Marcado pela derrota na Copa do Mundo em 2014, Luiz Felipe Scolari está de volta à condição de comandante brasileiro vitorioso. A comemoração dos 15 anos do penta está reavivando fatos importantes na campanha de sete vitórias em sete jogos na Copa de 2002. É tempo de recordar a confiança nos tratamentos médicos que fizeram seus craques atuarem com desenvoltura, de reafirmar que viu em Rivaldo o jogador mais importante da conquista e de lembrar como conviveu com imprensa e torcedores.
Em meio à preparação de uma palestra para os jogadores do Guangzhou Evergrande na luta por mais um título na China, o técnico abriu mais suas opiniões sobre outros temas relevantes em tempos de Copa do Mundo. Felipão se propõe a ajudar a Seleção Brasileira na busca do hexa na Rússia, mas descarta falar com o atual treinador Tite, com quem já há alguns anos não mantém bom relacionamento.
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Como está sendo lembrar os 15 anos do Penta?
Tem sido muito bom. É ótimo conversar com alguns atletas que lá estiveram. Embora não fale todos os dias, mas cada vez que conversamos, lembramos que foi uma participação coletiva muito importante para todos nós naquela Copa. O Brasil sabe que, em 2002, o penta foi conquistado por jogadores maravilhosos com uma campanha espetacular, sete vitórias em sete jogos. Todos recordam aquele pessoal com muito carinho.
As seleções brasileiras campeãs deixaram uma marca. Em 1958, o Brasil mudou para ganhar. Em 1962, era o time da experiência. Em 1970, houve um arranjo tático para colocar os craques para atuarem em funções diferentes. E, em 1994, um sistema de jogo sólido com um grande protagonista técnico. Qual marca identificas no time de 2002?
Nossa Seleção mesclou um pouco de cada uma das outras. Tínhamos experiência em muitos jogadores, o ambiente bem organizado, a qualidade de trabalho, uma situação tática bem definida e assimilada, mas o principal era a qualidade individual acima de qualquer coisa. Em determinados momentos, um ou outro atleta se sobrepunha ao trabalho da equipe, mas com a consciência desta equipe. Por isso, coloco este time como um dos maiores da história do futebol brasileiro.
Naquela caminhada, antes do sofrimento natural dos jogos finais, houve uma partida que assustou a torcida. Nas oitavas de final, a Bélgica foi um adversário muito complicado. E para vocês? Qual foi o momento mais difícil?
Foi este jogo, sim. No início, não encaixamos o que treinamos, e eles tinham grandes jogadores sem ter a responsabilidade de ganhar a Copa ou chegar à final. Eles estavam jogando com total liberdade, fizeram um gol que acabou anulado. Só depois que marcamos o primeiro gol, fomos recuperando a tranquilidade para fazer o segundo e vencer por 2 a 0. Foi bem tenso. Teve também o jogo da Inglaterra nas quartas de final, em que saímos atrás de um jeito que não esperávamos (falha do zagueiro Lúcio), tivemos a estratégia alterada e acabamos virando. Mas, realmente, o da Bélgica foi o jogo mais emblemático.
Tinhas dois jogadores com título de melhor do mundo até então, Ronaldo e Rivaldo. Também tinha Ronaldinho e Kaká que viriam a ser depois. É possível imaginar hoje alguma seleção que reúna tanta qualidade individual ao mesmo tempo?
Não. Demos sorte. Deu tudo certo porque aqueles jogadores se encaixaram. Aí, porém, entra um grande mérito da equipe de trabalho que estava comigo. O doutor Runco (José Luiz Runco, médico) apostou na recuperação do Ronaldo em um trabalho especial. O mesmo ocorreu com o Rivaldo, que o Barcelona queria que operasse o joelho. Não trabalhei sozinho. Aquele grupo foi ótimo porque situações como essas evoluíram para que chegássemos lá na Copa no nosso auge. Acho que há seleções muito boas que vão disputar a Copa na Rússia, mas nenhuma tem a experiência e a qualidade para formar um time como tínhamos.
O que achas que foi pouco divulgado nesses 15 anos e que podes destacar neste aniversário?
Sempre que converso com as pessoas, com a imprensa ou em palestras, observo – o Ronaldo até fica brabo comigo quando eu digo – que o Rivaldo foi o jogador mais importante taticamente daquela Copa. Ele era responsável por uma série de detalhes táticos que davam a estabilidade à equipe quando estávamos ganhando, empatando ou até nas maiores dificuldades. Isso eu gosto de ressaltar e repito: o Rivaldo, na minha opinião, foi o jogador mais importante que nós tivemos durante o Mundial.
Aquela era uma Seleção muito aberta na convivência, seja com a imprensa ou com os torcedores. A torcida e os jornalistas, por exemplo, se hospedavam no mesmo hotel da delegação até na final. Isto ainda é possível de acontecer?
É possível, mas difícil. É preciso respeito de todas as partes, e isso já torna complicado de repetir hoje, em função das facilidades que surgiram para a mídia, das necessidades e das exigências de patrocinadores, cada um querendo aparecer mais do que o outro. Ou até da ação de empresários, em paralelo às nossas exigências como técnico. É quase impossível acontecer como em 2002. Lá na Coreia, dividíamos o espaço principalmente com a imprensa, tomamos café juntos, falávamos na hora que queríamos, obedecendo a determinados horários, que eram respeitados por todos. Hoje é muito difícil acontecer neste nível.
Não fizeste treino fechado em 2002 e tentaste repetir isto em 2014. Uma certa intimidade do grupo não fez falta na última Copa?
Acredito que possa ter feito falta, mas a nossa ideia não era essa. Achamos que conseguiríamos ficar mais fechados e contávamos com uma certa compreensão, em alguns momentos, da imprensa e dos patrocinadores, o que acabou não acontecendo. Mas também não fez diferença e não foi isto que fez com que perdêssemos a semifinal. Não é isso. Perdemos porque não tivemos qualidade naquele jogo. Estávamos levando o trabalho normalmente.
Tempos atrás, chegaste a cogitar ir à Copa do Mundo da Rússia treinando alguma seleção. É possível ainda isso acontecer?
Quase impossível. Eu tenho contrato aqui na China com o Guangzhou até o final do ano, com opção de renovação. Eles queriam que eu ficasse por dois anos. Além disso, as seleções já estão se classificando para a Copa e devem manter seus trabalhos. Para 2022, quem sabe possa surgir algo.
A anfitriã Rússia foi mal em casa na Copa das Confederações e há críticas ao trabalho da comissão técnica. Se os russos te chamassem, conversarias com eles?
Naturalmente que estudaria, porque assisti a dois jogos da Rússia e vi que não é uma má equipe. Tem boas chances de melhorar. Além disso, Copa das Confederações não diz tudo. As coisas mudam bastante até a Copa do Mundo.
Em dois anos de China, já conquistaste seis títulos, entre eles o nacional mais de uma vez e a Copa dos Campeões da Ásia. Como defines teu trabalho aí?
Defino como muito bom. Tenho um grupo de trabalho conhecido com pessoas como Murtosa, o Darlan Schneider, o Paulo Turra que veio no lugar do Ivo (Wortmann). Nos identificamos com os chineses, com os atletas, e os resultados acontecem. Mais uma vez, estamos bem no campeonato chinês e nas quartas de final da Copa dos Campeões da Ásia. Além disto tenho uma adaptação maravilhosa com a Olga (mulher dele), que gosta muito de morar aqui.
Se ganhares a Copa da Ásia, o Guangzhou vai para o Campeonato Mundial de clubes. O Real Madrid já está lá. Já pensaste que o Grêmio pode estar lá também? Terias alguma preferência entre pegar um ou outro?
Eu não. Vou apanhar dos dois (risos). Não tem escolha. Tomara que possamos chegar lá. Tenho acompanhado o Grêmio, e o Renato organizou o time muito bem. Tem chance de chegar ao título da Libertadores, que, aliás, não tem como não ser decidido por dois clubes brasileiros.
No teu time, tem um jogador do qual tu e o Tite tiram muita qualidade. Falo do Paulinho que não foi bem em 2014, mas que hoje está bem no clube e na Seleção Brasileira.
Ele chegou abalado porque, no Tottenham, tinha jogado em várias posições diferentes sem estar em uma condição ideal. Ele tem muita vitalidade, marca forte, mas não pode ficar restrito a um posicionamento apenas. Tem que se movimentar. Na nossa equipe, joga como segundo homem de meio-campo, mas faço ele ir para a meia e se juntar ao ataque, por vezes. O Renato Augusto, também aqui na China, faz algo semelhante, e eles estão sendo aproveitados da mesma maneira pelo Tite na Seleção.
Tens tido contato com o Tite, especialmente em função do Paulinho?
Não, não, não. Recebo as convocações através da CBF através de e-mail para organizar a liberação. Aliás, pouca gente noticia, mas libero o Paulinho quatro ou cinco dias antes da apresentação para ele trabalhar melhor na Seleção antecipadamente. Tenho me comunicado muito com o Fábio Mahseredjian, que conheci aí no Grêmio, e troco informações sobre as situações normais que acontecem com o jogador. Mas não tenho tido contato técnico com o Tite, nem pretendo. Quero dizer isso para vocês especificamente (os gaúchos) porque cada um faz o seu trabalho. No que puder ajudar, ajudo, mas não pretendo conversar, por uma série de razões que não vale a pena enumerar.
Mas, de um modo geral, vês o atual trabalho do Brasil com potencial para ser campeão na Rússia?
Vejo. O trabalho está muito bem organizado pelo Tite e pela sua comissão técnica, muito bem feito pelos jogadores. Há uma renovação, um estilo de jogo bem compreendido e executado pelos jogadores, que estão bem identificados com o treinador. Agora, já com a classificação obtida e pelos jogos realizados, acredito que o Brasil tenha a oportunidade de estar entre os candidatos ao título.
Qual a importância que vês, para os jogadores que estiveram contigo em 2014, em serem campeões na Rússia? Te importas de falar disto?
Sem problema. Eu sempre falo normalmente de Copa do Mundo, seja 2002, 2006 ou 2014. São coisas normais em que vencer ou perder são situações que acontecem em todas as competições. Seria ótimo que o Brasil vencesse. Seria ótimo para estes jogadores como Daniel Alves, Paulinho, Neymar, Thiago Silva, Marcelo e os outros que vêm sendo convocados, que estavam em 2014 e estarão em 2018, de acordo com a ideia do treinador. Eu estarei muito feliz com a sequência deles.
Quem são os candidatos de hoje para a Copa do Mundo do ano que vem?
Continuo dizendo que são os candidatos tradicionais. Brasil, Itália, Alemanha, a Argentina, que vai se modificar e crescer nas mãos do Sampaoli, a Espanha, que também está sendo renovada, a França, que me agrada muito. E Portugal, com o título da Euro, vai em uma condição melhor, com o Cristiano Ronaldo mantendo-se como maior jogador do mundo.