Doze anos após circular em Porto Alegre de mãos dadas com a única herdeira de uma fortuna estimada em R$ 9,5 bilhões, um dos mais experientes atletas olímpicos do Brasil elegeu a capital gaúcha como marco de um recomeço.
Com seis participações em Jogos Olímpicos e dois bronzes conquistados, ambos por equipe, em Atlanta (1996) e Sydney (2000), o cavaleiro paulista Álvaro Affonso de Miranda Neto, o Doda, busca reconstruir a carreira após o divórcio com Athina Onassis, neta do armador grego Aristóteles Onassis.
Ele passou duas décadas dividido entre a Europa e os EUA. Agora, aos 44 anos, dedica-se a um novo projeto no Brasil: a formação de cavalos BH (brasileiro de hipismo). A meta é conquistar, nos Jogos de Tóquio, em 2020, uma medalha genuinamente verde-amarela.
O primeiro passo foi dado no tradicional The Best Jump, disputado na Sociedade Hípica Porto Alegrense entre os dias 4 e 7 de maio. O desempenho com o cavalo Flyng-High das Umburanas, um BH de oito anos, não foi animador: o melhor resultado nas três provas que disputou foi um 18º lugar.
– Estava sem competir praticamente desde os Jogos do Rio. Estou fora de forma. A minha maior vitória foi voltar às pistas – avalia.
Enquanto tenta retomar a carreira após o 9º lugar no Rio 2016, uma das raras competições das quais participou nos últimos meses, Doda enfrenta batalhas em tribunais da Bélgica (onde morava com Athina) e do Brasil reivindicando cavalos e dinheiro de premiações e patrocínios. Desde outubro, mergulhou em um novo relacionamento, com a jornalista gaúcha Denize Severo, 33 anos.
A conversa a seguir se deu em uma cocheira da Hípica, momentos antes de entrar na pista. Além de não se negar a falar de sua vida pessoal, Doda respondeu sobre o atrito que teve com o ex-parceiro Rodrigo Pessoa no ano passado.
O que o trouxe para Porto Alegre depois de 12 anos sem saltar na cidade?
Calhou de eu estar com esse cavalo novo (Flyng-High das Umburanas), que vou começar a formar, com a data do concurso de Porto Alegre. Então foi ótimo reestrear em um concurso internacional, em que as condições são excelentes. Aos poucos vou desenferrujando para, em dois ou três meses, tentar estar nos Grandes Prêmios principais com esse cavalo.
Você está desenvolvendo um projeto de formação de cavalos no Brasil. Como funciona?
A ideia é procurar haras que criam BH (cavalos brasileiros de hipismo) e fazer parcerias para levar, para a próxima Olimpíada, conjuntos 100% brasileiros. Como aconteceu comigo em Atlanta (Jogos de 1996) e Sydney (2000), quando ganhei as duas medalhas de bronze por equipe, em que eu tinha um cavalo BH chamado Aspen. Como agora estou no Brasil, e aqui há alguns haras com cavalos de nível muito bom, essa parceria é uma oportunidade de levantar o cavalo brasileiro de hipismo.
Você já deu início a alguma parceria?
Ainda há uma certa dificuldade pela mentalidade no Brasil. Os criadores em geral, embora haja exceções, imaginam que o cavaleiro tem de investir dinheiro no cavalo. Essa ideia é completamente diferente do que acontece na Europa. Lá, os criadores fornecem os cavalos. E o investimento que o cavaleiro coloca é a sua técnica, o seu trabalho, que é o que vai valorizar o cavalo. Muitas vezes, os criadores acertam uma comissão na venda de um cavalo acima do normal, mais do que 10%, pelo trabalho que ele (cavaleiro) fez.
Esse projeto é voltado para os Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020?
Sim. Gosto de trabalhar a longo prazo. Tenho certeza de que, se fizer um trabalho bem feito agora, a gente tem como chegar forte à Olimpíada. E as coisas podem acontecer antes, porque teremos Mundial em 2018 (em Tryon, na Carolina do Norte, EUA) e o Pan-Americano de 2019 (em Lima, no Peru). Mas, hoje, eu coloco toda a atenção e todo o foco na Olimpíada para tentar montar uma estrutura aqui como a que eu tinha na Europa. Só que isso leva tempo.
Você sonha com um novo pódio olímpico?
Claro, essa é a meta principal. Acredito que em um ano eu esteja com a equipe inteira à disposição da Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) para poder representar o Brasil nas equipes principais.
Em Tóquio, você terá 47 anos. No hipismo, é comum ver cavaleiros mais experientes competindo em alto nível. Esse é um fator que o motiva?
Você olha a Olimpíada do Rio. Ganhou o Nick Skelton (cavaleiro britânico de 58 anos). Com quase 60 anos, ele nunca havia conquistado uma medalha olímpica individual. É uma motivação para os outros cavaleiros que, mesmo tendo participado de algumas Olimpíadas, não conquistaram a medalha individual: nunca é tarde para poder conquistar. Nesse esporte, embora haja exceções de cavaleiros mais jovens que conseguiram medalha de forma prematura, quanto mais velho você fica, mais bem preparado e mais forte está para ganhar uma medalha.
O fator mental é decisivo para o cavaleiro, então.
Muito. Você está lidando com um ser vivo. E o cavalo é, talvez, mais sensível do que um passarinho. Então, muitas de suas vitórias um cavaleiro obtém usando a paciência, a comunicação com o bicho, a sensibilidade. Nunca usando a força.
Você foi o cavaleiro brasileiro de melhor desempenho no Rio 2016, com o 9º lugar. Por equipes, o Brasil ficou em 5º. A participação brasileira foi frustrante?
Foi. Porque estávamos dentro de casa. A gente sempre acreditou numa medalha. Mas se você pensar o que representa um 5º lugar entre as maiores nações do mundo... O Brasil veio de um 4° lugar no Mundial da Normandia (em 2014, na França) e agora um 5º lugar na Olimpíada. Estamos entre os cinco primeiros nos últimos 20 anos. São resultados de muita expressão. Mas o problema é que, claro, você tendo uma cabeça de campeão, e o Brasil sendo uma potência no esporte, sempre tenta mirar a medalha. Ficamos mal-acostumados. E não podemos esquecer a infelicidade que tivemos com a eliminação do Stephan Barcha (o cavaleiro carioca foi desclassificado por ter exagerado no uso das esporas, que provocaram um ferimento em seu cavalo). Entramos na final por equipes com apenas três cavaleiros, sem a possibilidade de descarte (do conjunto de pior desempenho do time). Tenho a certeza de que, se pudéssemos contar com o Stephan no segundo percurso, no mínimo um bronze a gente teria conquistado.
Após a participação brasileira nos Jogos, você declarou que Rodrigo Pessoa teria "passado vergonha" se tivesse participado da Olimpíada. Você já conversou com ele depois disso? Houve rompimento na relação de vocês?
Não falo com o Rodrigo há muito tempo. Desde julho de 2016 (quando Pessoa anunciou a decisão de desistir da Olimpíada por não aceitar a condição de reserva da equipe). Não concordei com algumas coisas, estava mais sentindo a falta dele dentro da equipe, mesmo como reserva, porque ele poderia somar muito. Mas errei também ao dar aquela declaração, porque não sou o técnico, não tinha de me meter. Ele é o maior cavaleiro que o Brasil já teve. Já pedi desculpas publicamente por isso. Infelizmente ainda não tive a oportunidade de falar com ele. Mas acho que, no momento em que a gente se cruzar, isso se resolve logo. Já teria sido resolvido. Acontece que agora eu estou morando no Brasil, e ele, na Bélgica. Isso não se resolve pelo telefone.
Você competiu no Rio no início de um processo de separação litigiosa. O quanto isso atrapalhou seu desempenho na Olimpíada?
Foi muito difícil o processo de seleção (para a equipe brasileira dos Jogos), porque a separação era uma coisa recente, e realmente minha cabeça não estava boa. Estava bastante preocupado com a maneira... Separação é uma coisa ruim para qualquer pessoa, quando você é uma pessoa pública, não é mais apenas mais um, vamos dizer assim, "casal normal" que se separa e, quando vai ao clube, as pessoas começam a falar. Agora, quando o mundo começa a falar e ainda começa a inventar coisas que jamais aconteceram, então realmente isso incomoda porque você fica sendo julgado pelo mundo inteiro, por pessoas que nem te conhecem. Mas o fato de ter a Olimpíada pela frente me fez superar a crise na marra. E eu competi em perfeitas condições, desde Falsterbo (na Suécia), que foi minha última seletiva, quando fiz zero e zero (sem faltas nos percursos) e a gente ficou em 3º lugar na Copa, até julho, quando ganhei minha vaga (na Olimpíada), eu já estava bastante forte.
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Você está ressentido com notícias sobre uma suposta infidelidade sua e um suposto pedido de pensão a Athina Onassis?
Não. O litígio que temos é só sobre o que eu trabalhei e está dentro da nossa empresa. Em 14 anos, houve patrocínios que eu conquistei e levei lá para dentro. Tive 14 anos de patrocínios que eu coloquei dentro de uma empresa, minha premiação toda em espécie está dentro disso. E os advogados dela disseram que eu não teria direito a nada, porque houve investimentos em cavalos. Mas esse nunca foi o combinado. Eu sempre a treinei, com toda a dedicação. Ela era a número 5.000 no ranking, e chegou a ficar entre as cem primeiras do mundo e entre as 12 primeiras no Campeonato Europeu, pela Grécia, o que é uma coisa incrível, porque competia com os profissionais. Deixei muitas vezes de ser o foco da equipe, e sempre a coloquei como prioridade, porque sabia que ela precisava da minha atenção durante os treinamentos. Então, todos esses rumores me incomodaram. Porque trabalhei a vida inteira para poder dar retorno aos patrocinadores.
O processo judicial envolve tudo o que vocês adquiriram em conjunto depois do casamento?
Não tem nada a ver com o casamento, casamos com separação total de bens. A questão se refere à Victory Equestrian, empresa que criamos juntos. Eu montei a empresa, comprei, treinei os cavalos, inclusive o meu Cornetto K, orientava toda a equipe. Investi todas as minhas premiações e patrocínios na empresa, que tinha a Athina como sócia majoritária. Ou seja, quero só o que é meu de direito. Como a Victory está debaixo de um trust (instrumento jurídico que permite transferir bens a outra pessoa, que os administra), do qual Athina é beneficiária, é preciso que se abram as estruturas do trust para que eu possa recuperar o que é meu. Além de tirar as coisas que conquistei, eles estavam tentando impedir que eu continuasse a exercer minha profissão, pois tiraram meu cavalo, até minhas botas, meus casacos de competição. É algo mesquinho. Imagina que sou um dentista. Eles só não tiraram meu diploma de dentista. Tiraram meus equipamentos, minha cadeira, meu consultório.
E o caso extraconjugal não é verdade. Puseram um detetive atrás de mim por sete meses. Não apareceu uma prova. Desafio a mostrarem uma foto ou gravação.
Você sabe as motivações da Athina no processo judicial?
Não sei, não consigo entender. Não existe motivo para essa atitude dela. Ela mudou muito desde 2014, após a queda (Athina sofreu um acidente em uma prova de hipismo, em que fraturou o nariz, e sua égua preferia, Camille Z, teve de ser sacrificada). Começou a apresentar um quadro de depressão. Mas essa não é mulher que eu conheci, acho que está agindo assim por orientação de pessoas e advogados interessados em um processo contencioso. Tenho certeza de que, se dependesse dela, esse assunto já estaria resolvido.
O fato de ter priorizado a carreira dela afetou o seu desempenho nas competições?
Quando a conheci, das minhas cinco medalhas (duas olímpicas e três pan-americanas), eu já havia conquistado quatro. Tive de me adaptar e colocá-la como foco principal na equipe, porque esse era o maior objetivo dela. Ela falava: "Não interessa o que aconteça, eu faço qualquer coisa para ter resultado bom". Tanto que várias vezes em que ela tinha ofertas muito grandes por cavalos que a gente comprava, chegando a cinco, seis vezes o valor do cavalo, ela dizia: "Não vende". Porque ela queria chegar ao máximo (do desempenho como amazona). Muitas vezes, quando estávamos competindo nas mesmas provas, eu tinha que reconhecer o percurso (momento em que, 30 minutos antes da prova, os competidores entram a pé na pista para avaliar os obstáculos e o trajeto) pensando como ela monta. Cada cavalo é de um tamanho. Então, numa distância longa entre um obstáculo e outro, se o meu cavalo é muito grande, essa distância pode ficar normal. Para o dela, pode ficar curto. Então eu tinha que reconhecer o percurso pensando só nela e depois ter dois, três minutos para mim, para fazer o meu reconhecimento. Cheguei a deixar o meu cavalo aquecendo com outra pessoa.
Você competiu na Olimpíada com Cornetto K, um cavalo ao qual, após a separação, você não teve mais acesso. Você também reivindica a posse de cavalos que eram usados por sua filha (Doda tem uma menina, Viviane, 16 anos, de seu casamento anterior). Como estão esses casos?
Isso eu não consigo entender: cavalos que não têm outras funções, que eram cavalos mais velhos e que eram montados pela minha filha, ou mesmo outro que eu levei para o Mundial: eles foram mandados para um pasto, onde ficam soltos, sem trato, sem cuidado. Mas vamos ver, isso deve ser resolvido até julho. A Justiça belga está bastante empenhada.
Você está atravessando uma nova fase em sua vida pessoal, com um novo relacionamento. Como está se sentindo agora?
Hoje eu estou muito, muito feliz. Voltei a competir aqui (no The Best Jump, em Porto Alegre). Imagina: desde a Olimpíada eu não competia! Eu saltei o indoor, duas provas em São Paulo, em outubro, que eu nem conto. Esse é, de fato, o meu primeiro concurso. E eu fazia 44 concursos por ano, montando de seis a oito cavalos por dia... De repente fiquei oito meses sem montar. Isso realmente me incomodou. Mas, agora, perto da minha família, buscando soluções, trabalhando firme, tudo passa. Minha cabeça está muito boa.