Quem é Leila Pereira? A resposta depende de que lado do cenário político do Palmeiras você está. Questione a aliados sobre a presidente da Crefisa, empresa de crédito pessoal que injeta dinheiro no clube desde 2015, e ouvirá sobre a postura firme e pragmática da mandatária de 52 anos. Já os desafetos citam o temperamento difícil de alguém que coleciona conflitos.
Em um clube célebre por intensas disputas políticas internas, Leila é o mais novo motivo da discórdia. Mas por que a presidente da patrocinadora que, de acordo com levantamento do Diário de São Paulo, injetará R$ 400 milhões no Palmeiras até o fim do contrato, em 2018, é persona non grata em alguns círculos do Palestra? Os motivos incluem um longo histórico de desentendimentos com o ex-presidente Paulo Nobre e a polêmica eleição recente para o conselho, em que Leila e seu marido, José Roberto Lamacchia, foram escolhidos para ocupar duas das 300 cadeiras do legislativo palmeirense.
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Há controvérsia até a respeito das circunstâncias que levaram Leila e Lamacchia a iniciar a parceria em 2015. A versão dos empresários remete a um ditado tão italiano quanto a origem do clube: si non è vero, è ben trovato (se não é verdade, é bem contado). Lamacchia havia se recuperado de um linfoma, mas ainda estava abatido. A carioca Leila, vinda de uma família de vascaínos, sugeriu que o marido se envolvesse em algo que sempre foi uma paixão: o Palmeiras. Os dois ligaram para o número geral do clube e manifestaram o interesse em fechar um contrato de patrocínio. A telefonista achou que era trote. No dia seguinte, foram à sede e fizeram a proposta que mudou os rumos do Palmeiras e, de algum modo, do futebol brasileiro nos últimos anos.
Por trás da versão de Leila para o início da parceria está a paixão do marido pelo clube – um sentimento que, em entrevistas recentes, a empresária diz compartilhar. Há, nas entrelinhas de suas falas, a ideia de que o casal é um benfeitor, e aí mora uma das discordâncias de seus críticos. Havia, à época do início do contrato, uma negociação da Crefisa com o São Paulo. Desafetos de Leila dizem que os valores negociados com o rival eram bem superiores. Não haveria, portanto, qualquer sinal de benemerência.
Fato é que a Crefisa e a Faculdade das Américas (FAM), as duas empresas de Leila e Lamacchia que estampam suas marcas na camisa alviverde, têm se beneficiado da exposição da imagem. De acordo com a revista Exame, o lucro da Crefisa cresceu 44% em 2016 e chegou a R$ 1,1 bilhão. Muito desse resultado se deve à crise econômica, já que a empresa se notabiliza por conceder empréstimos a negativados. Já a FAM surfa na onda do sucesso do Palmeiras, com aumento de cerca de 30% no número de alunos desde o início da parceria. Há descontos em matrículas e mensalidades para quem é sócio do clube, o que gera um movimento que costuma divertir Leila: torcedores de outros times se associam ao Palmeiras em busca de preços mais acessíveis para seus cursos. A ligação é tão grande que Alejandro Guerra, contratado junto ao Atlético Nacional-COL para 2017, foi apresentado na sede da FAM.
Antes de se tornar a “mecenas” de um dos maiores clubes do país, Leila teve de ir contra a vontade do pai para estudar. Se dependesse do médico Delorme Baptista Pereira, a única filha seria dona de casa. Os dois irmãos seguiram a profissão do pai, incentivados por ele. Quando a menina manifestou o desejo de sair de Cabo Frio para estudar, Delorme não gostou.
Leila estudou Jornalismo e foi estagiária da TV Manchete. Depois, formou-se em Direito. Aos 17 anos, já no Rio, conheceu o marido. Trabalhou como advogada da Crefisa, empresa fundada por Lamacchia nos anos 1960. Pouco depois, assumiu a presidência.
Em entrevista ao UOL, Leila disse “respeitar o desejo” do marido de não ter mais filhos – Lamacchia tem um filho de um relacionamento anterior. A empresária divide o tempo livre entre os 10 cachorros – segundo a Folha, ela mantém uma equipe de cuidadores – e a paixão por óperas.
O casal tem um apartamento em Nova York, e ela costuma viajar para acompanhar os espetáculos.
Poder crescente de Leila divide os conselheiros do clube
De um lado, empresas que crescem e lucram. Do outro, uma equipe de futebol que conquista títulos. Vista assim, a parceria parece navegar em águas tranquilas. Mas a relação de Leila com a gestão Paulo Nobre foi tão conflituosa que nem sempre a tabelinha Crefisa-Palmeiras foi só alegrias.
Os desentendimentos começaram ainda em 2015, quando Leila se irritou ao não ver a marca da Crefisa na entrada dos times em campo em um jogo pela Copa do Brasil. Nobre argumentou que, por ser uma competição da CBF, era a entidade que tinha os direitos sobre os espaços publicitários em campo. A gota d’água veio em novembro, quando surgiu a ideia da confecção de uma camisa retrô que remetia aos vitoriosos anos 1990 e tinha a marca da Parmalat, parceira daqueles tempos, estampada. Leila ficou tão irritada que ligou para a redação do jornal Lance para criticar o presidente.
– Isso é uma falta de lealdade, falta de escrúpulo com o patrocinador, é motivo para rescisão de contrato. O patrocinador master é a FAM e a Crefisa, investimos quase R$ 100 milhões no Palmeiras, estamos reformando a Academia agora e o Nobre vem com essa proposta indecente? Acham que a gente é trouxa? – disse, entre outras frases fortes que questionavam as contratações de jogadores feitas pela gestão.
Os comentários mais técnicos do rompante, aliás, foram surpreendentes. Se há algo que faz aliados e desafetos de Leila concordarem é sobre a independência que ela dá à gestão do futebol.
– O departamento de futebol se comunica com ela basicamente através do Alexandre Mattos (diretor-executivo). Não só com ela, mas com o seu José (Roberto Lamacchia). Não existe, porém, qualquer interferência técnica. Toda a participação dela é a título de patrocínio. É estritamente profissional, reservada. Sabe que a tomada de decisão tem de ser racional e confia nos profissionais – elogia o gerente de futebol Cícero Souza.
A crise da camisa retrô foi contornada a partir de outros políticos do clube. Mustafá Contursi, presidente histórico entre 1993 e 2005, foi um dos que fizeram o meio de campo. Mustafá tornou-se amigo de Leila, e a Crefisa seguiu injetando dinheiro e bancando contratações que levaram aos títulos da Copa do Brasil de 2015 e do Brasileirão de 2016.
O rompimento voltou à tona no início deste ano, no último ato da gestão Paulo Nobre. Foi quando Leila e Lamacchia apresentaram suas candidaturas ao Conselho Deliberativo, pelo movimento político liderado por Mustafá.
Nobre rejeitou o pedido de candidatura de Leila, argumentando que não era sócia por tempo suficiente – o estatuto exige o mínimo de oito anos de associação, e a empresária teria se associado em 2015.
Pedido de impugnação foi reprovado no conselho
O ato de Nobre foi como dinamite no ambiente político palmeirense. Ao assumir a presidência, Maurício Galiotte, aliado histórico de Nobre, ficou em uma encruzilhada. Tinha de escolher entre permanecer ao lado do padrinho político ou preservar a relação com quem paga o excelente elenco. Ficou ao lado do dinheiro.
Como conselheiro, Nobre pediu impugnação da candidatura, ao que Mustafá garantiu que, quando era presidente, havia concedido um título de sócia-benemérita a Leila em 1996. Os aliados de Nobre se enfureceram e questionaram a veracidade do tal título.
– Por alguma razão, os documentos se extraviaram do clube. Eu apenas atestei que em 1996 eu promovi o ato para atrair pessoas para o seio do Palmeiras. O Zé Roberto (Lamacchia), pessoa da minha relação, era sócio vitalício, e não queria perder essa condição para adquirir um plano família. Por isso, concedi o título à esposa dele (Leila). Infelizmente, as pessoas do clube que estavam nesse processo já morreram todas. Se alguém estiver muito interessado, que vá em uma mesa branca – ironizou Mustafá em entrevista recente à Folha de S. Paulo.
O pedido de impugnação foi apreciado pelo conselho, e apenas os cerca de 30 aliados de Nobre votaram contra a candidatura. Leila foi eleita com um número recorde de 248 votos. Ela desconversa, mas já se fala na possibilidade de concorrer à presidência do clube em 2019, para desespero de seus críticos.
– É uma pessoa difícil e explosiva. Esse discurso de benfeitora é mentiroso. Ela fechou com o Palmeiras porque se impressionou com o sucesso do programa de sócio-torcedor, viu o engajamento do palmeirense e o que isso poderia trazer para as empresas – diz um aliado de Paulo Nobre que não quis se identificar.
– É muito educada e sensata. Na realidade, a resistência é por conta de 30 conselheiros ligados ao Paulo Nobre. A Crefisa é um patrocinador, da mesma forma que a Caixa patrocina vários clubes do Brasil, mas não com dinheiro público – rebate Seraphim del Grande, presidente do conselho.
Como se vê, difícil é saber, com precisão, quem é Leila Pereira.
* ZH Esportes