Chapecó amanheceu cinza. No dia seguinte à chegada dos caixões com os corpos de 50 das 71 vítimas da queda do avião que transportava a delegação da Chapecoense na Colômbia, a cor do tempo encoberto só rivalizava com o verde do clube e o preto do luto – os dois tons dominam fachadas, vitrines, marquises e quintais por toda a cidade. Moradores ainda realizaram um abraço coletivo na Arena Condá às 17h, mesmo horário e local em que o time enfrentaria o Atlético-MG pela última rodada da Série A do Campeonato Brasileiro.
Pela manhã, o movimento no estádio foi fraco, mas constante. Sob a arquibancada da Ala Leste, placas improvisadas com o nome dos jogadores, integrantes da comissão técnica e profissionais da imprensa local mortos no acidente recepcionavam os visitantes. Eram pessoas depositando uma flor, acendendo uma vela ou simplesmente contemplando os cartazes, fotos e mensagens deixados na entrada do portão 12 em homenagem às vítimas. Os arranjos de flores da cerimônia ocorrida neste sábado também foram levados para o santuário improvisado.
Uns poucos percorriam as arquibancadas e sentavam por alguns instantes diante do gramado, ainda castigado pela forte chuva que caiu durante toda a solenidade que emocionou o mundo. Nos degraus em que os torcedores cantaram, reverenciaram e choraram seus ídolos, somente as faixas de gratidão aos colombianos em português, espanhol e inglês remetem ao maior momento do clube em seus 43 anos de história. No campo onde os jogadores fizeram a Chapecoense sonhar com o título da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional, de Medellín – destino do fatídico voo –, restam apenas as tendas que abrigaram os caixões, familiares e autoridades.
E um imenso vazio que será superado, apesar de toda a dor.
A última despedida
A angustiante espera de Chapecó pelos corpos das vítimas do acidente aéreo ocorrido na madrugada de segunda-feira para terça na Colômbia terminou neste sábado com uma cerimônia inesquecível na Arena Condá. Sob a intensa chuva que caiu durante toda a solenidade, torcedores, familiares e autoridades homenagearam os atletas, integrantes da comissão técnica da Chapecoense e profissionais da imprensa local que morreram no desastre.
A maioria das pessoas havia entrado logo na abertura dos portões, às 7h30. Torcidas organizadas enalteciam a Chapecoense com cânticos como se fosse dia de jogo. Torcedores rivais como Avaí e Figueirense, Atlético-MG e Cruzeiro e Coritiba e Atlético-PR tremulavam suas bandeiras juntos. São Paulo, Joinville, Marcílio Dias, Paysandu (PA) e Santa Cruz também tinham representantes nas arquibancadas. A cada caixão que aparecia nos telões, a Arena Condá inteira explodia em palmas e lágrimas.
Os familiares que acompanhavam o cortejo começaram a entrar no gramado e ocupar seus lugares no final da manhã. Em vez de ir direto ao seu posto, a mãe do goleiro Danilo, dona Alaíde, deu uma meia volta olímpica saudando a torcida, que gritava o nome de seu filho. Às 12h30, finalmente as imagens mostraram os caminhões manobrando para estacionar atrás de uma das arquibancadas. Foi a senha para a Arena Condá inteira cantar "vamo, vamo, Chape", enquanto a Torcida Jovem rezava um Pai-Nosso.
Um a um, os caixões eram levados ao gramado por soldados até a estrutura coberta que abrigava familiares e autoridades. Nos discursos, ninguém foi mais aplaudido do que o prefeito Luciano Buligon ao agradecer o povo colombiano e citar a inscrição que o Atlético Nacional publicou na internet: "Vieram por um sonho, voltaram como lendas".
Mas nada superou a leitura do nome dos mortos, com os funcionários do clube soltando balões brancos à medida que eram pronunciados e se posicionando em frente às tendas com os caixões portando flores, bandeiras e camisetas do time. Foi o ápice de uma cerimônia que primou pelo tom respeitoso sem ser piegas.
Sensibilidade com as crianças e abraço coletivo na Arena Condá
O psiquiatra Omar Cassol Jr., que tem família em Chapecó e vive em Florianópolis, explica que a suspensão das aulas e de outras atividades faz parte da reação da cidade para se proteger e dar espaço para as pessoas assimilarem as perdas individual e coletivamente. O luto coletivo pode auxiliar familiares e amigos, como se a dor fosse diluída por todos. Em relação às crianças, ele rejeita as “mentirinhas” para preservá-las.
– Histórias como “o papai está viajando” ou “foi trabalhar e ainda não voltou” não devem ser contadas. Elas podem ser pequenas e não entender tudo o que está acontecendo, mas criança é sensibilidade pura. Procure a linguagem adequada para cada idade e comunique o que ocorreu. Essa é uma função dos pais e responsáveis, mas os professores e as escolas também precisam ter sensibilidade para lidar com o assunto.
Além das indicações dos especialistas, o ministro da igreja católica Renato Colpani receita fé para superar a dor. Ele conduziu o Pai-Nosso rezado pelos cerca de 100 torcedores que se concentraram no portão 12 da Arena Condá às 17h de domingo, mesmos local, horário e dia em que a Chapecoense jogaria contra o Atlético-MG pela última rodada da Série A do Campeonato Brasileiro.
– Vamos pedir ao Pai do céu que nos conforte, que dê paz às pessoas que perderam seus entes queridos, para que no primeiro jogo que tiver em Chapecó nós fazermos uma festa que essa cidade nunca viu. Tenho certeza de que Aquele que está lá em cima vai tirar todo e esse peso das nossas costas – garantiu, após exortar os participantes a levantarem a cabeça no momento da oração para o mundo ver que eles irão seguir em frente.
Dali, o grupo partiu para um abraço coletivo na estátua do mascote do time, o índio Condá, e em uma das laterais do estádio. Sempre entoando cânticos do time, os torcedores finalizaram a manifestação diante da loja oficial do clube, onde rezaram novamente. O presidente da torcida organizada Garra Independente, resumiu o sentimento reinante:
– É muito difícil (esquecer a dor). Mas vamos tocar a vida, apoiar a Chapecoense e torcer para que venham jogadores e diretoria tão bons como os que tínhamos.