Uma cena pitoresca chamou a atenção no jogo entre Virtus Entella x Vicenza, no último dia 30, pela sétima rodada da Série B Italiana. Ao tentar um chute pela esquerda de ataque, Cristian Galano, do Vicenza, chutou a bola direto para fora. O juiz Marco Mainardi primeiramente marcou escanteio, mas voltou atrás após a reclamação da defesa do time da casa – e da admissão de Galano de que o chute foi direto para fora.
Poderia ser apenas um lance inusitado de honestidade de um jogador, algo sem consequências no resultado do jogo – vencido pelo Virtus Entella por 4 a 1. Mas a atitude de Galano acabou sendo pioneira: ele foi premiado com um "cartão verde" pelo fair play, uma novidade implementada na segunda divisão italiana nesta temporada.
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A decisão da Lega B, entidade que administra a Série B da Itália, tem como objetivo premiar lances de fair play de jogadores ao longo da temporada. É um "cartão" simbólico: os juízes não levarão tarjetas verdes nos bolsos das camisas, e apenas comunicarão os casos quando eles ocorrerem. Galano foi o primeiro – e até agora único – atleta digno da honraria. Por enquanto, a Fifa não comentou a possibilidade de homologar algo do tipo em nenhum dos seus campeonatos.
Andrea Abodi, presidente da Lega B, havia tomado a decisão de criar o cartão verde ao final da temporada passada, e comemorou a entrega do prêmio ao atacante do Vicenza. O cartão não faz parte da súmula do jogo: para sinalizá-lo, o árbitro precisa preencher um formulário especial ao final da partida, indicando quem merece recebê-lo, já que a ideia ainda é alheia às regras do jogo.
– Este primeiro cartão verde representa um momento simbólico de grande valor ao campeonato. É o nosso empenho por um futebol verdadeiro e correto e, através destes exemplos, demonstramos a capacidade de conjugar antagonismo e respeito, junto com a colaboração dos árbitros. O cartão não vai premiar gestos comuns, mas apenas os especiais– disse o dirigente, que explicou ainda que o jogador com o maior número de verdes ao final do campeonato receberá um prêmio especial, ainda não informado.
Galano, por sua vez, garantiu que tomou a atitude de avisar o árbitro do erro por convicção pessoal.
– Fico feliz de receber este reconhecimento, pois representa os valores de lealdade que o esporte deve ter e que sempre tive pessoalmente. Para mim, foi natural dizer ao árbitro que não era escanteio. Isso representa minha personalidade e o meu modo de ser, dentro e fora de campo. Por isso me dá prazer ser o primeiro jogador a receber o cartão verde. Espero que este gesto passe a ser regra, e não mais uma exceção – afirmou.
No início deste ano, a CBF pediu autorização para aplicar o cartão que incentiva o Fair Play na Copa Verde, competição regional envolvendo times do Norte e do Centro-Oeste. Como a prazo era curto, de acordo com a entidade, a Fifa permitiu que a medida fosse incluída nas súmulas da competição a partir de 2017.
Ex-árbitro elogia medida italiana
Comentarista de arbitragem da RBS TV, o ex-árbitro Márcio Chagas gostou da ideia do cartão verde para casos especiais de fair play. Para Chagas, a iniciativa é "inovadora" – e seria bem-vinda no futebol brasileiro.
– É sensacional, uma iniciativa inovadora, que incentiva os jogadores a terem uma postura leal não só com o adversário, mas com o público e a imprensa, algo que a gente não observa no futebol nacional. Não tenho informação da aplicação do cartão verde nas competições nacionais. Mas a honestidade deveria partir de todos sem a necessidade do cartão, por conta da responsabilidade que eles têm.
Chagas ressaltou que, mesmo sem haver nenhuma discussão a respeito da novidade, seria interessante adotar algo parecido com o cartão verde para modificar a cultura atual do esporte no País.
– Hoje um jogador faz um gol com a mão e, mesmo sabendo que está errado, levanta as mãos aos céus, como se Deus fosse partidário a essa atitude ilegal. É uma questão cultural, em que o Brasil ainda engatinha no futebol: passar a perna ainda significa um prêmio por ludibriar a arbitragem e o adversário. Quem sabe essa iniciativa seja possível dentro de algum tempo, para que a gente eduque melhor o ambiente esportivo. Não só os jogadores, mas também torcedores, dirigentes e arbitragem, que comete seus erros. Infelizmente o futebol passa uma impressão negativa pelos casos de impunidade que acontecem. Tomara que sirva de exemplo.
Comentarista sugere que verde anule amarelo
Ex-árbitro e hoje comentarista da Rede Globo, Leonardo Gaciba também elogia a ideia. Para ele, o cartão verde seria um gesto público de agradecimento ao atleta que respeita as regras do jogo:
– No campo, a gente vê jogadores que tentam enganar o árbitro e burlar as regras do jogo. Infelizmente, isso é ensinado desde as categorias de base. Imagino que a própria torcida, independentemente da marcação, aplaudiria o jogador que prezasse pela verdade. É bom para o futebol.
Gaciba afirma que seria "bom para o futebol" se a medida fosse oficializada em outras ligas pelo mundo. Ele ainda sugere uma adaptação da medida: o jogador que recebesse o cartão verde poderia ter um amarelo anulado:
– O Fair Play é muito mais do que devolver a bola para o adversário, inclui respeito e combate à corrupção. Precisamos lutar por ele. Se o jogador tomou uma atitude a ponto de trocar decisão do árbitro, merece ter uma pena abrandada.
*ZHESPORTES