Jovens devoradores de livros de tática e alunos de cursos sobre futebol. Conhecidos por usar termos que, em entrevistas, causam alguma estranheza. Firmes adeptos do método em detrimento do empirismo, da ciência sobre o achismo. Assim é a nova geração de técnicos brasileiros que, aos poucos, deixa as categorias de base e os clubes de menor expressão para tomar conta das casamatas mais cobiçadas do país.
Eduardo Baptista foi o escolhido para comandar o campeão brasileiro Palmeiras, Roger Machado está no Atlético-MG, Jair Ventura, no Botafogo. Zé Ricardo impulsionou a boa campanha do Flamengo no Brasileirão, Antônio Carlos Zago recebeu a difícil missão de tirar o Inter da Série B e Rogério Ceni, depois de se encantar, ainda como jogador, com as ideias do mexicano Juan Carlos Osorio, foi à Europa para se aperfeiçoar antes de assumir o São Paulo.
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Os grandes times do Brasil parecem ter percebido o movimento de treinadores que já não se contentam com distribuir coletes e motivar jogadores a base de jargões de boleiro. Os novos professores querem entender o jogo a fundo para transformá-lo, algo que atinge, também, outras áreas do esporte.
– Há uma mudança na cultura da formação dos nossos técnicos. É algo que extrapola o campo e vai para outros setores, até mesmo para o jornalismo. Hoje temos leituras menos superficiais do jogo – analisa Eduardo Tega, CEO da Universidade do Futebol, instituição que promove grupos de estudo e cursos presenciais e na internet.
Ainda que o perfil "estudioso" tenha chegado aos gigantes do Brasil, ainda não há uma procura específica por esse tipo de profissional.
– Não diria que existe uma busca por este perfil, mas o técnico tem de evoluir. O que há é uma tendência à profissionalização do futebol em todas as áreas. Por outro lado, ainda temos essa figura do dirigente amador – critica o empresário Gilmar Veloz.
O técnico com vasto conhecimento teórico obriga mudanças em quem o cerca. O jornalista tem de se informar para entender o que diz seu entrevistado e, se o dirigente não se aprofundar na análise do trabalho do treinador, não é capaz de cobrá-lo. A transformação é, muitas vezes, encarada com forte resistência.
– O jogo é de ideias e conceitos. A comissão técnica tem de saber ter essa metodologia e colocar o seu modelo em prática. O problema é que, às vezes, isso é tratado com deboche, como uma brincadeira. Dizer que o cara estuda muito se torna algo pejorativo – afirma Cleber Xavier, auxiliar técnico da Seleção Brasileira.
– A maioria dos dirigentes tem uma leitura muito superficial do jogo. Não tem convicção alguma do tipo de trabalho que quer, do modelo de jogo. Acaba entregando a chave do vestiário para o treinador e o executivo. Enquanto o time estiver ganhando, fica. Quando perder, troca – diz Tega.
Os cursos da Universidade do Futebol são muito procurados por treinadores e auxiliares. Os executivos também buscam conhecimento. Os dirigentes políticos, porém, raramente vão atrás desse tipo de especialização, um indício de que tendem a ficar para trás no processo de evolução do futebol brasileiro. Ainda assim, são as figuras que ocupam os cargos mais importantes dos clubes.
Enquanto estiverem à margem do debate mais aprofundado do jogo, talvez não sejam capazes de liderar o que Tega vê como a "segunda onda" de mudança do futebol brasileiro. Ele defende que a primeira é justamente o surgimento de profissionais que valorizam o conhecimento, impulsionando a evolução de quem os cerca. O próximo passo seria fazer com que esse arcabouço teórico chegue aos jogadores e integre o processo de formação do atleta.
– O clube tem de investir para possibilitar aos jogadores o conhecimento sobre o jogo. Hoje, isso ainda depende muito da capacidade do treinador de ser didático ou não. Tem de ser parte da formação e é algo que só vai acontecer com a comunicação ideal destes conceitos – conclui.
* ZH Esportes