provável que o sistema entre em vigor neste ano. Mas como funcionará a comunicação entre os assistentes e o árbitro? Em que tipo de lance poderão interferir?
Veja a resposta para essas e outras perguntas abaixo.
Quais lances podem ser revisados?
Ao contrário do que acontece no vôlei, tênis ou futebol americano, não há "desafio". Os árbitros, portanto, não podem revisar um lance a partir do pedido dos técnicos ou capitães. A utilização das imagens parte da própria arbitragem.
Não há limite de quantas vezes os AV podem ser acionados (dois assistentes ficarão em uma cabine, com acesso às imagens). A máxima da Fifa, porém, é "mínima interferência, máximo benefício". Os lances em que haverá reversão da decisão do árbitro serão os em que o erro ficar claro. Por isso, a ideia é interferir apenas em lances mais importantes. Os gols serão todos revisados, além dos possíveis pênaltis. O AV deverá entrar em ação quando o árbitro principal errar na identificação de um jogador (para dar um cartão, por exemplo) e, também, em lances que podem resultar na expulsão direta de um atleta.
— É algo para corrigir equívocos gigantescos — lembra Leonardo Gaciba, ex-árbitro Fifa e comentarista da TV Globo.
— Tenho dito que a ideia é eliminar os erros de elefante, não os de formiga — complementa Sálvio Spínola, ex-árbitro Fifa e comentarista dos canais ESPN.
Onde ficarão os árbitros assistentes de vídeo?
Dois AV ficarão em uma cabine, com acesso às imagens. Um deles será o assistente principal. Ele terá autonomia para pedir que se recuperem as imagens de um lance específico. O árbitro principal também pode solicitar o replay — haverá um monitor à beira do campo para que faça a consulta.
— É uma via de duas mãos entre o árbitro e o AV. O AV pode ter certeza sobre um lance e avisar o árbitro, assim como o árbitro, se estiver em dúvida, pode solicitar as imagens — destaca Spínola.
Gaciba ressalta, porém, que o árbitro de vídeo é um assistente. A decisão final continua a ser do árbitro principal, especialmente em lances interpretativos.
As polêmicas vão acabar?
Por melhores que sejam as imagens, não conseguem captar a intensidade de um toque. Uma mão nas costas, que não é falta, pode virar empurrão.
Leonardo Gaciba
Ex-árbitro Fifa e comentarista da TV Globo
Desde o início do debate sobre a utilização das imagens, um dos argumentos contra o sistema é de que ele eliminaria as polêmicas que alimentam discussões acaloradas após as rodadas. Terminaria, assim, uma das formas de engajamento dos torcedores com o jogo. Os AV, porém, dificilmente reduzirão a zero os erros de arbitragem. A razão é simples: muitos dos lances são interpretativos e abertos à subjetividade.
Outro impacto da novidade deve ser a mudança da atitude da arbitragem em relação a lances duvidosos, como, por exemplo, em um impedimento. A tendência é deixar a ação se desenrolar em vez de levantar a bandeira. Se o auxiliar marcar a infração incorretamente, não será possível ao AV corrigir a decisão, já que o lance terá sido paralisado.
Como têm sido as experiências com a arbitragem de vídeo?
Após a Fifa colocar a novidade em prática em competições de categorias de base, no Mundial de Clubes do ano passado e na Copa das Confederações, a arbitragem de vídeo chegou a ligas nacionais importantes como Portugal, Itália e Alemanha.
— Avalio a experiência de Portugal como a mais bem-sucedida. Lá, houve exaustivos testes e orientação a técnicos e jogadores. Mais de 200 horas de treinamento dos árbitros. O resultado tem sido positivo — destaca Spínola.
Com o sistema engatinhando, ainda ocorrem "lambanças" relacionadas aos AV. No Mundial de Clubes, por exemplo, o Atlético Nacional-COL foi prejudicado por uma decisão equivocada do AV. O assistente avisou ao árbitro que um jogador do Kashima Antlers-JAP sofrera pênalti. O juiz assinalou a penalidade, sem saber que, na origem da jogada, um atleta da equipe japonesa estava impedido. A arbitragem de vídeo não atentou para a posição irregular do atacante.
Na Alemanha, a Federação reconheceu problemas técnicos na comunicação entre os AV e o árbitro na rodada de estreia da liga nacional. Houve, também, um caso emblemático: em Borussia Dortmund x Colônia, o juiz assinalou falta no goleiro do Colônia em lance de bola aérea e, após o apito, um jogador do Dortmund completou para as redes. Avisado pelo AV de que não houve infração, o árbitro validou o gol, mesmo que a finalização tenha ocorrido após a paralisação do lance. O Colônia chegou a ameaçar pedir a anulação da partida, mas voltou atrás.
— Pelo peso que estes assistentes têm, é preciso escalar pessoas experientes para a função — defende Márcio Chagas, ex-árbitro e comentarista da RBS TV.
A opinião dos comentaristas: a CBF acertou ao acelerar a implantação da arbitragem de vídeo?
Diori Vasconcelos
"Sou totalmente favorável ao uso da tecnologia na arbitragem. Já passou da hora de termos uma evolução neste sentido. Ainda assim, confesso que fiquei assustado com a notícia de que a CBF decidiu colocar em prática o recurso imediatamente. É lógico que erros do apito, como o gol de mão marcado por Jô, do Corinthians, evidenciam a incapacidade do olho humano para acompanhar a velocidade do futebol atual. Mesmo assim, me preocupa a ideia de que uma transformação radical está sendo implementada a toque de caixa."
Leonardo Gaciba
"Estou há sete anos como comentarista e, só agora, posso dizer que estou totalmente familiarizado com o vídeo. Estes árbitros terão muito pouco tempo para se capacitar. Outra questão diz respeito ao jogador brasileiro, que é diferente. Teoricamente, com AV, ninguém mais vai fazer gol com a mão. Mas tem outras formas de burlar. Um contato normal que o jogador recebe e cai na área, por exemplo. Por melhores que sejam as imagens, não conseguem captar a intensidade desse toque. Uma mão nas costas, que não é falta, pode virar empurrão."
Sálvio Spínola
"A decisão de antecipar me parece esdrúxula. Por ser implementado em meio ao campeonato, causa um desequilíbrio. Uma equipe pode ter sido prejudicada no primeiro turno por um erro de arbitragem que, a partir da utilização do vídeo, seria eliminado. A CBF vem trabalhando com isso, mas com poucas experiências práticas. Preferia que a CBF focasse seus esforços para iniciar o uso dos AV na próxima temporada."
Márcio Chagas
"O uso da imagem é inevitável. A evolução do futebol exige cada vez mais do árbitro e acelera o jogo a ponto de o olho humano ser incapaz de acompanhar certos lances. O processo de acelerar a utilização, porém, parece equivocado. Tem de se começar do zero, do contrário há um desequilíbrio total por se implementar o sistema em meio à competição."
Relembre polêmicas de arbitragem no Brasileirão
* Avaí 1x1 Flamengo
6ª rodada
O árbitro marcou pênalti para o Avaí, mas voltou atrás após consultar o assistente posicionado atrás do gol.
Diori Vasconcelos
"Não houve o pênalti. Considero um lance claro. Por haver contato na disputa, talvez o AV fosse fazer recomendação de que o juiz central revisasse a decisão. O próprio árbitro perceberia o erro ao ver o monitor e voltaria atrás. O recurso eletrônico ajudaria."
* Corinthians 1x1 Flamengo
17ª rodada
Jô parte de trás para marcar o gol do Corinthians, mas o auxiliar marca impedimento inexistente. Recursos tecnológicos da transmissão da televisão mostram que o centroavante estava três metros atrás do penúltimo defensor quando seu companheiro lhe deu o passe para o gol.
Diori Vasconcelos
"No momento em que o recurso do árbitro de vídeo estiver em pleno funcionamento, esse tipo de erro jamais vai ocorrer novamente. Lance claro e erro grave. O gol seria validado em poucos segundos."
* Corinthians 1x0 Vasco
24ª rodada
Após cruzamento da esquerda, Jô aparece no segundo pau e usa o braço direito para completar para as redes e dar a vitória ao líder do campeonato.
Diori Vasconcelos
"Esse lance é claro e inequívoco. O gol foi irregular e qualquer AV poderia corrigir o erro tomado dentro de campo. O gol seria anulado em poucos segundos."
* Bahia 1x0 Grêmio
25ª rodada
Nos acréscimos do segundo tempo, Allione cai na área em lance com Edilson. O árbitro assinala o pênalti convertido por Rodrigão que dá a vitória aos baianos.
Diori Vasconcelos
"Considero que não houve o pênalti. Esse é o exemplo de lance que pode não ser considerado claro e inequívoco. Ou seja, o AV não determinaria uma decisão a ser tomada, mas poderia recomendar uma revisão. Nesse caso, o juiz central sairia do gramado para olhar a jogada no monitor para ver se há elementos que comprovem ou alterem a decisão do campo."
Sport 1x1 Vasco
25ª rodada
Mena, do Sport, chuta cruzado e a bola atinge Anderson Martins. O árbitro Sandro Meira Ricci considera que a bola bateu no braço do defensor e marca pênalti. O quarto árbitro, porém, interfere e Ricci reconsidera a decisão, alimentando rumores de que houve interferência externa.
Diori Vasconcelos
"O importante é o árbitro acertar. E Sandro Meira Ricci acertou ao voltar atrás. É lógico que toda a demora abre margem para suspeitas de que tenha ocorrido o auxílio externo. Para quem se preocupa com a perda de tempo que o AV pode causar no jogo, uma coisa é certa: o recurso eletrônico representaria uma demora muito menor do que a confusão gerada na Ilha do Retiro."