Três jogadores são filmados em meio à prática de masturbação coletiva no vestiário. Eles e o atleta que os gravou se reúnem com o presidente do clube e seus contratos são rescindidos. Houve homofobia?
A pergunta agitou debates nas redes sociais após o episódio que envolveu quatro jogadores do Gaúcho de Passo Fundo. O presidente Gilmar Rosso negou qualquer preconceito na decisão, destacando que tomaria a mesma medida se a cena flagrada fosse de prática de ato sexual entre pessoas de gêneros diferentes. Mas diante do conhecido problema da homofobia no futebol, houve quem duvidasse do dirigente.
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ZH ouviu sexólogas, um pesquisador de questões de gênero no futebol e um atleta assumidamente homossexual para avaliar o episódio. Há divergências em algumas nuances das opiniões, mas todos concordam que a exposição da masturbação, realizada no ambiente de trabalho, é tema delicado independentemente da orientação sexual.
– É muito complicado definir se houve ou não homofobia. Temos, também, de nos colocar no lugar do presidente do clube. Eu não sei o que faria se fosse ele. Fica uma situação delicada por conta da exposição – afirma Michael, jogador de vôlei que se assumiu publicamente como homossexual em 2011.
– Existiam regras, limites que o clube havia determinado (Rosso mencionou que estabeleceu regra que impedia os jogadores de publicarem vídeos e fotos sem autorização). É verdade que vivemos em uma sociedade machista, mas o sexo explícito é algo que choca, independentemente da orientação – destaca a sexóloga Lúcia Pesca.
Pesca explica que esse limite "se estica" nas redes sociais, com forte compartilhamento de material de natureza privada. Gustavo Bandeira, doutorando em educação pela UFRGS e pesquisador de questões de gênero no futebol, concorda:
– Há um "borramento" da linha que separa a vida pública da particular. Como isso é muito recente, creio que as pessoas ainda não entendem como pode repercutir a publicização de um vídeo como esse.
Mesmo que se discuta a presença ou não de preconceito na decisão do Gaúcho, é inegável o ambiente homofóbico do esporte. Tanto que houve menções às dificuldades que esses jogadores poderiam ter para dar seguimento à carreira, algo que pode estar relacionado aos xingamentos e termos preconceituosos que costumam emanar das arquibancadas. Michael foi vítima em 2011, quando atuava pelo Vôlei Futuro e sofreu com vaias e ofensas persistentes durante jogo contra o Cruzeiro, em Contagem (MG). O volante Richarlyson, que nunca disse ser homossexual, conviveu com brincadeiras de mau gosto e agressões verbais durante toda a carreira.
Bandeira explica que a intolerância se acentua em ambientes totalmente masculinos.
– Toda esta repercussão segue a lógica da sexualidade interditada em ambientes totalmente masculinos. Como só há homens e se presume que sejam heterossexuais, não se compreende que se pratiquem atos sexuais. Mas eles acontecem – explica.
– Há, inclusive, vários homens que se envolvem em relações homoeróticas nesses ambientes e, fora deles, não voltam a praticar – complementa.
Entrevistados por ZH, dois dos jogadores filmados disseram ser heterossexuais, e afirmaram que o ato era uma brincadeira para pagar uma aposta perdida por um deles. A versão causou alguma estranheza, mas a ginecologista e sexóloga Jaqueline Brendler arrisca uma possível explicação. Ressalva, porém, que somente depoimentos dos envolvidos em ambiente sigiloso são capazes de elucidar o que motivou episódios como o do Gaúcho:
– Há uma série de brincadeiras para pagar uma aposta, mas por que eles escolheram esta? Pode ser até algo extremamente machista, de que o pagador da aposta tem de fazer algo que é um megadesafio, no sentido de ser um preço alto a pagar para alguém que é "muito homem". Só que, para se ter certeza disso, não temos como nos basear no que eles dizem à mídia, sabendo que haverá forte repercussão.
Explicações sobre o ato à parte, o próprio debate criado carrega indícios de que o ambiente é menos intolerante do que em outros tempos.
– Independentemente de ter havido homofobia ou não, me parece algo positivo que o debate criado é se houve preconceito ou não. Em outros momentos, talvez a discussão fosse mais focada em cima do ato – afirma Bandeira.
O processo de aceitação dos gays no esporte parece caminhar, ainda que a passos de formiga e, por vezes, sem vontade de quem poderia acelerá-lo.
– Vejo evolução na forma com que sou tratado. Nunca mais sofri algo parecido com o que houve em Contagem, mas se assumir ainda é uma coisa muito difícil, muito particular. Ainda existe aquele medo de não saber se haverá uma repercussão negativa para a carreira do atleta – relata Michael.
* ZH Esportes